Argentina: Campanha contra a dívida, o FMI e o pacto com o governo. Alguns debates na esquerda

Por Sergio García y Guillermo Pacagnini

A decisão do governo de enviar um projeto ao Parlamento com o objetivo de negociar o pagamento total da dívida externa ilegítima e usurária do nosso país, levou-o a votar no Congresso essa lei, juntamente com todo o macrismo. A consequência desse voto sem rachaduras e dos acordos que virão com o Fundo e com os abutres serão de mais recortes de direitos para o nosso país. A eliminação da lei do aumento da aposentadoria, o pedido para que os trabalhadores não solicitem aumento e em Buenos Aires a decisão de negar a eles um aumento já acordado são os primeiros sinais do que está por vir.

Em torno desse debate nacional levado ao Parlamento, apenas o FIT-U votou contra e se mobilizou às portas do Congresso, repudiando essa nova entrega e divulgando uma declaração política nacional entre os trabalhadores e a juventude. Esse fato destacou a importância política da presença da esquerda unitária, anticapitalista e socialista organizada em nosso frente. Enquanto todo o arco político oficialista e opositor se estruturou em pagar essa dívida ilegítima, apenas a esquerda disse que não, mantendo uma posição coerente e histórica contra o golpe da dívida.

Sectarismo e falseamento da realidade

No ato realizado às portas do Congresso, todas as forças do FIT-U concordaram e propuseram organizar uma grande campanha contra o pagamento dessa dívida fraudulenta. (1) Como parte dessa campanha, desde o MST participamos da rádio aberta de uma série de personalidades e organizações autoconvocadas “pela suspensão do pagamento e pela investigação da dívida externa”, onde desenvolvemos nossas críticas à dívida e ao pacto entre a Governo e FMI. Uma simples ação em comum na rua, por trás de um slogan correto e que incluía a assinatura de um pronunciamento unitário exigindo a suspensão do pagamento da dívida. Essa ação ajudou a chamar atenção a essa luta, no momento em que estavam discutindo o projeto pró-pago no parlamento e aumentava esse debate na opinião pública.

Por nossa participação nessa iniciativa, recebemos críticas desnecessárias de outros partidos do FIT-U, PO e PTS, eles até escreveram artigos fazendo uma caprichosa polêmica sobre se teríamos uma “terceira posição”.

Primeiramente o PO (Partido Obreiro), em nota assinada por E. Salas, disse que essa atividade seria supostamente “incompatível” com a política do Frente de Esquerda Unidade (FIT-U), porque a declaração de convocação não contém todos os pontos que levantamos na declaração do FIT-U, porque supostamente “coloca ao governo do mesmo lado daqueles que questionam o pagamento da dívida” e porque algumas das centenas que assinaram são simpatizantes ao governo. (2)

Depois, foram os companheiros do PTS (Partido dos Trabalhadores Socialistas) quem em seu site, disseram que teríamos cometido um “novo erro” porque: “o MST assinou a declaração dos “autoconvocados” e participou de um ato com eles horas antes do ato que realizou o FIT-U nas portas do Congresso quando se tratava da lei de resgate da dívida externa” … sem notificar “a Mesa do FITU”. (3)

Em suas considerações, eles expressam não apenas visões sectárias, mas fatos que não se condizem com a realidade. Por um lado, disse que o texto dos autoconvocados não critica o governo. E está claro que, apesar de ser uma breve e limitada declaração de unidade de ação contra a dívida, ela é globalmente correta.

Na declaração dos Autoconvocados é expressamente criticado o projeto do governo porque deixa “de lado qualquer questionamento sobre a legitimidade das dívidas acumuladas e do acordo com o FMI e dá ao executivo uma via livre para negociar como continuar pagando …”; critica que o governo “anuncia sua intenção de renegociá-la o mais rápido possível, com negociações pouco transparentes e sem adequadas informações públicas”; afirma que “é hora de questionar sua origem e seu uso, bem como as condições impostas pelo FMI e os outros credores, denunciam o acordo com o FMI e a dívida como mecanismo de dominação”. Também denuncia a “aplicação de saques, poluição, exclusão e perda de direitos trabalhistas e sociais…”; reclama “suspender todos os pagamentos e o acordo com o FMI” e exige “QUE PAGUE AQUELES QUE SE BENEFICIAM DA DÍVIDA ESTELIONATÁRIA!”.

