Morreu Hugo Blanco, um rebelde permanente a serviço dos de baixo

Por Carlos Maradona e Guillermo Pacagnini

Domingo, 25 de junho, faleceu o camarada Hugo Branco, um dos mais importantes dirigentes trotskistas do movimento de massas latino-americano. Nascido na vida política de mãos dadas com a nossa corrente histórica e com Nahuel Moreno, foi protagonista da revolta camponesa de Cuzco, uma das experiências revolucionárias mais importantes do continente, parte da ascensão aberta com a Revolução Cubana e laboratório onde se desenvolveu a primeira grande polêmica sobre a estratégia no movimento trotskista: a construção do partido ou o foco guerrilheiro. Reivindicamos sua trajetória de luta, de construção da mobilização permanente, sua paixão pela organização operária, camponesa, popular e sua moral revolucionária na intervenção em processos de massas e nas tarefas parlamentares.

Seu início

Hugo Blanco Galdós, nascido em Cuzco, Peru, em 1934, era filho de um pai advogado, defensor dos camponeses daquela região do Peru. Desde criança aprendeu a língua quíchua e iniciou sua relação com líderes camponeses.

Muito jovem, aos 20 anos, quando o Peru estava sob uma ditadura, viajou a Argentina com o objetivo de estudar Agronomia na Universidade de La Plata. Foi nessa cidade que conheceu a organização Palabra Obrera, dirigida por Nahuel Moreno. Em nosso país havia muitos jovens peruanos exilados, inclusive o irmão de Hugo Blanco. Muitos desses exilados foram militantes da APRA (1) no Peru. Hugo Blanco conheceu o trotskismo através do Partido Obrero Revolucionario no Peru e na Argentina tentou se conectar com organizações trotskistas. Foi assim que conheceu a Palabra Obrera, que tinha forte presença em setores operários e estudantis da cidade de La Plata. Hugo Blanco e outros camaradas peruanos saíram da universidade e foram trabalhar em fábricas da região. Hugo Blanco fez isso no frigorífico Swift de Berisso. Quando caiu a ditadura no Peru e veio uma abertura, ele e outros camaradas voltaram já com a ideia de fortalecer a construção do partido revolucionário no Peru. Integra-se ao POR peruano.

No Peru, conseguir trabalhar em uma fábrica foi muito mais difícil do que na Argentina, apesar de Hugo Blanco conseguir fazê-lo em uma pequena empresa petrolífera que não tinha sindicato. Nesse momento, Richard Nixon, vice-presidente dos Estados Unidos, chegou ao Peru e uma grande manifestação foi preparada em repúdio a sua visita. O POR participou ativamente desta marcha e uma feroz repressão foi desencadeada. Os companheiros são presos e inicia-se um processo de busca de outros, incluindo Hugo Blanco. O Partido resolveu que Hugo viajasse para Cuzco onde estava ocorrendo uma revolta camponesa muito importante.

A revolta de La Convención e o papel de Hugo Blanco

Ao chegar em Cuzco, Hugo trabalha como canillita (vendedor de jornais) e funda um sindicato. A partir daí, começou a se relacionar com os camponeses da província de La Convención. Acaba preso por participar de uma mobilização e com forte pressão da Federação dos Trabalhadores de La Convenciòn consegue a liberdade. Mudou-se para a região do vale de La Convenciòn e ali começou a construir a organização camponesa com a experiência de organização que havia adquirido na Argentina. Em 1961 estourou uma grande revolta agrária que teve seu epicentro na província de La Convención e em Lares. Lá, Hugo Blanco se tornou um importante líder camponês, ajudou a incorporar outros dirigentes ao partido e o POR se fortaleceu muito. O grito de “Ota allpa otac huañuy!” (Terra ou morte) (2) torna-se o grito de guerra de dezenas de milhares de camponeses. Com o trabalho de Hugo Blanco e seus companheiros em Cuzco, o número de sindicatos organizados passou de 6 para 148. Em junho de 1961, Hugo Blanco tornou-se um dos dirigentes camponeses mais importantes de Cuzco, disputando com o Partido Comunista Peruano a direção da Federação dos Trabalhadores de Cuzco.

Ao longo do mesmo ano, ocorre um processo de sindicalização, ocupação de fazendas e confrontos armados com a polícia. A corrente internacional dirigida por Nahuel Moreno, a SLATO — Secretaria Latino-Americana do Trotskismo Ortodoxo, promove com todas as suas forças a luta contra o latifúndio e prioriza em seu programa a defesa dos indígenas como nação oprimida. A insurreição armada avançou em Cuzco, mas não conseguiu se espalhar por todo o território do Peru. Da Argentina, Palabra Obrera lançou uma campanha internacional de apoio, um camarada da direção foi enviado a Cuba para pedir ao governo de Fidel Castro apoio a este levante e ajuda material, mas essa ajuda nunca chegou. A insurreição camponesa ficou isolada e uma forte repressão começou contra seus dirigentes, especialmente contra Hugo Blanco.

