Nahuel Moreno 34 anos após sua morte

Se cumpre mais um aniversário da morte do fundador da corrente histórica, da qual provém o MST da Argentina e outras organizações que integram a LIS. Nós o lembramos por meio de alguns de seus ensinamentos. Um legado teórico e político essencial, de rigorosa atualidade, para a construção do partido e da Internacional.

Por Guillermo Pacagnini

Moreno foi uma das mais importantes referências trotskistas e, sem dúvida, o principal da América Latina. Reconhecido até por seus mais ferrenhos detratores, teve o mérito de ser um dos poucos dirigentes que assumiu a tarefa de dar continuidade ao trabalho de Trotsky após sua morte e em meio a um panorama político adverso, chegando a se estabelecer como uma das principais correntes do movimento trotskista internacional.

Dedicou sua vida à construção do partido e da tarefa internacional, sem deixar de se envolver na academia e na intelectualidade.

Nós, que viemos da corrente que ele fundou, sempre o homenageamos com base na nossa tradição: longe de qualquer culto à sua figura, enfatizando algumas das valiosas ferramentas que permanecem válidas para a intervenção na rica realidade atual e cheia de oportunidades para nos construir.

A nossa homenagem centra-se também em transmitir às novas gerações e evidenciar na militância como os pilares e alicerces sobre os quais reelaboramos, atualizando a teoria, o programa e a organização, construímos cotidianamente o partido e a internacional que pode conduzir os trabalhadores a tomarem o poder e começarem a construir o socialismo na Argentina e no mundo.

Proponho uma reflexão sobre alguns desses ensinamentos, a meu ver, essenciais pelo seu peso decisivo na nossa história e pela sua inquestionável relevância.

Confiança na classe trabalhadora

A marca genética que Moreno imprimiu em nossa corrente é a confiança científica na classe trabalhadora e a necessidade de construir o partido, intervindo em suas lutas e fazendo parte desta. Levando nossa política, mas também aprendendo. Promover a mais absoluta democracia operária e conquistar os melhores dirigentes e militantes para contribuir com a construção do partido.

Herdamos de Moreno essa confiança na classe trabalhadora. Que, enquanto a classe trabalhadora lutar, há esperança de que o mundo mude. E justamente a classe trabalhadora, além dos altos e baixos, não para de lutar há décadas. Derrubou governos, derrubou regimes que foram entronizados durante anos e é isso que nos dá confiança em um mundo melhor.

Acreditamos na mobilização como única forma de modificação. Disputamos em todos os campos em que a luta de classes se expressa, mas estamos convencidos de que somente a classe trabalhadora mobilizada pode derrotar o poder capitalista.

Sem dúvida, junto com a tradição e a moral, a confiança na classe tem sido o que nos permite construir sem cedermos aos fenômenos de massa que atraíram a vanguarda. Como a conciliação de classes promovida pelo peronismo, o fiquismo guerrilheiro ou a crença de que a democracia burguesa nos primórdios de Alfonsín resolveria todos os males. É o que nos permite não sucumbir aos cantos de sereia do neo-reformismo, possibilismo e variantes kirchneristas, como infelizmente fez um setor que se dizia de esquerda.

Quando ocorreu a campanha do “fracasso do socialismo”, muitas correntes de pensamento desistiram de reconhecer a classe trabalhadora como sujeito da revolução. Hoje, diante da nova situação que o mundo vive com a crise do modelo capitalista, o papel renovado da classe trabalhadora se mostra com força total junto aos demais atores sociais, continua sendo a matéria-prima fundamental para a construção do partido. A partir daí, com essa âncora, intervir em todos os processos do movimento feminista, de estudantes, dos bairros, das lutas ambientais, disputando as lideranças políticas e sindicais.

O caminho para as massas

Um segundo pilar, sem dúvida, foi a obsessão de Moreno em abandonar a marginalidade do trotskismo e construir o partido de dentro dos processos, lutando contra o sectarismo e o oportunismo.

Trotsky, no Programa de Transição, argumentando com os sectários, afirmou que quem não eram capazes de encontrarem o caminho para as massas e só se contentam em ser um grupo que, por mais que tenham um programa, é um peso morto para a revolução. Moreno, seguindo esse caminho, buscou permanentemente aproveitar as oportunidades oferecidas pela luta de classes para que o partido se conectasse ao movimento de massas. Construindo no seio do peronismo operário em tempos de resistência, intervindo na ascenso pós-Cordobazo, não só nas lutas mas também na abertura eleitoral, desenvolvendo a campanha contra o pagamento da dívida nos tempos de Alfonsín e explorando confluências sempre a partir da estratégia de construir o partido, aproveitando as oportunidades quando outros setores da esquerda se refugiaram no dogmatismo sectário. O resultado disso é que o trotskismo se tornou uma força dinâmica e se materializou em uma forte corrente enquanto outros setores oportunistas antes fortes desapareceram da história.

Hoje, isso é muito mais importante porque há uma grande oportunidade. Embora o trotskismo não tenha se transformado por várias circunstâncias em uma corrente dominante no movimento operário e popular, há milhões que, vendo e sentindo a tremenda crise do capitalismo, começam a trilhar o caminho da revolução e olhar com simpatia para a esquerda revolucionária. O que abre oportunidades em todos os lugares que, se soubermos aproveitar, podem significar avanços qualitativos na construção. A experiência da LIS é um exemplo disso.

