No dia 5 de março, milhares de pessoas exigiram a renúncia de Mario Abdo nas ruas de Assunção. A partir daí, as manifestações de rua não pararam. Entrevistamos nossos companheiros Nico G. e Juampi B. da Alternativa Socialista, seção paraguaia da LIS, para sabermos melhor sobre o processo pelo qual estão passando.
Por que explodiu o “Março paraguaio”?
Juampi: Basicamente dois dos acontecimentos ocorridos em março que marcaram o país nas últimas décadas: em 1999, quando 8 jovens perderam a vida em meio a protestos e em 2017, quando milhares rejeitaram a reeleição de Horácio Cartes e o Congresso foi incendiado. A nova Marcha do Paraguai explodiu diante de Mario Abdo, que deve enfrentar um povo farto de seus líderes e do Partido Colorado. A pandemia acelerou a crise capitalista no mundo, as contradições do sistema se agravaram e isso, no Paraguai, se refletiu no aumento do desemprego, na tentativa de fortalecer a repressão e numa dívida milionária, empréstimo que foi distribuído entre ministros e empresas fantasmas. Ao mesmo tempo, centenas de trabalhadores morrem em um sistema de saúde sucateado e em colapso; A indignação popular cresceu até que a população atingiu o limite devido à falta de medicamentos contra o coronavírus, o que obriga milhares de famílias a se endividarem ou morrerem diretamente por isso. Além disso, a quantidade de vacinas que chegaram foi lamentável. Estamos com um governo inepto que saiu implorando por vacinas em seus discursos, mas na realidade nada fez para obtê-las.
Tem um caráter fundamentalmente espontâneo, autoconvocado?
Nico: Isso que começamos a ver no Paraguai é a descrição perfeita de uma autoconvocação espontânea das massas que cansaram de esperar as falsas soluções do Estado, por isso saímos às ruas gritando “Que se vayan todos – Fora todos”. Não nos calaremos, o povo está cansado de maus tratos e privilégios de poucos e não se contenta com migalhas. Mario Abdo zombou das pessoas em inúmeras ocasiões, algumas semanas atrás um vídeo onde um parente de um paciente com coronavírus é visto implorando ao presidente por remédios viralizou e ele respondeu “Eu não sou médico, não sei quais suprimentos são necessários aqui”, quando já havia afirmado que o Paraguai tem o melhor sistema de saúde do mundo.
Ainda temos que analisar e ver a evolução do processo enquanto intervimos, mas em princípio é uma revolução contra o Partido Colorado, que governou por 70 anos, entre a ditadura e a “democracia”. As mobilizações são autoconvocadas, não há lideranças para hegemonizar o descontentamento, por agora não foi canalizado por nenhum candidato, mesmo em ano eleitoral. Os dirigentes da oposição brilham pela ausência, as centrais operárias não convocam uma Greve Geral, as poderosas federações camponesas não agem e os parlamentares luguistas e liberais não se atrevem a encorajar de forma categórica as lutas de rua. Centenas de operários e camponeses de todo o país chegam a Assunção como podem, apesar de suas direções, para mostrarem seu descontentamento e, quem não vem à Assunção, abrem avenidas e caminhos em suas cidades e vilas.
Quais as palavras de ordem do movimento?
Juampi: Principalmente “Fuera Marito – Fora Marito”, “Que se vayan todos – Fora todos” e “ANR Nunca Más – Partido Colorado nunca mais”, mas a reivindicação por trás dessas palavras de ordem é um sistema de saúde com leitos de UTI, medicamentos e a vacina contra o coronavírus; educação pública gratuíta e de qualidade, o fim da miséria econômica, já que milhares ficaram sem trabalho devido à pandemia e à crise econômica, além do fim do feminicídio e da violência sexista. Principalmente milhares de jovens, entre 17 e 25 anos, estão mobilizados, são a geração que ocupou escolas e universidades entre 2015 e 2017, este setor tem muita simpatia do movimento operário, do campesinato e dos setores médios.
Qual a reação do governo Mario Abdo y Cartes?
Nico: Horas antes da mobilização de sexta-feira, por medo, o ministro da Saúde renunciou, no dia seguinte Abdo pediu a todos os seus ministros deixassem os cargos à disposição, somou a renúncia do ministro da Educação, a ministra da mulher e o Gabinete Civil. Os mais questionados. Vice-ministros e outros altos funcionários também renunciaram.
O governo está débil, um setor dos colorados avisou que vai convocar mobilizações em apoio ao presidente, mas nada por enquanto. O presidente tem o apoio do ex-presidente e narcotraficante Horácio Cartes, que está colocando ministros onde houve demissões e isso gera maior indignação entre jovens e trabalhadores.
Que política propõe a oposição burguesa e Lugo, da Frente Guasú?
Juampi: A oposição burguesa aposta no impeachment de Mário Abdo, busca uma solução institucional, com eleições antecipadas, o que consideramos uma armadilha já que não são soluções reais, só pretendem conter a rebelião porque sabem que também serão usados o FG e o Partido Liberal, que se passam por progressistas mas não fazem nada para destituir o governo. Na verdade, para o impeachment, precisam do apoio parlamentar dos partidos mais à direita como o Patria Querida e a bancada Horacio Cartes.
Qual é o programa da Alternativa Socialista no Paraguai?
Nico: Propomos uma solução revolucionária e socialista para as maiorias exploradas; a primeira tarefa que temos é botar pra fora o governo de Abdo, este caminho está nas ruas. Não confiamos nas instituições do Estado que apoiaram e toleraram esta fraude contra o povo paraguaio durante décadas. Devemos convocar uma Greve Geral até que todos saiam, formar um governo emergencial dos trabalhadores e setores populares que aplique um plano de resgate diante da crise e convocar uma Assembleia Constituinte livre, soberana e democrática para reorganizar o Paraguai sob novas bases, onde não haja privilégios, corruptos ou repressores.
Quais as perspectivas deste processo?
Juampi: Acreditamos que é um processo aberto, uma revolução em andamento, o povo se fortaleceu no primeiro dia em que derrotou a repressão, a partir daí todos os dias há mobilizações e confrontos de rua, é preciso que o movimento operário e camponês tome uma ação, indo além de suas direções e isso começa a ser percebido no campesinato. Há um amplo espaço para a construção de uma alternativa socialista que se fortalecerá nesses combates. Parece-nos que as análises da LIS estavam corretas, vivemos em uma situação pré-revolucionária mundial, então o internacionalismo militante é a chave para preencher a solidariedade e fortalecer cada uma das lutas em nossos países, para alcançarmos a libertação da classe trabalhadora no mundo.
Entrevista por M. R.