Em agosto de 1962, a proteção dos camponeses conseguiu impedir que Hugo Blanco fosse capturado, sendo forçado a reunir um destacamento guerrilheiro para se esconder nas montanhas para sobreviver. Finalmente, em 15 de maio de 1963, Hugo Blanco é preso e condenado à morte. Uma grande campanha internacional promovida pela SLATO consegue a anulação da pena de morte e ele é condenado a 25 anos de prisão. Oito anos após ser preso, uma anistia é declarada e ele é deportado primeiro para o México e, de lá, viaja para a Argentina. Enquanto esteve preso, continuou sendo um símbolo de luta e organização para os camponeses de Cuzco, que organizaram uma grande faixa onde se lia “Liberdade para Hugo Blanco” na encosta de uma das colinas. Este processo deu origem a um debate muito importante no partido peruano e no movimento trotskista sobre a política de união da luta camponesa com a classe trabalhadora urbana e, sobretudo, a estratégia de construção de um partido em caminho contrário à guerrilha.

Assim como o impulso da revolução cubana motorizou grandes processos de mobilização, a política do foco guerrilheiro abortou e foi desastrosa para esses processos. Este foi o caso do processo peruano, onde infelizmente não foi realizada a orientação da SLATO, que propunha não só desenvolver a luta camponesa levantando suas reivindicações como parte do programa de transição, mas também unir a revolução agrária com a massas urbanas e construir o partido revolucionário. Prevaleceu a política foquista e o abandono da estratégia de construção partidária, política adotada pelo mandelismo que, mais tarde, levou à divisão da IV Internacional. Hugo Blanco, embora posteriormente deixasse as fileiras da corrente morenista, reconheceria a exatidão das políticas (3).

A experiência da FOCEP e a vinculação ao movimento indígena

No final da década de 1970, Hugo Blanco voltou ao Peru após passar muitos anos no exílio. Em 1978, desenvolveu-se um grande movimento de trabalhadores e camponeses, também impulsionado pelo trotskismo, que deu origem à formação da FOCEP (Frente Obrera Campesina Estudiantil y Popular). Nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1978, a FOCEP obteve 12% dos votos e Hugo Blanco foi um dos candidatos mais votados.

A FOCEP conseguiu uma forte influência e desenvolvimento, mas ao não avançar na construção do partido revolucionário, perdeu-se uma extraordinária oportunidade de se conectar com a crescente fúria de operários e camponeses, e esta experiência foi frustrada.

Em 1980 tornou-se deputado e em 1990 foi eleito senador. No Congresso Nacional, voltou a ser o porta-voz das lutas e reivindicações dos trabalhadores da cidade e do campo e setores populares do Peru. Esse mandato foi interrompido em 1992 pelo autogolpe de Fujimori.

Hugo Blanco nunca desistiu de lutar ou aproveitou suas conquistas para interesses pessoais, embora tenha se afastado do trotskismo e se ligado estritamente ao movimento indígena, sempre defendeu os interesses dos povos. Editou por muitos anos a revista La Lucha Indígena e continuou a batalha contra o imperialismo e o capitalismo, defendendo com todas as forças os interesses dos explorados, oprimidos e a democracia das bases e das assembleias para decidir tudo no movimento indígena e camponês.

Uma vida a serviço das lutas

Toda a vida de Hugo Blanco foi marcada pela luta, pela mobilização e pela defesa das causas camponesas, operárias, populares e a luta pela união e organização política do povo. Mesmo com seu distanciamento primeiro de nossa corrente, aderindo ao revisionismo mandelista, e depois ao trotskismo, sua vida militante expressou décadas de luta e organização que todos os revolucionários do mundo devem reivindicar.

Em 2003, Hugo Blanco sofreu um derrame onde conseguiu se recuperar, embora tenha deixado sequelas em seu corpo. No domingo, 25 de junho, aos 89 anos, faleceu na Suécia, para onde seus filhos conseguiram transferi-lo para um tratamento médico de alta complexidade e alto custo, com apoio solidário. Desta vez, a doença venceu e levou um extraordinário camponês e dirigente popular, eterno defensor dos direitos dos explorados, oprimidos e construtor de uma organização revolucionária para lutar pelos direitos dos que estão abaixo.

Nós, da Liga Internacional Socialista, do MST (Argentina) e dos demais partidos da LIS, nos despedimos do camarada Hugo Blanco com muita tristeza. Mas essa tristeza não ofusca a exigência de uma vida a serviço das lutas. Hugo Blanco estará sempre na luta e organização dos povos do mundo, nesta batalha tão desigual, mas tão necessária contra o capitalismo, contra o imperialismo e contra todos aqueles que querem explorar e oprimir os povos.

Adeus, camarada Hugo Blanco, até o Socialismo!


  1. APRA: Alianza Popular Revolucionaria Peruana, ou Partido Aprista, tradicional partido peruano originalmente nascido como um movimento nacionalista burguês.
  2. Terra ou Morte: lutas camponesas no Peru. Escritos de Hugo Blanco que conta sua experiência com a revolta camponesa em Cuzco.
  3. Peru: duas estratégias. Textos de Nahuel Moreno e troca de cartas com Hugo Blanco e outros dirigentes do POR.