Porto Rico: A revolução porto-riquenha derrubou o corrupto Rosselló

No dia 24 de julho o governador de Porto Rico, Ricardo (Ricky) Rosselló, renunciou. Fez isso após 10 dias de protestos massivos e da enorme greve e mobilização que na segunda-feira 22 protagonizaram meio milhão de habitantes da ilha em repúdio a uma série de chats que com forte conteúdo misógino e anti LGBT desnudaram uma enorme corrupção, enquanto o povo porto-riquenho atravessa um período de granes penúrias.

El pueblo no aguanta más injusticias
Se cansó de tus mentiras y de que manipules las noticias
Ey, ey, todos los combos, los caseríos somos nuestra milicia
Ya no nos coges de pendejo
Eres un corrupto que de corruptos coges consejos
Arranca pa’l carajo y vete lejos
Y denle la bienvenida a la generación del: 
Yo no me dejo.

(“Afilando los cuchillo”, música de Residente e Bad Bunny, com cinco milhões de visitas na internet)

No dia 13 de julho, o Centro de Jornalismo Investigativo divulgou 899 páginas de conversas por Telegram entre o governador e sua equipe. Mensagens com expressões machistas, LGBTfobicas, de desprezo sobre o povo porto-riquenho e as vítimas do furacão María, trazendo a toda também uma importante rede de corrupção governamental, provocaram uma rebelião que exigia a renuncia do governador e sua equipe.

Segundo os términos da sua renuncia, Rosselló deverá abandonar o governo on dia 2 de agosto. Porém, ainda não tem substituto, já que teria que ser substituído por seu Secretário de Estado que também renunciou e sua Secretária de Justiça, Wanda Vázquez, que continua na linha sucessória, que é resistida pelo povo que canta “Não te vistas, que não vais”, já que está acusada de corrupção e anunciou sua intenção de renunciar.

Quando escrevemos estas linhas, o poder em Porto Rico está vacante. Como em toda crise revolucionária, o poder está nas ruas. Ainda que a crise aguda e o vazio geralmente não dura e mais ainda se não há uma alternativa revolucionária capaz de ocupar o lugar vacante.  

As causas da explosão

A publicação das conversas foi a gota que transbordou o copo de uma crise que combinava uma crescente exploração capitalista e decadência da ilha, engarrafada na renegociação de uma enorme dívida pública, com uma corrupção galopante nas esferas do poder.

Porto Rico, que sob o enganoso nome de “Estado Livre Associado” é na realidade uma colônia ianque, com 3 milhões e meio de habitantes e 5 milhões que emigraram ao território estadunidense, atravessa um processo de enorme decadência da sua economia. Passou de ser o centro dos investimentos das multinacionais estadunidenses na década de 90, para as quais era o lugar de mão de obra barata que estava isenta do pagamento de impostos pela seção 936 do Código de Rendas Internas do Governo federal dos Estados Unidos, para entrar em um período de grave decadência econômica a partir da finalização destas isenções em 2005, já que muitos destes investidores realizaram similares ou melhores lucros no México depois da assinatura do NAFTA e em outros mercados.

Como consequência disso o desemprego e a pobreza começaram a disparar para níveis recordes. Hoje o desemprego supera 8,5% segundo dados oficiais (para outras fontes é superior a 15%) e a pobreza supera 40%. Números que não podem ser aliviados pela escassa ajuda assistencial enviada por Washington para evitar um colapso total.

Para cobrir sua “falência” os governadores do estado porto-riquenho contraíram uma enorme dívida pública. Segundo o New York Times de 18 de julho: “os líderes da ilha, território estadunidense, pediram emprestado 74.000 milhões de dólares, principalmente para equilibrar o orçamento, e gastaram todo o dinheiro no sistema público de pensões. A ilha deve cerca de 55.000 milhões de dólares aos aposentados.

