Após um longo período de especulação, a principal figura do “conservadorismo de esquerda” alemão, Sahra Wagenknecht, com nove outros deputados e políticos do Die Linke [A Esquerda] deixaram o partido e planejam formar um novo partido mais à direita, embora permaneçam no mesmo bloco para não perder o status de grupo parlamentar. Explicaremos os motivos da divisão e nossa opinião.
Por Carolina Menéndez Trucco
O fim anunciado de uma dura história de separação: o principal rosto do populismo “vermelho” na Alemanha, Sahra Wagenknecht, depois de meses pensando em deixar o partido Die Linke, finalmente apresentou que criará o “Für Vernunft und Gerechtigkeit” [“Pela Razão e pela Justiça”]. A associação “Aliança Sahra Wagenknecht”[1] tem o objetivo de fundar o novíssimo partido no início do próximo ano, apresentando-se nas eleições regionais da Alemanha. Quem for às eleições europeias em 2024 deverá encontrar uma nova opção na cédula eleitoral. Além de Sahra Wagenknecht, entre deputados e políticos, 15 outros declararam sua saída com a carta aberta “Por que estamos saindo do Die Linke”. Embora, de acordo com suas próprias declarações, inicialmente pretendam permanecer no grupo parlamentar de esquerda no Bundestag, que atualmente tem 38 membros, se houver dois deputados a menos, o número mínimo atual não será mais alcançado. Em outras palavras, a esquerda está ameaçada de extinção como grupo parlamentar.
Em vez de se mover pela “razão econômica”, “justiça social”, “paz” e “liberdade”, a direção do novo partido se move para a direita. O manifesto de fundação apresentado, embora evite essa classificação e, em vez disso, fale de um “retorno à razão”, de alguma forma deixa isso evidente. De acordo com as pesquisas, os seguidores de Sahra Wagenknecht incluem muito mais eleitores do partido de extrema direita AfD do que da própria esquerda. Além disso, suas posições sobre migração e política climática estão mais próximas do grupo conservador CDU/CSU do que de seu antigo partido. De acordo com a linha conservadora, a “imigração não regulamentada” está agravando “os problemas nas escolas, especialmente nas áreas residenciais mais pobres”. Portanto, pede um limite para o número de refugiados. Além disso, a figura polêmica tem como objetivo “afastar-se do ecoativismo cego e desregulado que encarece ainda mais a vida das pessoas, mas que, na realidade, não beneficia em nada o clima”. Nada poderia estar mais distante do social e do ambiental.
Embora muitos tenham se resignado a encarar isso como um sinal de respeito próprio ou uma oportunidade de renovação, já estava claro há algum tempo que a esquerda estava enfrentando uma divisão. Mesmo assim, o fato de dez membros do Bundestag (parlamento) liderados por Sahra Wagenknecht e outros políticos terem deixado o Die Linke foi uma surpresa. Mesmo que ambos os partidos admitam que não querem trabalhar juntos, pretendem continuar a fazer parte da grupo para manter o aparato. De fato, aqueles que saíram pediram oficialmente para permanecer no grupo de esquerda até o final do ano.
Disputas e falsas diferenças
Em mais de uma ocasião, Sahra Wagenknecht gerou polêmica. As divergências com alguns setores da esquerda são bem conhecidas, daí os pedidos recorrentes de exclusão de vários membros. Uma delas foi a rejeição de sanções contra a Rússia pela guerra e pelo fornecimento de armas à Ucrânia em seu zelo “diplomático” e “antimilitarista” de defender o caminho do diálogo e da negociação. O “Manifesto pela Paz”, que Sahra Wagenknecht e a também polêmica ativista Alice Schwarzer coletaram mais de meio milhão de assinaturas para interromper o fornecimento de armas à Ucrânia, gerou muito debate, mesmo na esquerda. É correto não aumentar o orçamento militar, mas é errado impedir que as armas cheguem ao povo ucraniano, que tem o direito de se defender da invasão russa.
Por outro lado, com relação ao genocídio sionista na Palestina, Sahra Wagenknecht é ambígua… o que, no final, acaba defendendo Israel. Ao mesmo tempo em que descreve a Faixa de Gaza como uma “prisão a céu aberto”, também observa que Israel tem o direito de se defender contra os ataques do Hamas e apóia a saída cínica de “dois Estados”, quando um quer deliberadamente exterminar o outro.
Podemos nos perguntar como é possível que termos como capitalismo, imperialismo, socialismo, classe trabalhadora, sociedade de classes ou esquerda nem sequer apareçam no manifesto de fundação da “Aliança Sahra Wagenknecht”, apresentado na coletiva nacional de imprensa em 23 de outubro. Esse é um desvio da política geral já reformista do Die Linke. É preciso voltar as origens.
