Por Peter Solenberger

No dia 14 de junho, cinco milhões de pessoas, talvez mais, se manifestaram contra Donald Trump e suas políticas em mais de 2.000 cidades e localidades dos Estados Unidos. As manifestações foram convocadas por Indivisible e outras organizações da ala esquerda do Partido Democrata. O lema foi “No Kings” (Sem Reis).

O 14 de junho foi a terceira grande manifestação contra Trump em poucos meses. As mobilizações Hands Off de 5 de abril reuniram cerca de 3,5 milhões de pessoas em 1.400 localidades. As manifestações do Primeiro de Maio contaram com aproximadamente 2,5 milhões em mil localidades.

A dimensão dos protestos de 14 de junho variou de algumas centenas de pessoas em cidades pequenas até mais de 200 mil em Nova York e Los Angeles. A maioria dos participantes era da classe trabalhadora, com forte presença de jovens. Negros, latinos e asiáticos estiveram sub-representados, embora dezenas de milhares tenham participado. As manifestações do Primeiro de Maio, convocadas por sindicatos e organizações pelos direitos dos imigrantes, haviam contado com uma maior participação de pessoas racializadas.

O 14 de junho marcou o 250º aniversário da fundação do exército estadunidense por uma lei do Congresso Continental. Também é o Dia da Bandeira, que celebra a adoção da bandeira dos EUA em 1777. E foi o 79º aniversário de Donald Trump.

Trump tentou combinar essas datas com um espetáculo militar de 45 milhões de dólares em Washington D.C. Sua festa de aniversário foi um fracasso, apesar da exibição de tanques, aviões e desfiles militares. Os organizadores esperavam 200 mil pessoas. Compareceram muito menos. O Wall Street Journal descreveu a participação como “escassa” e “modesta”. As manifestações anti-Trump foram muito mais numerosas e enérgicas.

O Partido Democrata não patrocinou os protestos de 14 de junho e poucos de seus políticos participaram. A maioria das pessoas presentes vê os democratas como um mal menor e vota em seus candidatos. No entanto, o partido ficou profundamente desacreditado após os governos Obama e Biden e as derrotas democratas nas eleições de 2016 e 2024.

As manifestações ostentaram bandeiras dos Estados Unidos, mas também do México, Canadá e Palestina. Os manifestantes carregavam cartazes e faixas criativas, feitas à mão, com palavras de ordem em defesa da democracia, das liberdades civis, dos direitos dos imigrantes, do direito ao aborto, dos direitos LGBTQ+, da educação, dos serviços sociais, do meio ambiente, da paz e da Palestina. Havia menos faixas sindicais que no Primeiro de Maio, mas muitos sindicalizados participaram, inclusive em alguns blocos organizados.

As manifestações foram em sua maioria pacíficas. Contaram com grande presença popular e, em geral, a polícia apenas observava à distância ou organizava o trânsito. Houve alguns confrontos entre policiais e manifestantes perto de escritórios do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega), prisões e outros símbolos da injustiça.

Em Minnesota, na véspera da manifestação, um extremista de direita que se fez passar por policial assassinou uma legisladora estadual e seu marido e feriu outro legislador e sua esposa. No norte da Virgínia, um homem atropelou uma multidão de manifestantes com uma caminhonete, deixando feridos, mas sem mortes. Em Salt Lake City, seguranças de uma manifestação atiraram em um homem que sacou um fuzil semiautomático da mochila, matando acidentalmente um transeunte. A autodefesa contra a violência da extrema-direita já faz parte da vida política nos Estados Unidos.

“Fora o ICE de Los Angeles”

Nove dias antes, em 5 de junho, agentes do ICE invadiram quase uma dúzia de locais de trabalho em Los Angeles e seus subúrbios, como parte da tentativa de Trump de intensificar as deportações. Grupos de resposta rápida rastrearam os agentes e fizeram todo o possível para alertar a comunidade e interromper as operações. Quarenta e quatro pessoas foram presas por violações migratórias, e David Huerta, presidente do SEIU (Sindicato Internacional de Empregados de Serviços) da Califórnia, foi detido por obstrução.

Durante a semana seguinte, continuaram os protestos contra o ICE em locais das operações, no Centro de Detenção Metropolitano, no Prédio Federal e em outros pontos. Manifestantes bloquearam a rodovia US 101 no centro de Los Angeles. E atos de solidariedade aconteceram em várias cidades do país.

Trump enviou 2.000 membros da Guarda Nacional para Los Angeles, depois mais 2.000 e, finalmente, 700 fuzileiros navais. O governador democrata Gavin Newsom e a prefeita Karen Bass se opuseram à presença militar, afirmando que o Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD) tinha a situação sob controle. Bass declarou estado de emergência e impôs toque de recolher noturno no centro da cidade.

Os protestos e os confrontos de rua ocasionais continuaram por uma semana. A cidade se acalmou com a retirada do ICE e da Guarda Nacional e o equilíbrio de forças desestimulou novos confrontos.

As manifestações de 14 de junho repudiaram Trump, o ICE e o envio da Guarda Nacional. “Foda-se a migra!!” foi uma palavra de ordem popular em Los Angeles e em todo o país.

O que virá a seguir dependerá, em parte, das ações de Trump. Se as operações do ICE continuarem, haverá protestos. O envio da Guarda Nacional não impedirá isso — tampouco deterá o crescimento da resistência de massas.

Uma mão fraca

Trump joga com uma mão fraca. Chegou à presidência com os votos de menos de um terço do eleitorado. Sua posição nas pesquisas é a mais baixa de qualquer presidente neste ponto do mandato — exceto sua própria posição durante o primeiro mandato. Todas as suas políticas, incluindo as migratórias, estão em crise — ou seja, em todas elas as taxas de reprovação superam as de apoio.

