Refúgio

Um debate tangencial, mas que surgiu na conferência da FIT-U do último fim de semana, foi o sócio-ambiental. A única apresentação sobre o assunto foi feita em poucos minutos por Luciana Echevarría, deputada do MST de Córdoba, Argentina e a seção da LIS desse pais. Uma das partes que compõem a fachada, Esquerda Socialista- UIT, a questionou. Portanto, neste artigo esclarecemos nossa perspectiva.

Escreva: Mariano Rosa, coordenador da Rede Ecossocialista e o MST-LIS, Argentina.

O Dogma pode operar como um refúgio. A falsificação polêmica e forçada como método de encobrimento. Cobertura de quê? Cobertura de como? Impotência política dos refugiados, incoerência teórica. Encobrir a inexperiência acumulada ou a preguiça intelectual, que se prefere não arriscar. Em outras palavras, trata-se de uma espécie de “embalagem” política. Começamos o artigo aqui, porque nosso partido fundou há seis anos uma corrente nacional para intervir na frente sócio-ambiental: a Rede Ecossocialista. Esta determinação tática veio após três ou quatro anos de participação na resistência mega-mineira, na denúncia do agronegócio, na tenacidade paciente (mas constante) para tentar compreender este novo fenômeno de decadência sistêmica, para interagir com a vanguarda de seu movimento, e para lutar ideologicamente com diferentes correntes, levantando um programa da esquerda, em segundo plano, revolucionário. Eles passaram quase 10 anos de aprendizado nacional e internacional. Porque implantamos campanhas, promovemos reuniões, assembléias, oficinas. Porque fomos convidados para eventos na América Latina e Europa. Porque tivemos que ter entre 150 e 200 artigos publicados com debates que vão desde a matriz extrativa no país, até a experiência do planejamento burocrático do estalinismo e sua deriva ecológica. Em resumo: não somos recém-chegados nem improvisados nesta frente de luta anticapitalista. Portanto, a seriedade mais elementar para levantar uma polêmica, é estudar o adversário com um certo cuidado. A Esquerda Socialista- UIT, não aceitou esse trabalho básico. Mas, em resumo, vamos deixar a análise do debate para explicar com argumentos, pela enésima vez, algumas de nossas posições estratégicas.

O ponto de não retorno

É tudo mais do mesmo no mundo e, portanto, nada de novo para se pensar? Vamos lá ver. As condições ambientais que prevaleceram desde a última era glacial – as únicas condições em que as civilizações humanas existiram – estão sendo enterradas. A mudança climática é o exemplo mais óbvio: o nível de dióxido de carbono na atmosfera é agora muito mais elevado do que em qualquer outro momento nos últimos dois milhões de anos. Vamos repetir: 2 milhões de anos. Este limite da crise global não é um aspecto secundário: é fundamental e novo devido a sua escala e dinâmica. O capitalismo tem levado a civilização a vários limites nas últimas décadas. O que estamos a dizer é que o capitalismo está fazendo regredir a vida no planeta. Uma prova disso é toda a série de novas doenças zoonóticas (vírus, bactérias e parasitas que passam da vida selvagem para os seres humanos e animais domésticos) que surgem a cada 4 ou 5 anos em todo o mundo porque o modo de produção está devastando as florestas primárias, substituindo-as por monoculturas, a fim de aumentar as margens de lucro. Nos ecossistemas desestabilizados há mais chances de que doenças como o Ébola, o vírus Zika, a gripe suína, outras novas gripes, e agora a Covid-19 se espalhem para as comunidades próximas. O aquecimento global piora a situação ao permitir (ou forçar) que patógenos portadores deixem áreas isoladas onde eles existiam sem serem detectados por séculos ou mais. As alterações climáticas também enfraquecem os sistemas imunitários das pessoas e dos animais, tornando-os mais vulneráveis às doenças e com maior probabilidade de sofrer complicações extremas. O esvaziamento da saúde pública, para subsidiar corporações ou pagar dívidas estrangeiras, completa o quadro. Então, esta realidade não justifica que nós, marxistas, abramos a cabeça para pensar de forma criativa, política e inovadora? Bem, nós (eco) socialistas do MST e da LIS, já dizemos sim há muito tempo.

