
Entrevistamos o companheiro Jacques Charlemagne, membro do comitê executivo da Rede de Organizações da Zona Ocidental (ROZO) e da direção do partido Esforço Solidário para Construir uma Alternativa Nacional e Popular (ESCANP), sobre a crise haitiana.
Reportagem: Pablo Vasco
Qual é a sua opinião sobre a Missão Multinacional de Apoio à Segurança, enviada ao Haiti sob os auspícios da ONU?
O que se diz ser uma força multinacional para resolver a crise haitiana é o oposto do que pensamos.
Primeiro, esta crise é obra do imperialismo norte-americano que as Nações Unidas estão utilizando como meio para desestabilizar o país. Lembramos o papel desempenhado por Edmond Mulet, o representante da ONU no resultado fraudulento das eleições de 2011 no Haiti, em um acordo com a máfia de Clinton para poder subir ao poder Michel Martelly, envolvido no fornecimento de armas para as gangues que massacram a classe trabalhadora.
Mais de 10 missões das Nações Unidas já foram enviadas ao Haiti, supostamente para resolver as crises de insegurança. Os resultados nunca foram satisfatórios. Pelo contrário, essas missões só trouxeram problemas de doença, cólera e agressões sexuais a jovens. Até agora, esses crimes continuam impunes. A MINUSTAH, através de sua unidade de soldados nepaleses, matou 40 mil compatriotas e mais de 800 mil estão infectados. Até agora, a MINUSTAH negou sua responsabilidade neste caso e as vítimas não foram indenizadas.
A missão da ONU exige sempre um orçamento elevado e constitui uma fonte de corrupção para que os especialistas internacionais, junto com a máfia internacional, se enriqueçam sob o rótulo de paz e democracia. As Nações Unidas nem sempre admitiram sua verdadeira missão no Haiti, mas na realidade vemos que só cometem atos de vagabundagem, participando de eleições fraudulentas para satisfazer os caprichos dos ianques. São os membros do CORE GROUP[1] que decidem, em vez do povo haitiano, quem deve ser presidente.
As missões têm de fato como objetivo fortalecer o projeto de dominação, tomar o controle do país enquanto líderes corruptos, narcotraficantes e traidores se instalam no poder, e manter o domínio do imperialismo sobre o país.
Que escândalo, quando os chefes de gangues a pagamento da CIA e do imperialismo vão à embaixada norte-americana para participar de reuniões com o embaixador! E quando este último confirma publicamente que mantém conversas regulares com os bandidos sob o pretexto de preservar a segurança da embaixada e dos seus empregadores. Tudo isso, desafiando as convenções de Viena sobre diplomacia.
Nenhum desenvolvimento ou democracia é possível sob a ocupação. As Nações Unidas, em vez de ser a expressão do povo, lamentavelmente estão a favor da dominação imperialista que apoia líderes traidores e corruptos. Instituições internacionais como a ONU, a OEA, o Banco Mundial, o FMI, são instrumentos controlados e dominados pelos países imperialistas contra a autodeterminação dos povos.
Madame Lalime, representante do secretário-geral da ONU, aplaudiu as gangues quando se juntaram para formar a coalizão. No entanto, com a coalizão a insegurança é reforçada, intensificam-se os assassinatos, sequestros e massacres entre a classe trabalhadora. As gangues conseguem incendiar o país de sangue e fogo, o país se transforma num inferno graças às armas e munições que chegam dos Estados Unidos. Estes últimos se beneficiam do fenômeno das gangues, qual é o sentido de destruí-las?
De acordo com declarações de especialistas, o Haiti possui uma riqueza mineral surpreendente. É precisamente para conseguir a exploração capitalista dessas minas que as gangues são criadas.

Quanto ao Conselho Presidencial de Transição, qual é a sua opinião sobre o seu projeto político?
O Conselho Presidencial é formado por um grupo de políticos que se erguem como escravos domésticos das potências capitalistas. Eles não se importam que as gangues matam e aterrorizam a população. São colocados pela internacional para continuar defendendo os interesses da burguesia haitiana em detrimento dos pobres, para organizar eleições manipuladas em favor do imperialismo americano. A maioria dos membros do conselho estão entre aqueles que têm contribuído para o fortalecimento deste estado corrupto nesses últimos trinta anos. Todos eles são lacaios, fantoches do imperialismo americano que está levando o país a esta crise. Nove cerimônias, nove gabinetes, etc.: muitos presidentes estão acabando com a presidência. Além disso, a presidência rotativa ou o passe presidencial é uma orgia de grande prazer que desestabiliza o rumo e orientação política deste ramo do Executivo. Não acreditam no poder do povo como motor da mudança. Só defendem os interesses políticos de seu clã, preferem associar-se ao projeto criminoso do imperialismo internacional em vez de se juntarem às classes populares.
