Brasil: Defender o Sistema Único de Saúde é defender a vida!

Por Nancy Galvão – Executiva do PSOl/SP e da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas (LS/Unidos Pra Lutar).

A pandemia de Covid-19 demonstra a incapacidade do sistema capitalista de responder o desafio sanitário, econômico-social e de salvar vidas. O mundo assiste perplexo cenas que pareciam sepultadas nos livros de História: corpos amontoados em hospitais, abandonados nos lares ou queimados em vias públicas; vítimas do coronavírus agonizando sem respiradores artificiais; milhares de trabalhadores da saúde contaminados e mortos pela falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual); milhares de desempregados vagando pelas estradas, sem transporte para levá-los às cidades de origem; fronteiras fechadas. O modo de vida capitalista tragicamente mostra-se o grande responsável pelo caos instalado no planeta.

Garantir acesso à saúde pública e gratuita é um direito humano civilizatório!

Para abrandar o impacto da pandemia, governos capitalistas foram obrigados a adotar medidas sociais opostas às dos planos de ajuste aplicados mundialmente, tais como o investimento massivo na saúde pública. Em países como a Irlanda, a saúde privada foi estatizada para garantir a equidade no atendimento dos pacientes; governos interferiram na produção para garantir a fabricação de mercadorias de combate à Covid-19, e a centenária GM foi obrigada a trocar sua produção de carros por respiradores artificiais; e a Receita Federal brasileira apreendeu cerca de 5 milhões de máscaras profissionais, importadas por uma empresa privada, em um porto de Santa Catarina.

O Sistema Único de Saúde – SUS, patrimônio do povo brasileiro, nunca foi tão aclamado pelos governos municipais, estaduais e federal, que o desmontaram ao longo de décadas, e reverenciado pela imprensa burguesa, marqueteira das medidas neoliberais. O ministro Luiz Henrique Mandetta, homem de confiança dos planos de saúde privados e das Organizações Sociais, agora veste a camisa do SUS, mas seu currículo vai de fraude em licitação pública (6 milhões na secretaria de saúde/MS), à tráfico de influência e caixa 2. Na campanha eleitoral de 2014 recebeu doação de R$ 100 mil da Amil. Mandetta, ferrenho opositor ao programa Mais Médicos, assumiu o Ministério de Saúde no governo Bolsonaro para aprofundar a privatização do SUS e fortalecer a saúde privada, por isso extinguiu vários programas de atendimento à saúde primária e avalizou os cortes de investimento, que no ano da pandemia foi superior a 9 bilhões de reais.

São Paulo, no epicentro da pandemia, entrega o SUS  às empresas privadas.

O governador Dória e o prefeito Bruno Covas usam seus mandatos a serviço do desmonte do SUS e dão à iniciativa privada rios de dinheiro público. Os profissionais e trabalhadores da Saúde, com contratos precarizados, baixos salários e um assédio moral violento, também pagam o preço dessa privatização disfarçada de Parceria Público Privado-PPP que demonstra-se, frente à pandemia, um grave erro. Desde a primeira confirmação da Covid-19 em 04 de abril, os casos só crescem, mesmo com as medidas de quarentena iniciadas em 24 de março. A contaminação entre os trabalhadores da saúde também é preocupante: até a primeira semana de abril mais de 3.300 estavam afastados por suspeita de Covid-19, e em apenas três dias foram confirmadas 10 mortes de trabalhadores da saúde no estado. Muitos mais poderão pagar com a vida a falta de EPIs. Até capa de chuva no lugar de macacão impermeável foi fornecida como “proteção”. Em depoimento emocionado, uma enfermeira desabafou: “uso fraldas para evitar ir ao banheiro, pois quando vamos, temos que trocar a máscara e não temos suficiente”. Estes trabalhadores não são testados o que os expõe ao contágio, bem como as suas famílias e os pacientes. Muitos tiveram que comprar os próprios EPIs para tentar se proteger.

Entre todos os profissionais da saúde, os mais expostos, pela precariedade das condições de trabalho e também pela completa desproteção dos contratos firmados com as empresas privadas, são os trabalhadores terceirizados que não terão nenhuma proteção, caso sejam infectados pelo coronavírus. Estão sendo recrutados para os hospitais de campanha do Anhembi e do Pacaembu, gerenciados pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM e pelo Hospital Albert Einstein, respectivamente. Os casos de subnotificação se avolumam, a Cejam, organização social responsável por 37 postos da saúde, está sob investigação do Ministério Público de SP por denúncia de procedimento que favorece a subnotificação. Essa OS teria orientado a notificar ao Ministério da Saúde somente os casos suspeitos de trabalhadores da saúde.

Outro problema é que não existem testes suficientes para a população, de modo que somente os pacientes internados em UTI são testados. Soma-se a isso a falta de reagente, matéria prima necessária para o Instituto Adolfo Lutz realizar os testes, o que faz com que existam milhares de casos suspeitos à espera de confirmação. E essa espera já causou, seja por armazenamento ou coleta inadequadas, a perda de milhares de amostras que no caso dos pacientes que já vieram a óbito, ficarão na subnotificação.

Na periferia de São Paulo o lema é: Nós por Nós

A pandemia tem ensinado muito aos trabalhadora e à população periférica, pois se é verdade que o vírus não é seletivo, o Estado capitalista é. Basta verificar a distribuição dos leitos de UTIs dos hospitais públicos municipais, onde 60% estão concentrados em três subprefeituras (Sé, Pinheiros e Vila Mariana) localizadas no centro e em áreas nobres, enquanto na periferia, que abrange 7 subprefeituras (Aricanduva, Campo Limpo, Cidade Ademar, Parelheiros, Jaçanã, Perus e Lapa), onde reside 20% da população (2 milhões e 375 mil pessoas) tem 0% de leitos.

Essa dura realidade levou a comunidade de Paraisópolis, bairro da periferia sul da capital a organizar brigadas comunitárias. Cada líder de rua é responsável por 50 moradias e tem por função verificar se os moradores apresentam sintomas da Covid-19, e a necessidade alimentar básica de cada família. A associação dos moradores também contratou três ambulâncias, dois médicos e duas enfermeiras para atendimento integral à comunidade. Nesses tempos de pandemia, a solidariedade tem despertado e os questionamentos sobre a ausência e a seletividade do Estado capitalista, também. Se faz necessário organizar comitês de ajuda mútua, arrecadação de doações de alimentos e materiais de limpeza, mas também é necessário preparar a luta para que o governo não descarregue a conta da crise econômica sobre a população pobre e trabalhadora de São Paulo e do Brasil. É nós por nós, agora e depois que a pandemia de Covid-19 passar.