Marx e a questão ecológica

A carga que nos é feita por Esquerda Socialista- UIT seria mais ou menos assim: “Como existem correntes ou personalidades que usam o rótulo “ecossocialista” e são reformistas, vocês, militantes do MST e da LIS que constroem a Rede Ecossocialista, também são reformistas. Até o silogismo, continua: “e como esses ecossocialistas reformista (alguns deles pelo menos) apoiam o DSA nos EUA, e há uma corrente de reformismo ecológico nesse partido, adivinhe? Vocês são reformistas. Bem, este foi o “argumento polémico” contra nós na Conferência da FIT-U. Com esse tipo de raciocínio, poderíamos dizer que Stalin também dizia que ele era um marxista. A Esquerda Socialista- UIT diz que ele é um marxista. Então a Esquerda Socialista- UIT é estalinista, certo? Por sorte, o Marx estudou, com a mente aberta. E é por isso que seu pensamento deixou coordenadas metodológicas (sem receitas, sem verdades absolutas), que a mais de 150 anos ainda têm potencial político e teórico para entender processos inovadores.

Por exemplo:

A brecha metabólica; como categoria dedicada a explicar a ruptura e a dissociação que a lógica do lucro produz entre a civilização humana e os ecossistemas O capital esgota as duas fontes fundamentais da riqueza social: a força humana e a natureza. Isto é relevante para ser aplicado hoje em dia.

Gestão racional; a proposta da necessidade de recuperar um intercâmbio com o meio ambiente, sustentável, e para isso, o planejamento democrático da produção. Outro conceito vital.

A substituição de valores de troca por valores de uso; a supressão da propriedade privada capitalista e o fetichismo da mercadoria. Hoje, aplicável à obsolescência programada ou à publicidade comercial que incentiva o consumo artificial excessivo. Isto, como uma pista de pesquisa política, também é de Marx. E ele veio a traçar esses eixos, aproximadamente (porque ele não era um “ecologista”), estudando o químico Liebig, então Carl Fraas, um proto-climatologista e assim desenvolveu a idéia de que o capitalismo multiplica as forças destrutivas, não as produtivas, até certo ponto. Ou seja: ele não repetiu fórmulas pré-concebidas. Estimulava, explorava, formulava hipóteses.

Em síntese: claro que há reformistas e obviamente há traficantes de marxismo açucarados. Eles são um perigo. Mas os guardiões medievais de Marx, também espalham falsas ideologias. Nós fugimos daquele nicho.

Aquela criança saudável e céptica

A transição para o socialismo inclui assumir todo o legado do desastre capitalista a fim de superá-lo. A sobrevivência desta organização social já decadente causa fenómenos imprevistos. A tecnologia não é neutra em geral, ela depende como ciência da orientação da classe que a utiliza. Mas, ao mesmo tempo, o capital, nesta fase, desenvolve modos de produção prejudiciais em si, independentemente da classe. Abolir ramos inteiros da produção é uma tarefa destrutiva e revolucionária, para a classe trabalhadora no poder. E para reconverter esses ramos, com a garantia da continuidade do trabalho como uma prioridade. Ao mesmo tempo, para a esquerda de capela, é um tabu. Para nós, é uma novidade.

A sociedade pela qual lutamos deve ser baseada numa racionalidade diferente da classe, operária e dos explorados como um todo. E, ao mesmo tempo, integrar o vetor socioambiental como parâmetro, para um plano de resgate dos ecossistemas da depredação capitalista. Isto, também, é uma novidade. Nosso propósito é a propriedade coletiva dos meios de produção, para um planejamento democrático de tudo. Nossa concepção não é a de uma limitação do “consumo geral”, mas uma mudança na matriz de produção, uma reeducação global do consumo, o fim da ostentação, do desperdício, da alienação e da acumulação que prevalece na ordem capitalista.

A inovação tecnológica, para aliviar a carga coletiva do trabalho socialmente necessário. Trabalhando todos e trabalhando menos.

O lazer social de massas como pré-requisito para uma democracia política de classe, também.

Por tudo isso, como projeto anticapitalista e socialista, requer uma classe trabalhadora mobilizada e auto-organizada e um partido revolucionário e internacional, porque essa é a escala da nossa perspectiva estratégica. Mais uma vez: o dogmatismo é outro filho saudável do cepticismo. Porque aquele que não acredita, não se prepara. É sectária porque se autopreserva ou oportunista, porque se apega ao que mais tem à mão, ao que já pensou. Mas ele também deixa o “novo”, o “difícil”, o “contraditório” para depois, não tem pressa. Este não é o nosso caso. Estamos com pressa e estamos a correr a fronteira do que é possível. Traçamos hipóteses, estudamos, militamos, avaliamos, apelamos à tentativa e ao erro. É por isso que nós somos efetiva e orgulhosamente revolucionários (eco) socialistas. É assim que as coisas são.