Venezuela: sobre a comissão especial de investigação à corrupção e a Nicolás Maduro proposta pelo PCV

Por Marea Socialista

No último dia 14, o Partido Comunista da Venezuela (PCV) publicou uma exigência que a Assembleia Nacional (oficial), da qual faz parte o deputado Oscar Figuera, secretário-geral do partido, formasse uma comissão para investigar a corrupção e inação de altos funcionários do governo, incluindo Nicolás Maduro (https://aporrea.org/contraloria/n382023.html). Defendeu que tudo deve ser investigado por uma comissão com “personalidades que não tenham envolvimento com a máfia e quadrilhas criminosas ou com o próprio governo” que assaltam as riquezas do país. Relacionou tudo isso à chamada lei antibloqueio, chamada “lei da entrega e do roubo” e criticou o sigilo que impede o controle social e institucional, dificultando ações mais contundentes contra a corrupção. A Controladoria-Geral da União, o Ministério Público e a Assembleia Nacional são poderes do Estado, com mandato constitucional para a adoção de medidas. Referiu-se aos casos de Aryenis Torrealba, Alfredo Chirinos, Eudis Girot, Johana Gonzalez, Marcos Sabariego e Gil Mujica, cujas decisões judiciais devem ser revistas, anuladas e o Estado deve indenizá-los. Finalizou com um chamado às organizações sociais e políticas venezuelanas para que se unam em “um grande movimento pela dignidade do povo”.

A Marea Socialista (MS), organização política anticapitalista, socialista e antiburocrática, avançou há vários anos (desde 2013) com iniciativas contra a corrupção, ao longo das quais organizou investigações baseadas em denúncias de peculato à nação e fuga de capitais, e apresentou requerimentos perante o público citado. A par destas denúncias sustentadas e recursos introduzidos nas entidades do Estado, a MS promoveu a Plataforma de Auditoria Pública e Cidadã, incluindo a investigação da Dívida Externa Ilegítima (https://aporrea.org/contraloria/a320575.html).

Apresentamos também a pretensão de cumprimento do artigo 91 da Constituição, sobre o reajuste do salário mínimo com referência no preço da cesta básica, como forma de defender a renda dos trabalhadores e o valor do trabalho contra voracidade predatória da burocracia e dos empresários. (https://aporrea.org/trabajadores/n357132.html). A luta contra a corrupção deve incluir – além de descobrir e punir os fatos – a recuperação dos recursos fraudados e roubados para investi-los no país e, sobretudo, para servir ao bem-estar do povo, começando pela melhoria substancial do salário.

Porém, naquela época, muitas organizações de esquerda ainda não haviam se distanciado do governo burocrático e corrupto, camufladas atrás do discurso da “revolução” e de “socialismo”, mas com uma prática capitalista e antitrabalhadora. Naquela época, MS foi jogado no saco da oposição de direita. Não perceberam a traição da revolução bolivariana pelo Madurismo.

O roubo programado continuou em seu colossal saque do país, tirando benefícios conquistados em serviços e previdência social, destruindo por completo o salário e importantes conquistas trabalhistas. Isso explica em grande medida a miséria do povo e a classe trabalhadora, que não se “justifica” com o discurso do bloqueio, das sanções, do “dólar criminoso” ou da queda do preço do petróleo. Embora sejam agravantes importantes, a resposta está no abismo da corrupção, que tudo engole, e na manutenção de um capitalismo rentista administrado por uma burocracia político-militar que se transformou em lúmpen-burguesia que, além dos elogios a Chávez e à revolução, agem como um verdadeiro rolo compressor contrarrevolucionário, com um falso socialismo.

Em todos esses anos perdidos, com duros ataques do governo, poderíamos ter construído esse “movimento pela dignidade do povo”, e talvez tivéssemos resistido melhor aos ataques repressivos contra a classe trabalhadora, que têm causado danos tremendos e prolongados às condições materiais de vida, também às organizações, à capacidade de luta e mesmo à consciência social.

Seria preciso retomar aquelas investigações e aquelas denúncias, entre outras, que mostram o que o governo tenta esconder sob a cortina de fumaça que encobre uma disputa entre clãs que lutam pelos espólios do Estado (o dinheiro e os recursos do povo). Dessa forma, não é o governo, parte do problema, que vai “combater a corrupção”, já que representa a camada social que parasita o trabalho do povo venezuelano.