Os fundos pedidos como empréstimo são “uma complexa combinação de fundos mútuos e de cobertura (hedge funds)  até chegar aos atuais U$73.000 milhões em dívida.(…) os títulos que a ilha emitia se encontram isentos de impostos sobre a renda para o resto dos estados. Por tanto, esses bônus foram desejados por investidores de vários pontos dos Estados Unidos. Assim os passivos não deixaram de crescer até que, em 2015, o então governador de Porto Rico, Alejandro García Padilla, declarou como “impagável” a dívida pública do estado livre associado.” (BBC News, 4/5/2017)

Isto deu origem a Lei Promessa (de pagar essa dívida), que Obama assinou em junho de 2016, que cria a Junta de Supervisão Fiscal (JSF), que está destinada a diminuir o “gasto fiscal”, lê-se cortes nas pensões, privatizar a saúde, cortas itens para a educação, os serviços sociais e negociar com os credores. Por isso as manifestações pediam a renuncia de Ricky e da Junta.

Como aponta o companheiro porto-riquenho Jorge Rodríguez Vélez em seu artigo publicado no site da LIS no dia 27/07: “Vale destacar que Julia Keleher, secretaria de educação, que foi apresentada no dia 11 de julho, foi a cara e operadora do governo no fechamento de 442 escolas, toda uma política de privatização da educação que soma a reforma trabalhista em que as e os trabalhadores sofreram a redução das pensões e perderam importantes benefícios, tanto no setor público como no setor privado.”

E o desastre do furacão María

A esse tema se deve somar os graves danos do furacão María, de 2017, que deixou 3.000 vítimas segundo dados oficiais e 4,645 segundo a Universidade de Harvard, dos quais o governo só recorreu 64 durante um longo período e que deixou grande parte da ilha sem energia elétrica durante vários meses, pela total ineficiência e manejo corrupto da Autoridade de Energia Elétrica de Porto Rico, conhecida como PREPA. Dos míseros fundos votados pelo Congresso dos Estados Unidos para ajudar esta emergência menos da metade chegaram à ilha.

Uma revolução democrática em curso

O levantamento porto-riquenho tem um caráter espontâneo. Não foi dirigido por uma direção clara e teve um caráter muito massivo. Como em muitas revoluções democráticas, unificaram os mais amplos setores populares com outros setores da superestrutura política que oportunistamente e ante o descontrole se somaram ao pedido de renuncia de Rosselló. O curso do processo porto-riquenho vai enfrentar estes aliados circunstanciais, entre os que querem deter o processo nos marcos do atual regime e a mobilização para levar até o fim as tarefas democráticas.

Assim a revista Jacobin (do dia 26/07) descreveu o processo: “Todos os setores da sociedade porto-riquenha se uniram em uma tentativa de derrotar o governador Ricardo Rosselló. Mais de 10% de toda a população da ilha marchou nas ruas de San Juan no dia 17 de julho, e mais de 14% no dia 22, com outro dia de protesto nacional massivo programado para o dia 25 de julho, uma verdadeira revolução se fosse acontecer em qualquer dos cinquenta Estados Unidos. Nada como isso aconteceu na memória viva.”

“Os chamados para a renuncia de Roselló não vieram só de sindicatos, organizações de direitos das mulheres, estudantes e outros grupos da sociedade civil, mas de membros de todos os partidos políticos, ex-governadores, representantes do Congresso dos Estados Unidos, uma associação de policias, serviços armados porto-riquenhos no estrangeiro e o setor privado.”

Como bem aponta Rodríguez Vélez: “As manifestações espontâneas que exigiam a renuncia de Roselló deram um novo ar de otimismo para a população. Eles se livraram de um governador vindo das mãos dos Estados Unidos com a arma mais poderosa que o povo tem…

“Esta vitória tem muito significado para o povo porto-riquenho e deve se expandir por toda a região. O povo levantou o orgulho de ser protagonista de uma verdadeira revolução democrática. Através da mobilização conseguiram retirar um governador, sendo colônia do imperialismo. A confiança que se recuperou através da greve e da mobilização ficará gravada no povo porto-riquenho que já provou suas próprias forças. A luta apenas começou. Trabalhadoras e trabalhadores, a comunidade LGBT, as mulheres, são conscientes de sua própria força na luta por seus direitos.”