Em seu desejo por polemizar, os companheiros esquecem que o slogan “Suspensão do pagamento e investigação”, que é o eixo do texto, é claramente contra o governo que deseja pagar sem investigar. Então: qual é o problema de participar de uma rádio aberta com esse slogan e expressar toda a política que trabalhamos no FITU? Em segundo lugar, é óbvio que uma breve declaração para a suspensão do pagamento da dívida é parcial e não é comparável às declarações do FITU que expressam um acordo político programático muito mais superior. Mas, para faz uma unidade de ação em torno de um slogan correto, não podemos obrigar aos outros setores a compartilhar toda a política que o FITU realiza.

A base essencial para se fazer a unidade de ação, como qualquer trabalhador sabe, é concordar com o slogan central, embora haja debates sobre outras questões, manter a independência política de propor e debater as próprias posições nessa estrutura unitária e ter como objetivo promover a maior mobilização possível, que é um elemento imprescindível para derrotar a política de pagamento da dívida e ao recorte de direitos em curso. Todas as condições estavam presentes na atividade em que o nosso partido participou.

Por trás das falsas acusações e controvérsias, nem o PO nem o PTS respondem ao essencial: o slogan de chamada é correto ou não?, A atividade realizada na frente do Congresso e que repudiou expressamente o projeto em que foi votado favoreceu ou não a mobilização contra a política do governo ?, nossa intervenção nessa área, propondo todos os pontos do FITU e convocando a uma grande campanha unitária, aumentou ou não a possibilidade de realizar essa campanha?; Postulou ou não o FITU para liderá-la? Essas são as coisas que não respondem, o ABC da unidade de ação parece não estar nas agendas dos companheiros, que manifestam uma notória falta de vocação para a disputa.

Como cereja do bolo, eles pretendem invalidar a iniciativa em questão por alguns dos que assinaram o pronunciamento. Quem assina qualquer pronunciamento unitário corre o risco de contradizer sua própria política, e não o contrário. Se alguém assinar contra o projeto tratado no Congresso e contra a dívida e quiser defender o governo, haveria uma grande contradição e um grande problema, justamente porque o governo vai pagar sem investigar, serão esses setores oportunistas e flexíveis que terão que explicar a enorme contradição entre o que dizem e o governo que defendem por engano.

Ser de esquerda não é abster-se da disputa

De nossa parte, acreditamos que com base em uma política correta que é a do FITU, não é apenas lícito, mas é muito necessário implantá-la com força e disputá-la em todos os lugares que seja possível. Acreditamos que ao não fazer isso e ao não disputar esses espaços, enfraquece nossa frente e deixa espaço e terreno para setores que tendem a se reconciliar com o governo. Basicamente, o que acontece é que os companheiros do PTS e do PO têm uma posição sectária porque não sabem como realizar a unidade de ação e também são abstencionistas ao não disputarem nossa política em outros espaços. Isso não é novo, é um recurso de autoproclamação que vem de antes. Apenas para lembrar um exemplo: o mesmo aconteceu, quando foi realizada há um tempo a Cúpula do G20 e foi formado um espaço de unidade de ação contra o G20 e o então FIT não participou como tal em nenhum dos eventos, abstendo-se de desenvolver suas posições lá, quando, inclusive, não havia nessas atividades ninguém para apoiar o governo naquele momento.

