Costa Rica: unificar as lutas para enfrentar o governo Rodrigo Chaves e sua máfia empresarial

Por Equipe Editorial da Bandera Roja

Enquanto escrevíamos este editorial, acontecia um importante e vitorioso protesto nacional do Bloco de Habitações, espaço onde participamos em apoio aos assentamentos precários na Região Metropolitana. Ao mesmo tempo, a mobilização contra o governo se aprofundou com um movimento até então não visto entre os policiais contra o aumento da jornada de trabalho, exigindo a renúncia do Ministro da Segurança, além de reivindicações trabalhistas e de equipamentos. É fundamental ter estes dois importantes fatos políticos para a análise da situação. Abordaremos ambos.

Um quadro mundial de crises colossais e ventos de guerra

A situação mundial está ficando cada vez mais quente. De um lado, uma profunda crise econômica agravada desde 2008, que não dá sinais de melhora; por outro, a perspectiva cada vez mais provável de uma Terceira Guerra Mundial. A invasão russa na Ucrânia marcou o cenário geopolítico mundial no último ano, agravou a crise em escala global e as contradições entre os Estados Unidos, principal potência militar e econômica, em declínio, e a China, potência imperialista em ascensão. A chamada “guerra comercial” entre a China e os Estados Unidos, com a possibilidade de uma grande guerra, gerou bloqueios e uma rede muito complexa de alianças e reposicionamentos de países.

A situação política e econômica da Costa Rica, um pequeno país dependente na cintura da América, não pode ser compreendida sem esse marco geopolítico internacional. Mas na Costa Rica a crise mundial se aprofunda de maneira particular. O governo de Rodrigo Chaves é parte de um longo processo de luta interna para impor uma agenda neoliberal, ditada pelas organizações financeiras internacionais do sistema capitalista mundial. É neste cenário que se desenvolve uma profunda crise interburguesa, paradoxalmente, com pouca capacidade dos setores populares em aproveitar esta disputa com um programa independente de luta.

A imposição do Tratado de Livre Comércio

Há um importante debate no andar de cima na Costa Rica e fortes mobilizações sociais contra o modelo neoliberal e os programas de ajuste estrutural, um longo e lento processo iniciado na década de 1980 do século passado. O que finalmente fixou o signo desse período foi a derrota do movimento trabalhista e popular em 2007, quando o Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos foi imposto por meio de um referendo fraudulento.

O TLC é uma derrota importante para o movimento operário e popular, mas também é uma derrota para um setor da burguesia, que já sabia estar perdendo com a aplicação deste tratado. É importante caracterizar quais são os setores da burguesia que perdem e quais ganham com o TLC para entender a situação que vivemos atualmente.


Manifestação pelo “NÃO” no Paseo Colón realizado uma semana antes da fraude eleitoral que aprovou o TLC com os EUA.

É claro que a burguesia venceu e se fortalece na Costa Rica, como em muitos outros países do mundo, a fração da burguesia financeira que conseguiu quebrar o monopólio bancário; mas com a aprovação do TLC quebra-se também o monopólio dos seguros e a abertura das telecomunicações, o que permite a entrada de empresas transnacionais que se associam ao capital local para gerir os novos negócios. Os setores derrotados são principalmente na agricultura e, em geral, os setores de comércio local. Outro setor que vem ganhando força é o da burguesia importadora com as políticas que favorecem a vinda de produtos supostamente mais baratos do exterior.

O colapso do PAC

Inicialmente, o Partido da Ação Cidadã (PAC) surgiu como uma alternativa ao projeto neoliberal e reuniu setores burgueses e pequeno-burgueses derrotados com o TLC. O PAC rapidamente se degenera à medida que a disputa ideológica abre espaço para a possibilidade de usar o aparato do Estado para enriquecer. Isso é evidenciado pelo grande número de escândalos de corrupção ocorridos durante os dois governos do PAC. É óbvio que antes nos governos, no período bipartidário, havia muita corrupção, mas quando há um acordo geral entre a burguesia, todos se cobrem com o mesmo cobertor. Essa harmonia no andar de cima é quebrada em períodos de crise que ameaçam a falência dos capitalistas deixados para trás na competição intestinal.

Em suma, os governos do PAC, partido que surgiu como oposição ao neoliberalismo, acaba fazendo o trabalho sujo da grande burguesia, aplicando políticas e leis que a Libertação Nacional (PLN) e a Unidade Social Cristã (PUSC) nunca ousou fazer, pelo enorme custo político que isso resultaria. Nos governos do PAC, foi aprovado o pacote fiscal que o Ministro da Fazenda agora usa como desculpa para dizer que podem fazer o que quiserem com o orçamento público. A derrota na luta contra o pacote tributário também foi um tremendo golpe para o movimento popular e sindical, após colocar centenas de milhares de pessoas nas ruas, as direções sindicais, ao invés de acelerar, frearam com a negociação, desgastando o movimento. Também foi aprovada a lei antigreve, agarrando os sindicatos do setor público pelo pescoço, quase os únicos que existem, porque na Costa Rica no setor privado as pessoas que tentam se organizar são demitidas no dia seguinte.

O governo de Rodrigo Chaves empreende a maior ofensiva neoliberal

Rodrigo Chaves vem fechando o ciclo da pilhagem neoliberal, terminando de leiloar o pouco que resta das instituições públicas e de levar à falência as instituições que não podem ser vendidas. Rodrigo Chaves é um tecnocrata neoliberal, agente do Banco Mundial (onde trabalhou 27 anos), seu último cargo foi como diretor do BM na Indonésia, cargo que assumiu em 2013. Aplica rigorosamente as políticas de privatização e favorecimento das grandes corporações. Ao completar 100 dias de governo, Rodrigo Chaves admite a intenção de vender o BCR e metade do Instituto Nacional de Seguros (INS). Apesar de pretender se apresentar como um campeão anticorrupção, os escândalos sobre o financiamento da campanha eleitoral de Rodrigo Chaves expõem as facções burguesas: corporações financeiras; importadoras, entre elas, um setor muito importante que financia sua campanha são os importadores de arroz; e empresas de ônibus que oferecem serviço de transporte público.