A paixão por construir o partido

Assim como Moreno sempre lutou para que o partido se conectasse com setores das massas e se envolvesse nos processos, sendo ousado na tática e combatendo o sectarismo, sempre o fez com um objetivo: construir e fortalecer o Partido. Esta também tem sido uma característica central da nossa corrente: o oposto do oportunismo, porque recorremos às diversas táticas para explorar a unidade com outros setores e disputar em melhores condições. Sempre o fizemos mantendo o aspecto político e organizacional de independência do nosso partido. Lutamos pela constituição de partidos revolucionários com influência de massa em nosso país e no resto do mundo. Reivindicamos o projeto leninista, de partidos de ação forjados nas batalhas centrais do movimento operário e popular. Estamos empenhados em formar um núcleo forte de quadros e militantes capazes de construir uma organização na qual se realizem milhares de trabalhadores, jovens e mulheres que saem dos antigos partidos e se distanciam das propostas do sistema, para contribuir com a luta por um governo operário e popular que conduza a mudança total da sociedade.

Internacionalismo

Sem dúvida, Moreno marcou o salto fundamental de nossa história com o trabalho político internacional. O destino do movimento operário em um país está inexoravelmente ligado à luta de classes em nível mundial, assim como em uma cidade está ligado à situação nacional. Grande parte da militância de Moreno e da nossa corrente custeava a construção de uma corrente internacional. Porque nos ajuda a alcançar maior justiça nas políticas e orientações em cada país. Mas fundamentalmente porque sem uma organização internacional, por menor que seja, é impossível construir partidos nacionais e disputar realmente o poder.

Moreno deu corpo à premissa de Trotsky: a revolução que começa em um país, se não for continuada em outros, dificulta a manutenção das conquistas e é mais provável sua regressão. Portanto, ao mesmo tempo que se constrói um partido em um país, é fundamental ajudar a construir partidos em todos os países. O imperialismo tem sua organização internacional. Para ter sucesso, os trabalhadores também precisam de uma organização global. E com base nisso, todo esforço e investimento de recursos valem a pena. Por isso, muitas vezes, fragilizamos nossa própria construção para construir uma perspectiva internacional. Moreno lutou para construir partidos em todos os países que podia. Sempre destacou que os trabalhadores de todo o mundo possuem os mesmos problemas, por isso é fundamental construir um partido em todos os lugares.

Moreno também insistiu que não há possibilidade de que um partido nacional, não importa o quão grande e forte seja, vença. Hoje pode ser visto com mais clareza do que na época em que Moreno viveu. Porque, neste mundo globalizado, a única maneira de ter sucesso, mesmo em um único país, é primeiro conseguir uma relação de forças que nos permita ter uma organização internacional poderosa.

Sobre a estratégia de construção, Moreno sempre destacou que o desenvolvimento de uma internacional não era um processo meramente evolutivo ou linear. Era preciso apostar em fusões e saltos. Por isso, não só estava obstinado pelos partidos fundadores, mas também se convenceu de que era preciso explorar a confluência com outros setores revolucionários, mesmo de outras tradições. Uma questão que temos enfrentado, desenvolvido e retrabalhado em nossa luta internacional.

É por isso colocamos todas as nossas energias na construção da LIS – Liga Socialista Internacional. O seu rápido desenvolvimento demonstra não só as possibilidades objetivas, mas também a localização prioritária que o internacionalismo tem na nossa atividade.

Distante de dogmatismo

A elaboração permanente com espírito crítico e a partir da realidade é o outro marco que queremos destacar do legado de Moreno. Ele foi um estudante profundo do marxismo. Dizia que não é para tratar como um dogma e uma receita, mas como um método científico para atualizar e melhorar de acordo com a realidade. Analisando os novos fenômenos com a cabeça aberta. Após a morte de Trotsky, ocorreram eventos que o líder russo não pôde conhecer, revoluções sem uma classe trabalhadora ou um partido revolucionário. Setores do trotskismo acreditavam que não eram revoluções porque não se encaixavam no esquema que tinham. Moreno avançou nas elaborações críticas em sua “Atualização do Programa de Transição”, o estudo das revoluções contra as ditaduras e a lei da inversão da causalidade, entre outros. Tudo isso é parte fundamental de nossa formação teórica, ainda atual. Sem isso seria muito difícil explicar muitos dos fenômenos ocorridos após a Segunda Guerra Mundial.

Isso é muito importante porque ficamos em uma situação análoga diante dos imensos fenômenos ocorridos após a morte de Moreno. Talvez a maior mudança histórica tenha sido a queda do aparato mundial stalinista, a crise sistêmica do capitalismo e os tremendos processos desencadeados. É por isso que defendemos a esse método de ser crítico ao próprio morenismo, resgatando sua essência. Portanto, avançar em novas elaborações no campo teórico, político e organizacional.

A vigência desses pilares

Esses ensinamentos são referenciais de que vivemos um estágio de abertura muito maior do que viveu Moreno. Novos fenômenos surgem diariamente para interpretar e intervir. A utilização desses pilares a serviço da reflexão crítica nos permite percorrer um caminho de novas elaborações. Convencidos de que, para enfrentar com sucesso as tarefas que se colocam com a multiplicidade de oportunidades que se apresentam, é fundamental tirar o maior número de conclusões e lições possíveis.

Iniciamos um ano político com enormes desafios na construção da LIS e suas seções nos cinco continentes. Trilhar esse caminho com a força militante é a melhor homenagem que podemos prestar a Moreno. Continuaremos lutando para mudar este mundo convencidos de que não é uma utopia. A única coisa utópica, pura ficção científica, é acreditar que o capitalismo resolverá os problemas. Por isso, a melhor homenagem a Moreno é continuar construindo o partido, a Internacional, acreditando na classe trabalhadora e na mobilização, e que um mundo socialista é possível e necessário. Moreno certamente nos diria para continuar lutando, porque não há nada ou ninguém para nos dizer que não podemos triunfar.