Quem foi Sahra Wagenknecht…
Pouco antes da queda do Muro, Sahra Wagenknecht entrou para o SED[2] em 1989. Sua primeira polêmica ocorreu três anos mais tarde, quando interveio no debate sobre o stalinismo no partido, que passou a se chamar PDS[3], ao publicar o texto “Marxismo e oportunismo” no jornal Weißenseer Blätter. De defensora da Alemanha Oriental burocrática de outrora, se tornou defensora de um Estado populista, anti-imigrante e anti-ambiental. Membro do Parlamento Europeu de 2004 a 2009, do Bundestag alemão desde 2009 e, desde 2011, vice-presidenta do grupo de esquerda. No cargo, no entanto, ela sempre esteve em desacordo com a direção do partido, causando repetidamente tumultos dentro da organização. Ao longo do caminho, seus passos à direita se tornaram cada vez mais firmes. Quando entrou no parlamento, por exemplo, deixou a Kommunistische Platform [Plataforma Comunista][4] e a Antikapitalistische Linke [Esquerda Anticapitalista][5], tendo assinado a convocação em 2006 para a fundação da última.
Nascida em Jena, em 1969, filha de pai iraniano e mãe alemã, casada há quase dez anos com outra figura conhecida do populismo conservador de esquerda, Oskar Lafontaine, Sahra Wagenknecht tornou-se, sem dúvida, um dos rostos mais conhecidos do Die Linke até anunciar sua saída e a fundação da associação BSW – Für Vernunft und Gerechtigkeit, com o objetivo de preparar seu novo partido político.
A divisão revolucionária
O racha no Die Linke reflete a desorientação da esquerda alemã: não há mais revolucionários em suas fileiras e o partido está cada vez mais perdido no “parlamentarismo burguês”. Embora o próprio partido tenha registrado mais entradas do que saídas, desde a saída de Wagenknecht, o problema agora exige acrobacias políticas, já que o status de grupo está em jogo. Isso envolve não apenas a capacidade política de ação dos representantes de esquerda, mas também o destino dos 108 funcionários do grupo parlamentar. Se o status de grupo desaparecer, eles deverão ser liberados. Além disso, os membros do grupo parlamentar Die Linke que foram eleitos diretamente para o Bundestag estão exigindo que os dez membros do grupo parlamentar que deixaram o partido para formar um partido rival renunciem a seus mandatos. Em última análise, juntamente com os desertores e possíveis desempregados, trata-se do valor do bloco de esquerda como força política.
Nas eleições gerais de setembro de 2021, a Esquerda obteve 4,9% dos votos, abaixo do limite exigido de 5% para permanecer no parlamento, mas conseguiu fazer isso porque havia conquistado três mandatos diretos anteriores. Entretanto, é necessário mais do que o status quo para resolver o dilema da unidade. Examinar as circunstâncias que levaram à divisão pode ter sido uma das chaves de explicação.
Ao enfraquecimento extraparlamentar da Esquerda Anticapitalista somou-se a lacuna intransponível entre a ala reformista e a ala Sahra Wagenknecht. A conferência de fundação do novo partido está marcada para janeiro e, até lá, o grupo de esquerda pode ter passado à história. Na terra de Karl Marx, a revolução socialista e um governo dos trabalhadores e do povo ainda é uma tarefa inacabada. É por isso que a unidade dos agrupamentos revolucionários e ativistas à esquerda do reformismo é necessária.
[1] BSW – For Reason and Justice (BSW – Für Vernunft und Gerechtigkeit) é uma associação política registrada com o objetivo de fundar o partido político alemão: BSW é um acrônimo para “Aliança Sahra Wagenknecht” (Bündnis Sahra Wagenknecht).
[2] O Partido da Unidade Socialista da Alemanha (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, abreviado SED, ou PSUA) foi o partido político alemão da República Democrática Alemã (RDA), também chamada de Alemanha Oriental, Alemanha Democrática ou Alemanha Oriental. Um estado “socialista” administrado por uma burocracia stalinista que existiu no período da Guerra Fria, aliado ao bloco oriental (comunista).
[3] O Partido do Socialismo Democrático (PDS, Partei des Demokratischen Sozialismus) foi um partido político socialista alemão, herdeiro do antigo Partido Socialista Unitário da Alemanha (SED).
[4] A Plataforma Comunista (Kommunistische Platform, KPF) é uma associação dentro do Partido de Esquerda Alemão da ala mais radical, cujo membro mais proeminente foi Sahra Wagenknecht.
[5] A Esquerda Anticapitalista (Antikapitalistische Linke, AKL) é um movimento político fundado em março de 2006 dentro do partido Die Linke, representando posições anticapitalistas, antimilitaristas e críticas ao parlamentarismo. É considerado a ala mais radical do partido.