Por Rubén Tzanoff
Um feito que não foi suficiente para realizar mudanças fundamentais. É necessário recriá-lo, assimilando as mudanças de que precisamos para ter sucesso. Isso pode ser feito, afastando-se do reformismo e construindo fortes partidos socialistas revolucionários.
A crise capitalista de 2008 teve um forte impacto sobre o Estado espanhol, aprofundando as desigualdades sociais. Os governos se dedicaram a salvar os bancos e os poderosos, bem como a tirar conquistas históricas do movimento operário. No plano político, amplos setores sociais chegaram à conclusão de que o bipartidarismo “PPSOE”, as limitações democráticas e o sistema eram as principais causas do sofrimento popular. É neste contexto que o Movimento 15M surge como expressão genuína dos Indignados, da juventude, dos trabalhadores, dos aposentados e de todos os prejudicados pela crise capitalista. A partir do chamado à manifestação de 15 de maio de 2011 em Madrid, a Puerta del Sol passou a ser o foco que iluminou os acampamentos, as assembleias e as ações dos diferentes grupos sociais que se espalharam espontaneamente pelas cidades e vilas do Estado espanhol. Os slogans levantados expressavam o ânimo dominante, pronto para enterrar a velha política: “Não somos marionetes nas mãos de políticos e banqueiros”, “A verdadeira democracia AGORA!” Mais tarde, em 2014, essa esperança ganhou forma política com a criação do Podemos, em que Pablo Iglesias e Iñigo Errejón se destacaram como fundadores. Em grande medida, a vanguarda global, da classe trabalhadora e da juventude se inspirou nos Indignados e na formação do Podemos para orientar sua ação e tomar uma direção. Dez anos após o início de tal processo, é necessário repensar o que aconteceu e tirar conclusões para o futuro.
Sem dúvida foi um grande feito, mas não foi o suficiente para realizar mudanças profundas. Portanto, é necessário recriá-lo, mas assimilar o que é necessário para ter sucesso e o que não foi alcançado. Os próximos 15M têm de ser mais profundos e mais generalizados, com protagonismo dos trabalhadores, dos estudantes, do movimento feminista e dos aposentados organizados, com mobilizações massivas e greves gerais. Não é apenas pelo balanço das limitações do passado, mas também pelo caminho que as rebeliões que estão varrendo o mundo começam a apontar. Desta vez, deve ser dotado de um programa de transição, que em seus aspectos democráticos responda ao esgotamento do regime monárquico parlamentar de 1978 e na esfera econômica forneça uma saída para a crise capitalista. Com órgãos democráticos de debate e decisão, e lideranças combativas e consequentes.
Os grandes processos políticos deixam sua marca. Ficam gravados na mente de milhões de pessoas no mundo como referência de ação. São processos de mobilização com características próprias, fenômenos claramente individualizáveis em si mesmos. E é precisamente essa característica que diferencia o 15M de outras datas que estão borradas no calendário. Ao mesmo tempo, as explosões sociais estão sempre relacionadas a formações políticas e lideranças que nascem, morrem, avançam ou recuam conforme sua intervenção nelas. Esta realidade torna praticamente impossível referir-se ao 15M sem analisar o nascimento, a ascensão, o crescimento e declínio do Podemos e o futuro do reformismo de centro-esquerda em todo o mundo.
Os 10 anos do 15M vêm com um paradoxo. Enquanto levantam a necessidade de recriá-lo, diferente e atualizado, são testemunhas do enterro político de um líder nascido de seu ventre. O epitáfio no túmulo poderia dizer: “Aqui jazem os restos políticos de Pablo Iglesias e seu projeto reformista.” O homem que foi o criador e líder do Podemos deixou a política após as eleições de 4 de Maio em Madrid. Fez isso dizendo: “Quando não se serve, é preciso saber se retirar”, ou seja, com base numa decisão motivada por um resultado eleitoral, no terreno da democracia burguesa, que afinal foi aquela escolhida por Iglesias em substituição ao cenário da luta de classes. Diante das grandes mudanças que são necessárias, é uma aposentadoria “sem dor e sem glória”. Iglesias foi um emergente do processo do 15M que interpretou o cansaço dos jovens com a velha política e a “casta” expressando-o em um slogan positivo: “Sim, podemos”. No entanto, ele repetiu o mesmo esquema de outros reformistas de destaque e suas organizações, que surgem levantando posições de mudanças profundas, crescem se adaptando ao regime democrático burguês, acabam cedendo aos poderosos e defraudando a confiança do movimento de massas.