O tempo não está a seu favor. Espera-se que os candidatos republicanos tenham um desempenho ruim nas eleições off-year deste ano e nas eleições de meio de mandato do próximo. É provável que os democratas recuperem a presidência em 2028. As oscilações bipartidárias têm sido cada vez mais frequentes e caóticas — e ainda assim não resolvem nada, pois ambos os partidos capitalistas são inimigos da classe trabalhadora e dos oprimidos.

É possível, em tese, que Trump declare estado de emergência, cancele as eleições e permaneça no poder até a velhice. Mas, para isso, precisaria do apoio dos militares e, para tanto, da classe dominante. As políticas de Trump são incoerentes demais para que isso se concretize. A democracia continua sendo o melhor invólucro do capitalismo — e os capitalistas se saem muito bem com ela.

Tome-se o exemplo da imigração, centro das atenções no momento. Trump diz querer deportar milhões de imigrantes. Mas a economia dos EUA precisa deles. A população nativa está em queda. Os trabalhadores nativos estão envelhecendo e deixando a força de trabalho. Os capitalistas querem trabalhadores imigrantes mal pagos na agricultura, processamento de alimentos, construção civil, gastronomia, hotelaria, hospitais, cuidados infantis e de idosos — e também trabalhadores altamente qualificados e com formação em ciência, tecnologia e engenharia.

Trump sabe disso, pois lucra com o sistema atual. Seu ataque aos imigrantes não visa expulsá-los, mas aterrorizá-los em benefício dos patrões. Os imigrantes trabalham duro por salários baixos em empregos que os estadunidenses não querem. Trump quer que eles continuem fazendo isso.

Ele também quer alimentar a xenofobia de sua base e promover a reação em geral. Os capitalistas estão dispostos a deixá-lo tentar, como parte de sua estratégia de dividir e dominar a classe trabalhadora. Mas não a ponto de prejudicar os negócios.

Daí os zigue-zagues do governo nas últimas semanas. Trump afirma querer prender 3.000 imigrantes por dia — contra os 600 diários de fevereiro, quando o governo parou de divulgar dados. Para isso, o ICE teria que realizar operações em locais de trabalho, o que prejudica os negócios e provoca resistência.

No dia 14 de junho, Trump ordenou ao ICE que excluísse a agricultura, aquicultura, processamento de alimentos, hotéis e restaurantes das batidas. Seus assessores apontaram a contradição de isentar essas indústrias e não a construção civil e o setor da saúde — além da impossibilidade de cumprir a meta de deportações sem as operações em locais de trabalho.

Trump enfrenta problemas semelhantes com suas ameaças tarifárias. A economia estadunidense pode, com dificuldade, se desvincular da China — mas não do mundo inteiro. O governo declarou 2 de abril como o “Dia da Libertação”, data em que os EUA se “libertariam” impondo tarifas a seus parceiros comerciais. Mas, depois, Trump anunciou uma “pausa” nas tarifas para permitir negociações. Isso levou Robert Armstrong, do Financial Times, a propor a chamada “teoria do taco”, segundo a qual Trump sempre acaba recuando.

Sua política para a Ucrânia parecia ter como objetivo cortejar a Rússia para afastá-la da China e dividir a Ucrânia em zonas de influência. Mas Trump não ofereceu o suficiente; nem Rússia nem Ucrânia aceitaram sua proposta, e ele abandonou o tema.

No Oriente Médio, a pedra angular de sua política era concluir os Acordos de Abraão e normalizar relações entre Israel e seus vizinhos — principalmente Arábia Saudita, Egito e Turquia. Para isso, aconselhou Israel a “terminar o trabalho” de expulsar os palestinos de Gaza e da Cisjordânia — já que a “imagem” de genocídio é negativa e a normalização só viria com o fim da guerra.

Mas, em vez disso, Israel atacou o Líbano, a Síria e agora o Irã. Pode até conseguir expulsar os palestinos e derrubar o regime iraniano. Mas e depois? Israel continuará sendo sete milhões de colonos judeus cercados por 700 milhões de árabes, turcos, curdos e iranianos hostis — e os Estados Unidos estarão ainda mais odiados.

E isso é só o começo. Os dados de PIB, emprego e inflação mostram que a economia estadunidense ainda não entrou em recessão, mas está à beira. As políticas de Trump estão acelerando a queda. É praticamente certo que o futuro trará mais inflação e desemprego.

Para além de Trump, para além dos democratas

A oposição a Trump está crescendo, e sua base começa a rachar. Mas há um problema: os Estados Unidos não têm um partido de massas da classe trabalhadora. Sem ele, a virada contra Trump tende a fortalecer os democratas. Quanto maior o alarme em torno de Trump, mais isso se confirma.

Os marxistas revolucionários devem participar da luta contra as políticas de Trump. Devemos impulsionar sua escalada para greves e ocupações, construir organizações democráticas de luta de massas e desenvolver a autodefesa da classe trabalhadora.

Mas devemos ter claro que a luta contra Trump é apenas o começo. Ao intervir nela, devemos explicar a necessidade de um partido de trabalhadores de massas. Muitos nos ouvirão, ainda que poucos estejam prontos para agir. Os democratas, por mais repulsivos que sejam, ainda parecem para a maioria dos trabalhadores a única alternativa a Trump.

Devemos também explicar que um partido de trabalhadores, por si só, não é a solução. O programa e a estratégia do partido são decisivos. Se a orientação for reformar o capitalismo, ele fracassará. Daí a necessidade de um partido revolucionário e de uma Internacional. Um tema já conhecido, mas ainda mais urgente de ser lembrado agora — quando a luta contra Trump e o trumpismo se torna tão necessária.