China: da revolução socialista a restauração capitalista

Por Nicolás Zuttión 

Em 1º de julho, o Partido Comunista Chinês comemorou seu 100º aniversário. Neste artigo, traremos alguns debates sobre as transformações produzidas no PCCh. De 1921 até o presente, sua história foi traçada por processos revolucionários e contrarrevolucionários que culminaram na restauração do capitalismo na China.

O prelúdio para o surgimento do PCCh

Para localizar as origens do PCCh, é preciso relembrar os processos pelos quais passou o país onde o partido surgiu. Os saques gerados pelo colonialismo da Inglaterra[i], Japão[ii], França e Estados Unidos, foram elementos constitutivos do declínio da dinastia Qing e, portanto, do império chinês, do final do século XIX a início do século XX. O sentimento antiimperial e de libertação nacional por parte das grandes massas chinesas deu origem ao Kuomintang (partido da burguesia), liderado por Sun Yat Sen, que em 1911 liderou a triunfante revolução democrática burguesa no país. No entanto, a burguesia dominante se deparou com todas as contradições que a ordem mundial capitalista estava no momento. Para sobreviver, tornou-se dependente do capital estrangeiro, sem avançar na expulsão estrangeira e na independência nacional. Nem resolveu o problema da terra, algo muito importante.

As origens do PCCh

No final da Primeira Guerra Mundial, “[…] existia um grande desenvolvimento industrial, desigual e dependente, servindo mais aos interesses estrangeiros do que nacionais. Mas isso também estimulou a presença do movimento operário no cenário nacional e nas principais cidades”[iii]. Sem dúvida, o que foi descrito motivou, junto com o impacto da Revolução Bolchevique de 1917, o nascimento do PCCh em 1921. O apoio de Lenin e da Internacional foi decisivo para o surgimento deste partido revolucionário que se constituiu com base numa dezena de estudantes universitários e professores, mas teve um crescimento acelerado nos últimos anos da década de 1920.

A inserção dos melhores quadros no movimento operário, impulsionando a formação de sindicatos e intervindo nas lutas entre os trabalhadores e o movimento de massas contra o partido no poder deu frutos. Em 1927, o PCCh tornou-se uma referência para grandes setores atingindo mais de 55 mil militantes. Este trabalho foi destruído pela política internacional do Comitern, já sob a direção de Stalin, induzindo o partido chinês a uma política de conciliação de classes com o Kuomintang. Essa orientação, que refletia a teoria da Revolução por Etapas, em que a tarefa do PC se limitava a apoiar a burguesia nacional para se livrar das garras do imperialismo e posteriormente desenvolver o capitalismo na China, foi a consequência das derrotas das revoluções de 1925 e 1927. Fato que evidencia a tese desenvolvida por Trotsky: “as classes dominantes dos povos coloniais e semicoloniais são incapazes de liderar a luta contra o imperialismo enquanto esta luta ganhe a forma de um movimento revolucionário de massas”[iv].

A Longa Marcha e a metamorfose do Partido

Após a derrota e o massacre em Xangai e Guangzhou, o PCCh foi dizimado. O banho de sangue feito pelo partido de Chiang Kai-shek causou uma vazante que levou a mudanças profundas dentro do partido. A direção permaneceu nas mãos de Mao Tse Tung, que desenvolveu a atividade da organização ligada às grandes massas de camponeses pobres, entusiasmado com a revolução agrária que o partido conseguiu realizar na cidade de Juchi, onde em 1931 se declara República Soviética, fazendo o governo nacional reagir com uma ofensiva, o que obrigou a “longa marcha” em direção à província de Shenshi. Somado a isso, iniciou-se a metamorfose do partido, como resultado de sua composição e da orientação de Mao para se transformar em um exército guerrilheiro. A década de 1930 também será marcada pela ofensiva do Japão para transformar a China em uma colônia, novamente motivando o sentimento de libertação nacional.

No final da Segunda Guerra Mundial, com o Japão do lado derrotado, o partido de Mao não avançou contra o governo nacional ainda controlado pelo Kuomintang. O PCCh mais uma vez se aliou à política stalinista de conciliação de classes. Em 1949, no entanto, apoiado pela onda expansiva de vitória sobre o nazismo, o PCCh desencadeou uma guerra civil contra o Kuomitang depois que este quebrou o acordo de uma Assembleia Constituinte e unificação das forças armadas (Exército Popular de Libertação e o Exército Nacional Revolucionário). O triunfo conquistado pelo PCCh impactou grande parte da vanguarda mundial, fazendo da guerrilha o método preferido de tomada do poder, com todos os tipos de abstrações, generalizações e sem considerar as condições que a permitiram triunfar na China. Como destacou Nahuel Moreno, o revisionismo da época poderia ser caracterizado como pré-trotskista, onde “a revolução permanente está sendo redescoberta por diferentes segmentos deles. Até agora eles chegaram, na melhor das hipóteses, a uma variante revisionista e evolucionista dessa teoria: a revolução avançará inexoravelmente do campo para a cidade, dos povos coloniais aos industrializados, da guerrilha à tomada do poder, recusando-se a considerá-lo em toda a sua dialética e amplitude”[v].

Do governo de Mao até o presente

Rever a vida do PCCh de 1949 até o presente pode nos fazer perder eventos importantes. Mas se há algo a destacar, são os efeitos causados ​​por não ter aprofundado a revolução e o poder ter se limitado apenas as fronteiras do país.

Partindo da convivência de Mao com grandes latifundiários e da adoção de um regime burocrático traçado do stalinismo na URRS, com partido único e a rejeição da democracia operária e camponesa, o futuro do PCCh teve um resultado previsível. Como tudo o que não avança, retrocede, o PCCh, depois de ter sido um dos responsáveis ​​pela realização de uma revolução, tornou-se seu inimigo ao restaurar o capitalismo. Todas as reformas introduzidas pelo grupo dos “pragmáticos”, que tiveram como linha o banho de sangue da rebelião de Tiananmen em 1989, de alguma forma explicam porque a China hoje, de mãos dadas com este partido centenário, é uma potência imperialista.

A direção do PCCh, já constituída como uma nova classe burguesa, quer imprimir um discurso enganoso, apontando que no país asiático existe um “socialismo de características chinesas”, razão da prosperidade nos indicadores econômicos. Mas na verdade o que existe é uma restauração capitalista onde a extração de mais-valia prevalece nos níveis históricos dos trabalhadores chineses que vivem, em muitos casos, em condições muito precárias. Aos 100 anos do PCCh, a conclusão necessária para o presente dos trabalhadores do gigante asiático é a construção de uma nova organização de luta pelo socialismo revolucionário, com democracia operária e internacionalista.


[i] A Guerra do Ópio em 1842 é um caso emblemático em que a Inglaterra, por meio da luta armada, conquistou portos chineses para seu próprio comércio.

[ii] Em 1937-1945, o Japão invadiu a China e imprimiu, por meio de um tratado, uma submissão colonial que equivalia à assinatura de um tratado onde se apoderou de grande parte do mercado portuário e algumas anexações de territórios, principalmente do norte da China.

[iii] Héctor A. Palacions. China: de Mao aos Príncipes Vermelhos.

[iv] Leon Trotsky. As relações entre as classes na revolução chinesa.

[v] Nahuel Moreno. Revolução chinesa e indochinesa.