Para chegar às chamadas “Câmaras Municipais da Mudança” e depois ingressar no governo burguês de Pedro Sánchez (PSOE), o Podemos foi eliminando as arestas mais rebeldes de suas propostas programáticas até que ultrapassaram as fronteiras de classe, dando um salto mortal para trás. Não se trata das ações particulares de um líder nacional, mas da tendência geral dos líderes da centro-esquerda e dos “progressistas” em todo o mundo. É semelhante ao que Lula fez com o PT, ao que Correa fez com o Alianza PAIS-Revolução Cidadã, ou ao que Tsipras fez com o SYRIZA, ao que fazem as lideranças do Bloco de Esquerda em Portugal ou do Die Linke na Alemanha. Até o PSOL do Brasil e o CUP da Catalunha se encontram em uma encruzilhada, percorrem um caminho tortuoso, à beira do precipício de um reformismo quase crítico do sistema capitalista. As mentiras, desmoralização e desmobilização provocadas pelos reformistas não permanecem como tema de uma tese para acadêmicos dedicados à ciência política. Tem consequências concretas: abre o caminho para a direita. São essas expressões contra-revolucionárias que se fortalecem com cada mentira, com cada decepção e incoerência da centro-esquerda.
A década que se passou desde o 15M tem que servir para refletir. Quantas vezes ouvimos reformistas como Iglesias dizer: “somos de esquerda e anticapitalistas”, “temos de mudar os partidos a partir de dentro”, “temos de apoiar o bom num governo e criticar o mau”? Para depois vê-los se adaptarem às regras do regime e do sistema de exploração, agitando a utopia do “capitalismo humanizador”. E quando não conseguem convencer os setores mais combativos, argumentam miseravelmente “somos o mal menor, nos apoie apenas para que a direita não vença” quando na realidade são eles que pavimentam o caminho. Quantas vezes se calam perante a luta dos povos que se levantam contra os opressores de centro-esquerda! Quantas vezes eles tentam liderar o movimento de massas para se posicionar pelo imperialismo russo ou chinês contra o imperialismo europeu ou norte-americano, sob a teoria do campismo! Essas armadilhas têm sua contrapartida reacionária na organização do partido. Iglesias e Podemos enchem suas bocas com “democracia participativa” e organização “horizontal”, mas eles são um moedor burocrático de oponentes políticos e de esmagamento de nuances, dentro das quais as decisões verdadeiramente importantes são feitas verticalmente. Reformistas como Iglesias não ajudam a eliminar “a casta”, atuam como “ala esquerda” ou se integram a casta.
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Infelizmente, em muitos casos, o processo de ascensão dos reformistas entra em sua fase de declínio sem que as organizações socialistas revolucionárias tenham uma política em relação a eles. Sem lançar mão de táticas para dialogar com os setores mais combativos que seguem essas formações, mesmo que estejam confusos, para ganhar influência sobre eles e quando chegar o momento inevitável da traição política de seus dirigentes, canalizá-lo para o fortalecimento de uma alternativa socialista e revolucionária . A rejeição de táticas sobre esses fenômenos é uma atitude sectária que só favorece os reformistas, embora seja tingida com um discurso de esquerda radical.
Os reformistas não são e não serão uma alternativa de mudanças profundas para virar tudo. Não se trata de adivinhar o futuro, mas de tirar conclusões sobre o passado e se preparar para o que está por vir. Duas graves crises da economia capitalista em doze anos não só abriram importantes atritos interimperialistas, uma acirrada disputa pelos mercados e pela “distribuição do bolo”; elas causaram um superdimensionamento da especulação financeira sobre a produção. Elas têm causado saques, destruição da natureza e aumento das dívidas externas. E quando isso acontece, abre-se uma etapa em que a burguesia e seus parceiros reformistas nem mesmo distribuem as migalhas que caem da mesa dos ricos, em que os trabalhadores e o povo são obrigados a lutar com todas as suas forças para satisfazer as suas necessidades mais elementares de saúde, moradia, educação, emprego e alimentação. E esse terreno de rebeliões, mobilizações e lutas é justamente aquele que os reformistas querem evitar ou levar a um beco sem saída. Não estamos em um estágio em que os líderes reformistas “avançarão além de suas intenções” sob a pressão da luta de classes ou de “circunstâncias históricas particulares”. É o momento de colocar todas as forças na criação do novo. Na construção de alternativas políticas anticapitalistas, de partidos socialistas e revolucionários, para consequentemente promover a mobilização, a auto-organização e a independência de classe, o governo dos trabalhadores e do povo, junto com o socialismo com democracia. Levantando bem alto a bandeira do internacionalismo, da solidariedade entre os povos em luta, que, em suma, é o caminho estratégico que a Liga Internacional Socialista quer percorrer.