No meio deste debate e diante da chegada do FMI na próxima semana, nos reunimos novamente na quinta-feira e fizemos de comum acordo uma declaração política nova e muito correta que declara que o FITU mobilizará e realizará um ato na Plaza de Mayo, na quarta-feira (12/02) contra a presença do FMI e do pacto do governo com este órgão. A declaração inclui, por proposta do MST, a convocação de outras organizações para mobilizarem esse dia juntos. Como resultado, foi realizada uma reunião do FITU com um grupo de organizações que assinaram a declaração das “Autoconvocadas”, propondo-as convergir com nossa mobilização e não com a que os setores relacionados ao governo estão chamando, como CTEP, CCC / PCR, Barrios de Pie, Evita, alguns sindicatos e outros que marcham no mesmo dia contra o FMI, mas em apoio a Fernández e sua negociação. Será a decisão das organizações com as quais nos encontramos ontem, se finalmente ousarão marchar independentemente com a esquerda ou se cederão ao governo, e logicamente criticaremos fortemente aqueles que cederem. Mas, é muito correto estar fazendo essa tentativa unitária que não só começou na reunião que fizemos nesta sexta-feira, mas na decisão correta do MST de participar da rádio aberta, onde começamos a tentar essa política de aproximá-los das posições do FITU e ir debatendo e propondo uma grande campanha.

Essa política pode ser alcançada ou não, mas se queremos posicionarmos e crescer o FITU, temos que tentar. A política errada proposta pelo PO e PTS é que nos sentemos para olhar de fora, em vez de intervir ativamente para desenvolver nossa política e a maior unidade de ação na rua contra o FMI e a política do governo Fernández.

Essa polêmica sobre as questões políticas e táticas devem ser colocada nesse plano sem escrever com histeria, como o PO faz ao dizer “que a atividade do MST é incompatível com a política do FITU”, quando o contrário está sendo demonstrado. Para debater produtivamente, não é necessário fazer definições completamente irreais e desproporcionais que se contradizem, uma vez que o FITU, tendo o MST como importante protagonista, continuarão juntos e nas ruas defendendo o conjunto da nossa política que temos em comum.

Para concluir, não queremos deixar de mencionar que o “PO Tendência” de Altamira se meteu nessa polêmica com o único objetivo de atuar sobre a crise atual e de conjunto do PO. Em seus escritos, ele não contribui para esse debate ou para a luta contra o FMI e o governo Fernández. Ele apenas escreve falsidades passadas e presentes que mostram que o “novo grupo” ainda tem a mesma lógica sectária e falsificada de suas origens. Embora pretendam diferenciar e brigar entre si, a Tendência e o PO oficial, continuam compartilhando a mesma incapacidade de desenvolver atividades de unidade de ação quando há uma tarefa concreta, como a luta pelo não pagamento da dívida que o necessita. Nisto, eles aparecem como dois lados da mesma moeda.

Por uma grande marcha dia 12F contra o FMI e a política do Governo

Essas polêmicas, como outras que possam surgir no futuro, são lícitas e expressam que nossa frente tem um forte e sólido acordo programático e político. Ao mesmo tempo, nas ocasiões que existem nuances e diferenças, que não devem ser escondidas, e sim debatidos, com o intuito tirar conclusões de uma maneira positiva, porque o FITU é a maior expressão de unidade da esquerda e temos que fazer os maiores esforços para ganhar mais peso e força no próximo período.

Precisamente, os debates que colocamos têm a ver com a necessidade de potencializar o protagonismo do Frente nos processos da realidade. Começando por fazer uma grande mobilização e um ato na quarta-feira contra a presença do FMI e a política do governo de pagar essa ilegítima e fraudulenta dívida externa. E continuando, por desenvolver uma campanha dinâmica e unitária que potencialize a esquerda e o FITU frente aos milhões de trabalhadores, setores populares e da juventude.

(1) https://mst.org.ar/2020/02/05/por-una-gran-campana-de-repudio-a-la-deuda-y-al-fmi/
(2) https://prensaobrera.com/politicas/67367-no-hay-una-tercera-posicion-respecto-a-la-deuda
(3) https://www.laizquierdadiario.com/No-se-puede-enfrentar-la-estafa-de-la-deuda-y-apoyar-la-politica-del-Gobierno