Por Emilio Poliak
“Serei implacável; o castigo será completo e a justiça inflexível… O chão está coberto de seus cadáveres; este horrível espetáculo servirá de lição”. Com estas palavras, Louis Adolphe Thiers, chefe do poder executivo da Terceira República Francesa, anunciou a derrota da Comuna. Cerca de 30 mil parisienses mortos, 45 mil presos – muitos deles, posteriormente executados – e milhares exilados ou condenados a trabalhos forçados. Desta forma, a burguesia francesa puniu a audácia de um povo que mostrou pela primeira vez que a classe trabalhadora pode tomar o poder em suas próprias mãos e dar origem a uma nova ordem social.
A Guerra Franco-Prussiana e a Revolução
Em 1870, sob a liderança do chanceler Otto Von Bismarck, a Prússia avançava para a unificação alemã ao ameaçar a hegemonia francesa na Europa. Em 15 de julho, o império de Luís Bonaparte (Napoleão III) declarou guerra contra Bismarck, mas a aventura durou pouco. Em 2 de setembro, Napoleão III é derrotado e feito prisioneiro com mais de 100 mil soldados.
Em 4 de setembro, mobilizações massivas em Paris derrubaram o império e forçaram a proclamação da República. É criado um governo de Defesa Nacional que, na realidade, obstrui e abandona toda a defesa de Paris. A capital esteve sitiada por tropas prussianas há quatro meses.
O governo estava apenas procurando negociar a paz. Em 28 de janeiro de 1871 foi decidida a rendição da cidade. Bismarck concordou com uma trégua para convocar eleições a uma Assembleia Nacional que ratificasse as condições impostas pela Prússia: desarmamento do exército em Paris, pagamento de uma indenização milionária e transferência para a Alemanha das cidades da Alsácia e Lorena. Nas eleições triunfam os setores mais reacionários e Thiers é nomeado chefe do poder executivo da Terceira República Francesa. O novo governo foi instalado na cidade de Versalhes, poucos quilômetros da capital. Seu principal objetivo era desarmar o povo parisiense.
A insurreição
A resistência parisiense era comandada pela Guarda Nacional, órgão diferente do exército regular, composto pela população armada e cujos oficiais eram escolhidos pelos batalhões. Em 16 de março, Thiers chegou a Paris com o objetivo de desarmar o povo. Na madrugada do dia 18, o exército tentou apreender as armas da Guarda Nacional. A classe trabalhadora saiu às ruas com as mulheres à frente. Em poucas horas, os trabalhadores conquistaram muitos soldados para sua causa e expulsaram os demais. À noite, o Comitê Central da Guarda Nacional, formado por representantes dos batalhões, era a única autoridade em Paris antes da fuga do governo e da burguesia.
A primeira medida do Comitê Central foi convocar eleições para eleger representantes em todos os distritos de Paris. O resultado dessas eleições é o surgimento da Comuna, cujos membros eram quase todos trabalhadores ou representantes por eles reconhecidos. Assim nasceu o primeiro governo operário da história.
A Comuna no poder
A Comuna tinha funções legislativas e executivas. Todos os cargos administrativos, judiciais e educacionais eram eletivos, revogáveis e recebiam o mesmo salário dos demais trabalhadores.
Nos 2 meses que durou, apesar da crise econômica de um lado e da guerra contra Versalhes do outro, a Comuna levou a cabo medidas de ruptura com o regime burguês visando a realização de uma nova ordem social a serviço da classe trabalhadora e dos setores oprimidos do povo.
Aboliu o exército permanente, com o povo armado e declarando a Guarda Nacional como a única força armada. Perdoou o pagamento dos aluguéis das casas e as dívidas de comerciantes e artesãos. Decretou a separação da Igreja do Estado, aboliu os salários pagos ao clero e declarou todas as propriedades da Igreja como propriedade nacional. Declarou o secularismo do ensino. Aboliu o trabalho noturno e entregou às organizações operárias todas as oficinas e fábricas que os patrões haviam abandonado. Decidiu que os funcionários públicos e comunards não poderiam ganhar mais do que 6 mil francos, salário médio de um trabalhador.