Não temos confiança em órgãos institucionais, embora tenhamos recorrido a estes para exigir suas responsabilidades de Estado, para convocar, por exemplo, o TSJ, ou a Assembleia Nacional, onde Oscar Figuera é deputado e lhe negam a fala e tentam retirar a legalidade do seu partido com artimanhas orquestradas com a CNE. A sabedoria popular venezuelana nos ensinou que “urubu não cuida de carne”, mas falta alguém que possa afugentá-los: um fator social organizado e poderoso, uma expressão genuína da classe trabalhadora e dos setores populares, apoiados por uma intelectualidade honesta.

É necessário que a corrupção estruturada no Estado burguês venezuelano (administrado por falsos revolucionários) seja investigada por uma comissão com “personalidades que não tenham envolvimento com a máfia e quadrilhas criminosas ou com o próprio governo”. Mas não deve ser necessariamente uma comissão nomeada pela AN, que responda ao governo e aos seus interesses, mas deve ser aberto o caminho para a realização de Auditorias Públicas e Cidadãs, com a participação dos trabalhadores e comunidades, de sindicatos profissionais e acadêmicos, formados por processos sociais democráticos para investigar, e não apenas de “personalidades”.

A classe trabalhadora da Guayana, da PDVSA e do país, tem todo o direito de exigir sua plena participação na realização de auditorias e na formação de comissões de fiscalização das empresas, que não sejam para acobertar delitos e corrupção ou mudar o controla para outras mãos ambiciosas e desonestas. Isso exigiria a realização de assembleias e reuniões democráticas de revisão, reestruturação e redirecionamento onde trabalhadores manuais e intelectuais examinassem tudo nas empresas nas mesas de trabalho, verificassem atentamente todos os negócios, com uma lupa nos livros contábeis e nos fundos. Uma tarefa que requer completa autonomia.

Isso poderia ter acontecido se existisse Controle Operário, que não agrada às burocracias e máfias corruptas, bem como aos seus sócios beneficiários dos contratos. Sabotaram o quanto puderam e extirparam todas as possibilidades. Definitivamente não é a mesma coisa dos chamados Conselhos Produtivos de Trabalhadores e Trabalhadoras (CPTT), meros instrumentos a serviço da burocracia, nomeados a dedo ou geridos por “conveniência”.

Se isso tivesse acontecido, não estaríamos nos limitando a trabalhos “parlamentares” ou a meros observadores externos sem acesso real à informação, estaríamos envolvendo a classe trabalhadora e a participação cidadã no papel controlador; principalmente quando sabemos que são os trabalhadores que estão na produção e são os principais prejudicados com o desperdício ou desvio das riquezas produzidas – quando denunciam algumas “coisas”, ou não são ouvidos ou são vítimas de retaliações por “abri a boca”.

Por motivos e valores muito menores do que os que se “perderam” nas mãos da burocracia pseudobolivariana e falsamente socialista, com esses capitalistas recém-formados, com o governo que os nomeou e apoiou, o ex-presidente Carlos Andrés Pérez foi processado e demitido na Quarta República – contra o comportamento de seu governo levantou-se o 27F, 4F e 27N. Portanto, sobram motivos para investigar o governo e as instituições (em muitos casos nas mãos dos militares). Mas, como diz o ditado: Quem põe o sino no gato? [Quem se arriscará?].

Para isso, é preciso despertar um movimento poderoso, consciente, organizado e preparado para lutar contra a corrupção e pela recuperação dos direitos dos trabalhadores e do povo venezuelano. Não se trata de chegar ao poder e mudar a estrutura do Estado e o funcionamento capitalista da economia venezuelana: estamos falando de uma mudança real com o povo, não os burocratas, empresários, especuladores e soldados oportunistas. O que aconteceu na Venezuela com a promessa “socialista” foi uma fraude escandalosa, uma farsa contra o povo, cujo verdadeiro objetivo não era a transformação social, mas sim “apoderar-se do poder”. Tudo isso deve ser modificado!

Não se trata de algo que se resolve simplesmente com as características eleições venezuelanas, onde o que vale é o dinheiro, a vantagem do poder institucional, os recursos estatais usados ​​com peculato, “marketing” e o “populismo clientelista”. Trata-se de uma forma de mobilização profunda, combativa e sustentada que irrompe na desordem reinante, com capacidade para conduzir um poder forte e democrático dos trabalhadores e do povo.

