Por Nick Reich

Durante a última semana, ocorreram protestos em toda a Indonésia em resposta aos políticos que concederam a si mesmos um aumento salarial imoral. Foram dias de manifestações, a maioria na capital, Jacarta, que enfrentaram uma dura repressão policial. Mesmo assim, continuaram a crescer.

Artigo publicado originalmente na RedFlag.

Em 28 de agosto, após quatro dias de mobilizações, Affan Kurniawan, 21 anos, motorista de aplicativo, foi atropelado por um veículo blindado da polícia. Ele morreu pouco tempo depois no hospital. A raiva por esse fato ficou evidente entre os manifestantes e seus simpatizantes. Os protestos cresceram e se radicalizaram como consequência disso, e muitos ativistas pedem o julgamento dos policiais responsáveis, bem como o julgamento de todos os agentes envolvidos em violações dos direitos humanos. Essas novas demandas se somam à já existente de dissolução do parlamento em resposta ao aumento salarial autoaprovado pelos funcionários.

O aumento salarial proposto acrescentaria 50 milhões de rúpias indonésias (cerca de 4.600 dólares australianos) ao subsídio mensal dos parlamentares, supostamente para ajudá-los a cobrir as despesas de moradia. Só este aumento é 10 vezes superior ao salário mínimo em Jacarta e seria acrescentado ao salário base e a outros benefícios que já recebem.

Essa ganância tocou um ponto sensível quando foi anunciada e se tornou o foco das reclamações mais amplas da classe trabalhadora que vêm sendo expressas há meses. A taxa de desemprego da Indonésia é atualmente a mais alta do sudeste asiático. O Ministério do Trabalho da Indonésia informa um aumento de 32% nas demissões nas empresas nos primeiros seis meses deste ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Isso se soma à tendência de subemprego e precariedade que dominam o mercado de trabalho. De acordo com um artigo recente dos economistas Kelvin Ramadhan e Wisnu Setiadi Nugroho, os salários não aumentam desde 2018. Tudo isso cria uma situação de estagnação e instabilidade para os trabalhadores indonésios, especialmente os jovens, enquanto os bilionários e políticos da Indonésia enriquecem.

A repressão policial aumentou a raiva que impulsiona esses protestos. A polícia utilizou canhões de água, gás lacrimogêneo e realizou detenções em massa. Segundo relatos de ativistas, pelo menos 200 pessoas foram detidas em Jacarta e Bogor, 50 km ao sul da capital, na noite de 28 de agosto. A polícia tenta desorganizar e desmoralizar os manifestantes, especialmente os estudantes, a quem a classe dominante da Indonésia costuma chamar de “anarquistas profissionais” para justificar as agressões e prisões policiais.

A brutalidade policial por motivos políticos tem sido uma característica da política indonésia há décadas, ainda mais quando os protestos contra a corrupção, o militarismo e o neoliberalismo aumentaram nos últimos seis anos. Mas houve uma normalização especialmente sinistra dos abusos contra os direitos humanos por parte do Estado indonésio com a eleição de Prabowo Subianto no ano passado. O presidente Prabowo é uma figura militar conservadora mais conhecida por liderar as campanhas de contra-insurgência contra o movimento independentista de Timor Leste e por seu papel no sequestro e tortura de estudantes ativistas pela democracia no final da década de 1990.

Desde sua ascensão à presidência, ele promoveu aliados do exército a altos cargos do governo, apesar de seu passado sombrio de violações dos direitos humanos e assassinatos de ativistas pró-democracia. Por enquanto, a polícia continua sendo o principal alvo da ira dos manifestantes. Mas o exército tem seu próprio histórico de violações dos direitos humanos e muitas vezes é chamado para reprimir os protestos quando atingem proporções desestabilizadoras.

Apesar dos ataques a esta última rodada de protestos, os estudantes permaneceram firmes nos dias 25 e 27 de agosto. Em seguida, os sindicatos do Partido Trabalhista (Partai Buruh) organizaram sua própria manifestação com os estudantes no dia 28, exigindo um aumento do salário mínimo. Diante da violência policial, o número de manifestantes aumentou, e milhares de trabalhadores e estudantes saíram às ruas de Jacarta.

Desde o assassinato de Affan Kurniawan, a indignação atingiu proporções explosivas. Seu funeral foi realizado na manhã do dia 29 de agosto. Milhares de motoristas entregadores de aplicativo compareceram de bicicleta e uniformizados para prestar homenagem ao colega. Muitos outros se juntaram aos protestos desde que a notícia se tornou pública. Naquela mesma tarde, um protesto em massa de estudantes e trabalhadores foi convocado em torno da sede da polícia, no sul de Jacarta. O Jakarta Post informou que, às 16h, eles haviam entrado pela porta principal e ocupado o espaço em frente ao prédio. Relatos dos socialistas que participavam dos protestos afirmam que, às 19h, a polícia voltou a lançar gás lacrimogêneo. Muitas outras cidades também tiveram seus próprios protestos naquele dia. Relatos do The Guardian e da CNN indicam que prédios do governo provincial e casas de hóspedes oficiais foram incendiados em Makassar (Sulawesi do Sul) e Bandung (Java Central).

O presidente Prabowo e o chefe de polícia de Jacarta emitiram condolências e desculpas pelo assassinato de Kurniawan e fizeram um apelo à calma. Uma investigação sobre os agentes responsáveis está em andamento, e há pressão pública suficiente para que haja consequências para os assassinos. Mas todo o sistema repressivo continua lançando gás lacrimogêneo e agredindo aqueles que exigem justiça. Enquanto isso, a desigualdade que desencadeou esse movimento só piora a cada dia. Por essas razões, não será fácil acalmar o movimento. Mas também não será tão fácil reprimi-lo. Enquanto a classe dominante busca maneiras de estabilizar o sistema e retornar à normalidade do capitalismo na Indonésia, a luta continua.