Marx disse que “esta foi a primeira revolução em que a classe trabalhadora foi abertamente reconhecida como a única classe capaz de iniciativa social, até mesmo pela grande massa da classe média parisiense – lojistas, artesãos, comerciantes -, à exceção dos capitalistas”.
A derrota
Não só a burguesia francesa, mas toda a burguesia europeia temia que este novo e democrático Estado Operário ameaçasse a sua liquidação. No início de abril, a ofensiva de Versalhes começa a esmagar a Comuna. Thiers pactua com Bismarck para desfazer-se de 170 mil soldados, a maioria deles prisioneiros libertados pela Alemanha, um “fato sem precedentes que na mais tremenda guerra dos tempos modernos o exército vitorioso e o derrotado se confraternizam na matança comum do proletariado […] A dominação de classe não pode mais ser disfarçada sob o uniforme nacional; todos os governos nacionais são contra o proletariado”, disse Marx. No dia 20 de maio conseguem entrar em Paris e começa a “semana sangrenta”. Em 28 de maio, a Comuna é derrotada. Os assassinatos em massa e as execuções sumárias prolongam até meados do mês de junho.
A ausência de um planejamento, a inexperiência e a política das diferentes correntes ideológicas dentro da Comuna, com predomínio anarquista, são fatores que explicam parte das vacilações que facilitaram a vitória da reação. Engels apontaria anos depois que “Isso explica porque a Comuna deixou de fazer, no campo econômico, muitas coisas que, do nosso ponto de vista atual, deveria ter feito. O mais difícil de compreender é, certamente, o sagrado respeito com que se ficou reverenciosamente parado às portas do Banco de França. Foi também um grave erro político. O Banco nas mãos da Comuna — isso valia mais do que dez mil reféns. Significava a pressão de toda a burguesia francesa sobre o governo de Versalhes, no interesse da paz com a Comuna”. Outra fraqueza foi em não avançar sobre Versalhes para derrotar o governo central em seu momento mais fraco – no início de março – antes que Thiers e Bismarck acordassem em reforçar o exército. Provavelmente, o destino de outras revoltas (Lyon, Marselha, Toulouse, etc.) que se seguiram teriam sido diferentes e a Comuna não teria se isolado.
Lições do primeiro governo operário
Os 2 meses que durou a Comuna foram uma rica experiência para a classe trabalhadora mundial. Apesar da derrota, ajudou a extrair lições importantes, enriquecer a teoria marxista do Estado e preparar a classe trabalhadora e os revolucionários para as lutas que viriam. Marx escreve como consideração central que “a classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria do Estado já pronta e fazê-la funcionar para os seus próprios objetivos.” e afirma que a Comuna “foi a forma política descoberta que finalmente permitiu realizar a emancipação econômica do trabalho”.
Essa nova forma finalmente descoberta consistia na substituição do exército oficial pelo “povo armado”. A substituição das instituições da democracia burguesa por uma democracia direta, onde todos os representantes são revogáveis, sem privilégios e com um salário semelhante ao de um trabalhador. A generalização dos sovietes russos e seu desenvolvimento como organismos de poder dos trabalhadores e do povo 46 anos depois tem suas raízes na experiência dos plebeus.
150 anos após um dos feitos mais heróicos da história do movimento operário, as palavras de Lenin permanecem com força total: “A causa da Comuna é a causa da revolução social, é a causa da emancipação política e econômica completa do trabalhadores, é a causa do proletariado mundial. E, nesse sentido, é imortal”.
Referências:
– Karl Marx. A guerra civil na França. 1871
– Friedrich Engels. Introdução à Guerra Civil na França. 1891
– Vladimir Lenin. Em memória da Comuna. 1911 – S. Balmartino. La Comuna de París. En Historia del Movimiento Obrero, Centro Editor de América Latina