Por Sofía Martínez
A cidade de Puno não parou um único dia desde o início a luta. Com Puno, todo o sul iniciou uma nova jornada à Lima abrindo uma nova etapa para derrotar o governo de Dina Boluarte. As delegações do sul já estão em Lima e se somam várias outras vindas da selva peruana, como Madre de Dios e Loreto. A Central Única de Rondas Campesinas do Peru mobilizou mais de 4 mil ronderos a Lima para se juntar aos protestos.
Desde a semana passada, os transportadores de cargas pesadas anunciaram o início de uma greve nacional que vai de 2 a 8 de março, os sindicatos de saúde filiados à Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru – CGTP também lutam por reivindicações trabalhistas.
A macrorregião norte anunciou que também chegariam delegações para participar da luta em Lima, no norte alguns ministros e congressistas foram rechaçados pela população e o mesmo aconteceu após a visita de Boluarte a Chiclayo, com o repúdio geral do povo peruano.
Em Lima, os ativistas se preparam para uma nova etapa de luta, coletivos de artistas realizaram atividades de arrecadação de fundos para apoiar as delegações do interior, da mesma forma que os desativadores da primeira linha realizam pratos de pollada para arrecadar fundos, os brigadistas forneceram treinamento em primeiros socorros e a imprensa alternativa melhoraram sua coordenação para continuar reportando em tempo real e ao vivo, documentando os abusos policiais.
A imprensa alternativa na informação e denúncia
A narrativa da mídia hegemônica continua a favor do governo, não há crítica, não há controle ou fiscalização das autoridades. Dina Boluarte faltou três vezes à intimação do Ministério Público que, em plena demonstração de apoio, tem reagendado. A Procuradora Nacional, Patrícia Benavides, foi denunciada por acobertar a irmã, também juíza e investigada, por receber dinheiro do tráfico de drogas. Outra referência mostra que a mãe da procuradora também estava com mandado de prisão por corrupção e que usou de influências para sair da cadeia. A trajetória de Benavides e o desenvolvimento de sua carreira no Judiciário é marcada por muitas manchas como nomeações duvidosas e alianças com o pior do fujimorismo.
É a imprensa alternativa que pelas redes sociais vem publicando diversas denúncias descritas detalhadamente pelo jornalismo investigativo; IDL Reporters descreveu em detalhes os assassinatos ocorridos em Huamanga – Ayacucho; o semanário Hildebrandt publicou as listas com os nomes dos militares e policiais que participaram do massacre de Juliaca – Puno; o portal Convoca, publicou uma extensa investigação de casos de abuso policial e prisões arbitrárias, demonstrando que os detentos estão presos sem provas e, em alguns casos ultrajantes, a única prova é o depoimento de um policial. Também foi demonstrado que não respeitaram o devido processo legal e que houve tortura durante as prisões. O portal La Mula publicou um documentário em vídeo sobre a situação dos feridos, incluindo uma criança deficiente em Juliaca. O caso dos feridos é gravíssimo porque não receberam o apoio necessário e muitos por medo de serem presos não vão aos centros de saúde. A precariedade do sistema de saúde peruano abala as redes sociais e germina a indignação popular
O governo não demonstrou a menor sensibilidade com as vítimas do massacre, tanto os mortos quanto os feridos. São vários meninos e meninas órfãos, viúvos e, o caso mais terrível, a morte da senhora Apolonia Huarancca, que sofria de câncer e sobrevivia pelo sustento do seu filho Henry Mendoza Huarancca, 35 anos, assassinado no massacre de Huamanga em 15/12/2022.
Em vídeo publicado pela RT em espanhol, dona Apolônia lamenta a perda do filho e, entre soluços, diz: “Estou mal, teriam atirado em mim, não no meu filho… Agora quem me dará. Quem me dará meu remédio, me fazer sentar, comer. Eu não como muito bem e ele me ajudava a comer. De manhã eu saio para esperar ele e não chega, ele não chegou até agora. Ele me disse ‘já volto’ e não voltou até agora, estou esperando…”.
Dona Apolônia morreu sem fazer justiça
Os canais de televisão continuam a servir a ditadura, nenhum mostra a verdade. Se não fosse a imprensa alternativa, o povo peruano nunca teria conhecido a verdade: os “relatórios de inteligência” nada mais eram do que relatórios carregados de mentiras, racismo e discriminação. Não eram excessos, eram assassinatos. Não eram terroristas, eram camponeses, operários e pessoas das cidades mais humildes. Houve crueldade e agora vemos que tudo vem à tona. Após o primeiro dia de protesto em janeiro, a população de Lima pôde verificar o que realmente foi noticiado nas redes sociais. Pôde ver de perto o que é a desigualdade social e a injustiça contra nosso povo.
A wiphala volta as ruas de Lima
Até o momento existem vários comitês de luta nas diferentes áreas de Lima (principalmente Lima Norte e Lima Leste, as mais mobilizadas, e sabemos que também existem em Lima Sul). Em nível nacional, existem também diversos comitês de luta e frentes regionais de defesa.
O enorme desafio da luta do povo peruano é FORTALECER a organização e UNIFICAR todas as lutas. As comissões têm se coordenado separadamente, cada uma de forma autônoma, e não é possível articular uma comissão onde a luta seja centralizada e todos os setores que estão lutando se unam.
Interesses eleitorais e oportunistas para abafar a luta
Sabemos que existem organizações políticas por trás disso procurando ver como tirar melhor proveito da situação diante de um possível contexto eleitoral.
A mobilização grita Constituinte e estão pensando mais em eleições. Por isso entendemos que é fundamental que a articulação das diferentes frentes de luta seja quem assuma o governo e quem convoque a Assembleia Constituinte Livre e Soberana que defina um rumo de mudança real, anticapitalista e socialista.
Mas isso também não é novidade, já que o povo vem de várias decepções eleitorais. Incluindo a última com Pedro Castillo, cujo maior erro foi se distanciar do povo que o elegeu e acabar girando à direita, dando-lhes concessões para que o deixassem governar. Vimos como isso acabou.
Organização e unidade são as chaves para a vitória
A direita conhece nossas fragilidades, sabe que existem sérios problemas organizacionais que não serão superados em nossa realidade imediata. Por isso também vão mudar suas estratégias de repressão. Estamos entrando em uma nova etapa de luta com lições aprendidas na etapa anterior, mas com os mesmos problemas de organização que não foram superados.
Esperemos que a coerência possa abrir caminho e que todos os espaços de luta se congreguem e se unifiquem, não há outra solução. Se todos esses comitês conseguirem se organizar e alcançar a UNIDADE, talvez haja esperança de alcançar a vitória. Enquanto isso, os socialistas revolucionários da LIS continuarão se organizando para que mais cedo ou mais tarde possamos avançar na construção de uma alternativa que lute por esse programa.
“Mate a tristeza, poeta.
Matemos a tristeza com um pau.
Há coisas mais altas
que chorar o amor de tardes perdidas:
o rumor de um povo que desperta,
isso é mais belo que o orvalho.
O metal resplandescente de sua cólera,
isso é mais belo que a lua.
Um homem verdadeiramente livre,
Isso é mais belo que o diamante.“
Epístola aos poetas que virão, Manuel Scorza.