O que você acha dos setores que defendem a nomeação de um juiz do Tribunal de Cassação como solução para a crise?
Essa abordagem é completamente estúpida na medida em que este setor nunca toma posição na hora de pronunciar-se sobre a situação caótica do país. Basta olhar para o funcionamento do sistema judicial para perceber a sua ineficácia. Isso não surpreende ninguém, considerando que eles foram nomeados de forma irregular. É óbvio que os problemas políticos só podem ser resolvidos por soluções políticas.
Quais são as principais causas da pobreza e insegurança que se sofre no Haiti?
A pobreza e a insegurança que sofremos no Haiti podem ser explicadas por uma dimensão histórica. Em primeiro lugar, como reação à revolução antiescravista haitiana, os Estados Unidos impuseram um embargo ao país em 8 de fevereiro de 1806. Então, a França impôs uma dívida injusta ao Haiti em 1825 sob o pretexto do reconhecimento da independência haitiana. Os EUA roubaram a reserva de ouro do país do banco central em 17 de dezembro de 1914. Em 29 de julho de 1915, os EUA invadiram o país e ocuparam por 19 anos. Durante esse período, eles empobreceram o país. Antes de sua partida, destruíram o exército revolucionário indígena para substituí-lo pelo exército do Haiti, que só mantém relações de repressão com a população enquanto desestabiliza o país através de golpes de estado contra qualquer governo que esteja de acordo com os Estados Unidos. Assim, a missão de defesa nacional e de salvaguarda da soberania, que compete a qualquer exército, escapou do Haiti.
É graças a este exército que os Estados Unidos conseguem ter o controle político do país, enraizando governos fantoches ao serviço do imperialismo norte-americano. Apoiaram a ditadura de Duvalier por trinta anos, desde 1957 até 7 de fevereiro de 1986. Os resultados em matéria de direitos humanos refletiram-se em repressões sangrentas que levaram ao desaparecimento de mais de 35.000 opositores políticos. Todos esses crimes são cometidos em cumplicidade com o serviço de inteligência dos EUA, a CIA. No plano social, há mais de 85% de analfabetos. No plano econômico, o orçamento nacional se concentra na “república de Porto Príncipe”. Após 86, o exército haitiano orquestrou vários golpes de estado sob as ordens da CIA. Tudo isso se combina para gerar insegurança e pobreza no Haiti.
Quais são as propostas da ROZO para a libertação nacional e social do povo haitiano?
A população haitiana, em particular as classes trabalhadoras, estão sofrendo o peso de uma crise cíclica e estrutural. O Estado age contra os interesses fundamentais da nação e nos deixa à nossa própria sorte. Os dirigentes adotam medidas antinacionais a serviço de determinadas facções da burguesia local sob a direção da máfia internacional, mais precisamente do imperialismo americano e das gangues do grupo central. Mesmo alguns que se autodenominam de esquerda, progressistas, fazem parte do Conselho Presidencial em detrimento do bem-estar da classe trabalhadora e das classes populares.
Nós na ROZO acreditamos que a solução não é para amanhã, mas se algo nos resta fazer é formar uma verdadeira frente de resistência junto com aqueles que lutam pela mudança das condições de vida do povo haitiano. Esta frente será o primeiro passo para a luta que nos levará à restauração da soberania nacional.
Devemos criar caminhos ideológicos para conscientizar as massas populares de que não podem continuar vivendo nesta situação calamitosa, devemos nos organizar com base em nossos interesses de classe, único caminho que pode nos levar a uma segunda independência. Um povo que fez uma revolução sempre poderá fazer outra.
A política deve ser feita de outra maneira, ou seja, devemos ter a ética e a moral como bússola de toda ação política, acabar com o sectarismo, construir um projeto alternativo para o bem-estar da população, estabelecer relações de solidariedade com todos os outros povos que estão em luta. Nos solidarizamos com a luta do povo palestino. Também nos solidarizamos com a luta dos povos do continente africano pelo direito à autodeterminação. Condenamos veementemente o embargo dos Estados Unidos contra o povo cubano. Apenas a luta liberta.
[1] Criado em 2004 por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Inclui representantes dos EUA, França, Alemanha, Espanha, União Europeia, Brasil, Canadá e da OEA.