Por David Morera Herrera, desde a Costa Rica
Nos círculos equivocadamente chamados de “progressistas” e entre os nostálgicos neoestalinistas, China e Rússia são vistas como potências progressivas que buscam um mundo multipolar em enfrentamento à hegemonia do imperialismo ocidental.
Quanto à segunda afirmação, é verdade: Rússia e China de fato mantêm uma disputa e um confronto comercial e geopolítico cada vez mais agudos — às vezes latentes, às vezes diretos — como no caso da Rússia na Ucrânia e da China na disputa por Taiwan. Some-se a isso a ofensiva dos EUA e de seus sócios menores da União Europeia contra a venda do gás russo (mais barato) à Europa e o sabotamento do Nord Stream 2[i], e, de outro lado, a nova ofensiva tarifária de Trump para pressionar a China em torno do acesso às terras raras.
Mas quanto à primeira afirmação, ela é falsa: a realidade mostra que nem a China nem a Rússia cumprem qualquer papel progressivo. Desde a LIS, consideramos ambas potências imperialistas — a China com maior peso econômico, a Rússia com maior envergadura militar.
Ainda que ambas mantenham um equilíbrio altamente rentável entre empresa pública e privada (que se apoiam mutuamente sob o controle do Estado), isso em nada elimina o fato de que se regem pelas leis da acumulação ampliada de capital, próprias do sistema capitalista. Suas características as convertem em novos imperialismos, por uma série de dados irrefutáveis: em ambos os casos há exportação e investimento de capitais em grande escala, e, no caso da China, empréstimos abusivos sob o esquema Swap — um acordo de intercâmbio financeiro em que uma das partes se compromete a pagar, periodicamente, uma série de fluxos monetários em troca de receber outra série de fluxos da outra parte. Esses fluxos correspondem ao pagamento de juros sobre o valor nominal do ‘Swap’, em condições semelhantes às impostas pela banca ocidental.
“A economia chinesa ocupa hoje um lugar central na economia global: é a segunda maior em PIB nominal e a primeira em paridade de poder de compra (PPC), com participação significativa no comércio internacional e na manufatura mundial. Esse peso econômico se traduz em influência sobre os preços das matérias-primas, cadeias de suprimentos e decisões de investimento estrangeiro (…) Em termos quantitativos, o PIB chinês representa aproximadamente um quinto da produção mundial em PPC e mantém níveis de exportação e importação que o colocam entre os principais atores comerciais”[ii].
No caso da Rússia, com menor peso econômico, observa-se algo similar: também possui importantes investimentos e intervenções na África. Além disso, é preciso lembrar sua invasão à Ucrânia, em defesa de seus interesses geopolíticos vitais, como o acesso ao Mar Negro — fundamental para sua navegação na região — e o funcionamento do gasoduto que atravessa a Ucrânia, o qual o Nord Stream 2 pretendia substituir antes de ser sabotado diplomaticamente pelos Estados Unidos.
Por outro lado, sem qualquer escrúpulo quanto à natureza reacionária da monarquia petroleira do Catar e sua reiterada traição à causa palestina, Putin mantém negócios lucrativos com seu emir. Em 17 de abril deste ano, ele próprio declarou: “Por meio do Fundo de Investimentos Diretos, (Catar) investiu cerca de um bilhão de dólares na economia (russa). E estou certo de que há perspectivas de mais investimentos e de muitos projetos interessantes”, afirmou o presidente russo. Putin também destacou no início da reunião sua colaboração com o Catar no setor de gás, afirmando esperar “mais projetos conjuntos (…) O Catar é um dos sócios-chave da nossa principal empresa de petróleo e gás, a Rosneft”[iii].

Nem na Cúpula do Alasca nem na da OCS, uma só palavra sobre a Palestina
Nos recentes eventos de ampla cobertura midiática, nem Putin nem Xi Jinping se pronunciaram para denunciar o genocídio em Gaza — nem sequer com declarações simbólicas. Suas prioridades econômicas e geoestratégicas são outras. Na Cúpula do Alasca, onde Putin foi recebido com tapete vermelho por Trump, nem sequer se sabe o conteúdo secreto de suas conversas. O que chama atenção é que, logo após o conclave, Putin intensificou sua ofensiva militar na Ucrânia e Trump ampliou sua agressão contra a Venezuela. Cabe perguntar se tais ações já estavam no cardápio da diplomacia secreta entre ambos. Em todo caso, nem mesmo como gesto publicitário Putin aproveitou a ocasião para mencionar a necessidade de cessar-fogo diante do genocídio em Gaza.