A luta agora que começou

A crise estrutural da ilha é tão grave que muitos meios do establishment comentam preocupados que qualquer pessoa que chegue ao governo da ilha não tem muitas saídas que não seja um plano brutal de ajuste. Fazem isso de forma cínica porque a “má gestão” da classe dirigente do Porto Rico, totalmente pró-imperialista, que aspira que o arquipélago se transforme no estado 51 da União, tem sido totalmente consentidos pelas administrações democratas e republicanas do momento, e tem a mesma lógica de rapina capitalista pela ganancia que levou a explosão da crise de 2008.

Décadas de “investimentos” das multinacionais aproveitando suas vantagens comparativas de isenções impositivas e mão de obra barata não criaram uma matriz produtiva à serviço do povo da ilha. Pelo contrário, fizeram uma economia mais frágil e dependente, que se desmorona com os balanços e as crises dos negócios imperialistas.

Não há saída para o povo porto-riquenho que não seja desconhecendo a imensa “dívida externa”.  Destinar esses fundos para trabalho, saúde e educação. O desconhecimento da dívida é uma tarefa democrática e antiimperialista. E apresenta a outra grande tarefa antiimperia-lista: a independência dos Estados Unidos.

A soberania

Porto Rico desde seu descobrimento em 1493 até sua transferência por parte da Espanha para os Estados Unidos no Tratado de Paris de 1989, depois da guerra hispano-estadunidense, teve um status colonial.

Seus habitantes são “cidadãos estadunidenses” de segunda classe. Podem votar apenas se vivem em território dos 50 estados ianques. Sua Constituição e governo autônomo podem sofrer intervenção pelo Congresso estadunidense, mesmo que não possam eleger representantes. O integram através de uma “Comissão Residente” que tem direito a voz, mas não a voto. Sua economia em aberta crise e decadência está controlada pelas multinacionais ianques. A moeda, a defesa, as relações internacionais, a regulação do comércio, dependem do governo ianque. Agora a negociação da dívida.

Foram feitos vários plebiscitos para que a população se pronuncie sobre o status de soberania da ilha. É difícil tomá-los como única referencia já que no último, realizado em 2017, que ganhou esmagadoramente a opção de reclamar ser um estado pleno dos Estados Unidos, votaram apenas 22% do eleitorado.

Depois de tantos anos de estatuto colonial e tendo em conta a atual crise econômica e política dos Estados Unidos, além de tal ou qual declaração demagógica, esta opção está longe dos interesses da burguesia imperialista. Porto Rico não tem futuro como colônia estadunidense, só poderá progredir como um país independente. As a luta pela independência não poderá ser liderada por sua corrupta e entreguista burguesia. Tanto o Partido Novo Progressista (PNP)  do governo, como o opositor Partido Democrático Popular (PDP), querem depender dos Estados Unidos.

Apenas os trabalhadores e o povo porto-riquenho que hoje são donos das ruas poderão, construindo uma alternativa revolucionária, realizar esta tarefa histórica que a burguesia é incapaz de realizar. E o fará lutando por medidas, como o não pagamento da dívida, a luta contra as privatizações e contra a flexibilidade trabalhista, medidas que tem objetivamente uma dinâmica anticapitalista.

Por isso, ao mesmo tempo que encoraja o desenvolvimento da mobilização popular e terminam de expulsar todos os personagens deste regime corrupto e entreguista, é necessário mais que nunca lutar por uma Assembleia Constituinte Soberana que seja responsável pelos destinos do país, de independizando do amo ianque, levando ao poder os representantes legítimos da mobilização popular e desenvolvendo um programa à serviço do povo porto-riquenho, um programa socialista.

Gustavo Giménez