Rodrigo Chaves, como bom tecnocrata neoliberal, além de promover a privatização ou o desfinanciamento das instituições públicas, tem como meta o pagamento pontual da dívida externa e interna impagável, e contra o financiamento de programas sociais na saúde, educação e habitações para as pessoas mais humildes. Ao mesmo tempo, o Governo não mexe um dedo para recuperar o dinheiro dos impostos que as grandes empresas sonegam pois, é fundamental estimular o paraíso fiscal que possuem.

No final de janeiro, foi noticiado que o Ministério das Finanças remeteu ao Ministério Público vários processos de evasão fiscal, um de 11 mil milhões e outros dois processos de cerca de mil milhões e que existem atualmente 23 reclamações ativas num valor de 27.405 milhões de colónes. Em 14 de fevereiro, a União Europeia colocou a Costa Rica em uma lista negativa após demonstrar que entre 2015 e 2019 as empresas obtiveram lucros de ¢ 3,7 trilhões – três vezes o déficit fiscal da Costa Rica – graças a brechas e evasão fiscal. Ou seja, apesar de a cobrança ser anunciada com muita pose, trata-se de uma piada frente a dimensão do problema.

A contradição interburguesa é tão profunda que até mesmo alguns setores agroexportadores participam ou promovem as recentes mobilizações em defesa da agricultura nacional contra as políticas que fortalecem os setores importadores. Rodrigo Chaves representa os interesses de grupos importadores, transportadoras e setores financeiros que disputam o controle da economia do Estado para favorecer seus interesses e negócios. Estão enfrentando a burguesia hegemônica que governa o país desde a Guerra Civil de 1948. Mas, apesar dos conflitos, concordam em descarregar todo o peso da crise nas costas da classe trabalhadora e do povo. O governo de Rodrigo Chaves continuará sua política de cortes e austeridade fiscal, fazendo cortes e desmontes dos serviços sociais.

O movimento trabalhista e popular costarriquenho vem de derrota em derrota desde a fraude no referendo do TLC em 2007. Neste momento precisamos unir todos os setores que estão dispostos a lutar contra o governo de Rodrigo Chaves e defender o direito à saúde, ao ensino público gratuito e de qualidade, ao direito à moradia, à defesa do salário, à reforma agrária que dará terra a quem quiser trabalhar, para garantir a segurança alimentar do país, ao contrário de ceder a importadores de alimentos que enriquecem com a fome do povo.

Marcha em defesa da agricultura nacional ocupou cerca de sete quarteirões da Segunda Avenida, em San José.

Uma assembleia operária e popular para organizar a luta

Propomos um encontro popular nacional para debater um programa e estratégia de luta para enfrentar o governo de Rodrigo Chaves e o grande capital nacional e transnacional. Se não nos organizarmos, o governo vai passar o rolo compressor em cada setor. Propomos, para iniciar o debate, as palavras de ordem:

1. Defesa do Fundo de Seguridade Social Costarriquenho. Exigimos que o governo de Rodrigo Chaves e seu Ministro da Fazenda, Nogui Acosta, paguem a dívida do Fundo para melhorar os serviços de saúde, principalmente as filas cirúrgicas que causam tanto sofrimento e impedem que os trabalhadores de continuar escolhendo entre sofrer, até morrer, ou pagar serviços privados com valores impagáveis.

2. Não à lei do trabalho público por indicações que tira centenas de milhares de trabalhadores do setor público o direito a um salário digno, com o objetivo de enfraquecer o setor público, causando, entre outros fenômenos, serviços desestruturados e a saída de profissionais para o setor privado ou para o exterior. Defesa dos salários contra o aumento do custo de vida, tanto para o setor público quanto para o setor privado, contra o congelamento salarial. Se os preços sobem, os salários devem subir em proporção maior.

3. Defesa do vale-moradia gratuito para as famílias mais exploradas e oprimidas da classe trabalhadora, contra a lei que pretende fundir a BANHVI, INVU e MIVAH e retirar o vale-moradia gratuito. Soluções coletivas sobre o problema habitacional que garanta o acesso a condições adequadas às famílias, priorizando um sistema de creches públicas que garantam a permanência no trabalho para as mulheres chefes de família.

4. Reforma agrária que dê terra a quem trabalha. Por uma agricultura que garanta a segurança alimentar, forme e acompanhe a agricultura nacional em vez da importação de alimentos que colocam em risco a alimentação da população, sobretudo num momento de ares de guerra mundial que bloqueariam os mercados internacionais e, seguramente, os alimentos.

5. Controle e subsídio das passagens de ônibus, do serviço e da qualidade. Nacionalização e controle operário das linhas e rotas que desrespeitam as normas, incluindo a superexploração dos trabalhadores do setor. Gratuidade do transporte aos estudantes.

6. Contra os cortes no orçamento da educação pública, desde a pré-escola até a universidade. Pela melhoria da qualidade pública gratuita e obrigatória. Defesa e promoção das universidades públicas.

Convidamos todas as organizações dispostas a lutarem contra o governo para marcharmos unificados neste 1º de maio, em coluna operária, camponesa e popular.

Lutar, criar, o poder popular!

O povo unido jamais será vencido!

Só o povo salva o povo!

Comitê Central do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT)

São José, Costa Rica, 21 de abril de 2023.