Estamos plenamente dispostos e prontos para organizar a luta unificada pela reparação de Aryenis Torrealba, Alfredo Chirinos, Eudis Girot, Johana Gonzalez, Marcos Sabariego e Gil Mujica (e qualquer outro trabalhador preso por combater a corrupção), com a revisão e anulação das decisões judiciais injustas. Isso requer também um esforço amplo e conjunto com o qual podemos contar, para forjar aquele “grande movimento pela dignidade do povo”, com objetivo classista.

Para isso, a Marea Socialista compartilha das propostas por um programa unitário contra a corrupção e, ao mesmo tempo, para a recuperação dos recursos roubados da classe trabalhadora, privada dessas riquezas junto com o povo venezuelano.

  • Convocamos a classe trabalhadora e o movimento popular a exercer o papel de controle e fiscalização anticorrupção, com educação de valores e conscientização contra este flagelo que na Venezuela é parte estrutural do sistema de dominação.
  • Defendemos que a luta consistente contra a corrupção deve estar ligada à necessidade de lutar por uma nova revolução, para estabelecer um governo democrático, anticapitalista dos trabalhadores e do povo, sem burocratas ou corruptos.
  • Propomos a palavra de ordem de Auditoria Pública e Cidadã, com a participação dos trabalhadores, das empresas e das contas do Estado (da PDVSA, CVG, Arco Mineiro, setor agroalimentar, etc.), externos e internos, suspeitos de ilegalidade e ilegitimidade. Que inclui também os trabalhadores de empresas privadas. Para aplicá-la, é necessário um movimento social capaz de organizá-la e dinamizá-la.
  • Exigimos a investigação, destituição, julgamento, prisão e confisco de contas e bens dos corruptos (para recuperação dos recursos). Recuperação das terras destinadas aos trabalhadores do campo (pela Lei de Terras) e usurpadas por oficiais, militares e seus testas de ferro e parceiros.
  • Liquidação essencial do nepotismo e da concentração de vários cargos nas mesmas pessoas.
  • Exigimos a desmilitarização da Administração Pública e a revisão de todos os negócios e empresas das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB).
  • Exigimos que sejam investigadas todas as obras inacabadas ou não executadas com recursos do Estado (os “elefantes vermelhos”).
  • Incluímos na exigência de auditoria e investigação, com punição em corrupção comprovada, os casos de empresas e fundos estatais geridos pelo autodenominado “presidente interino” Juan Guaidó e sua equipe, usurpando poderes públicos e destruindo a soberania nacional em cumplicidade e a serviço do imperialismo estadunidense.
  • Propomos um Fundo Autônomo sob Controle Social para que a gestão dos recursos retire dos corruptos e destine a melhoria dos salários e das condições sociais, além da recuperação das empresas do Estado, o investimento produtivo e as obras públicas necessárias ao bem comum.
  • As palavras de ordem anticorrupção, juntamente com a reivindicação dos direitos trabalhistas e do salário constitucional (Art. 91, salário mínimo em cima do custo da cesta básica) devem ser parte dos principais eixos que impulsionam o desenvolvimento dos trabalhadores e a recuperação substantiva do protagonismo do movimento operário-popular.
  • Com a aproximação da situação das eleições nacionais e presidenciais, as reivindicações anticorrupção devem ocupar um lugar central no meio de um grande descrédito ao setor governamental e às oposições burguesas.
  • Para alcançar as mudanças necessárias, estamos empenhados em organizar e unificar todas as lutas, reconstruir a força orgânica e a capacidade de mobilização da classe trabalhadora, do povo em condição de pobreza e continuar com o propósito de construir um partido revolucionário, anticapitalista, anti-burocrático e das maiorias exploradas.

Toda nossa luta deve ser pautada pela certeza estratégica de que não sairemos da atual situação caótica sem uma nova revolução na Venezuela, que nos permita superar o atual governo e o sistema econômico corrupto-capitalista, com um governo dos trabalhadores e do povo, sem burocracias político-militares, sem máfias corruptas, sem grandes empresários sugando o Estado e a economia pública nacional, construindo a propriedade social, sem submissão aos interesses econômicos, políticos externos ou militares, construindo uma democracia operária, popular e com pleno respeito aos direitos do povo.