Por sua vez, na cidade chinesa de Tianjin realizou-se a XXV Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), presidida por Xi Jinping, com a presença de representantes de mais de 20 países — entre eles, o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko; o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi; o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian; o presidente cazaque, Kassym-Jomart Tokayev; o presidente quirguiz, Sadyr Japarov; o primeiro-ministro paquistanês, Shahbaz Sharif; o presidente russo, Vladimir Putin; o presidente tadjique, Emomali Rahmon; o presidente uzbeque, Shavkat Mirziyoyev; o presidente mongol, Ukhnaa Khurelsukh; o presidente azerbaijano, Ilham Aliyev; o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan; o primeiro-ministro cambojano, Hun Manet; o presidente maldivo, Mohamed Muizzu; o primeiro-ministro nepali, KP Sharma Oli; o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan; o primeiro-ministro egípcio, Mostafa Madbouly; o presidente turcomeno, Serdar Berdimuhamedov; o presidente indonésio, Prabowo Subianto; o secretário-geral do Comitê Central do Partido Revolucionário Popular do Laos e presidente laosiano, Thongloun Sisoulith; o primeiro-ministro malaio, Anwar Ibrahim; e o primeiro-ministro vietnamita, Pham Minh Chinh.
Nesse evento de grande magnitude, protagonizado por Xi Jinping, Putin e Modi — e sem a “incômoda” presença de Trump (como no Alasca) —, não houve uma só palavra nem declaração sobre o genocídio em Gaza.

China: a potência em ascenso comercial com Israel
Um dos aspectos mais reveladores da natureza imperialista (e consequentemente cínica) da China é o aumento contínuo de seu investimento médio anual em Israel desde 2002: de 20 milhões de dólares para mais de 200 milhões.
Segundo dados oficiais chineses, de acesso público: “As relações diplomáticas entre ambos os países foram estabelecidas oficialmente em janeiro de 1992. Desde então, China e Israel vêm melhorando progressivamente seus vínculos, que atingiram seu auge com a visita do presidente Jiang Zemin a Israel em 2000. Desde então, quatro presidentes e três primeiros-ministros israelenses realizaram visitas oficiais a Pequim, incluindo o mais recente, Benjamin Netanyahu, em março de 2017. (…) Entre 1995 e 2022, o investimento estrangeiro direto (IED) chinês em Israel somou em média 14,28 bilhões de dólares, atingindo um pico de 112 bilhões de dólares no terceiro trimestre de 2021.”[iv]
Pragmatismo imperialista
Segundo Evangeline Cheng, pesquisadora associada do Instituto do Oriente Médio da Universidade Nacional de Singapura. “A China tradicionalmente aborda a política externa por meio de uma lente de pragmatismo estratégico, em vez de solidariedade ideológica”, isso significa que a China sempre se concentrará em proteger seus interesses econômicos — muitos deles localizados no Oriente Médio. O país tem investimentos no florescente setor tecnológico de Israel, e seu projeto de infraestrutura Belt and Road [Nova Rota da Seda] abrange Irã, Arábia Saudita, Catar, Omã, Kuwait, Iraque, Egito e Emirados Árabes Unidos. Já John Gong, professor de economia na Universidade de Negócios e Economia Internacional de Pequim, declarou à Al Jazeera que a principal preocupação da China durante o conflito era evitar “o aumento vertiginoso dos preços do petróleo”, o que ameaçaria sua segurança energética[v].
O apoio ou a ambiguidade diante do plano de “paz” dos cemitério de Trump
O plano de “paz” de Trump é uma fachada episódica para continuar a ocupação (até hoje, Israel continua ocupando 50% do território de Gaza). Não menciona uma palavra sobre a crescente ocupação ilegal israelense na Cisjordânia, impõe o desarmamento da resistência e sua submissão a um governo provisório sob tutela de um protetorado liderado por Trump, com apoio das burguesias do Egito, Catar e Turquia, entre outros. Trata-se de uma armadilha mortal que, em última instância, não deterá o massacre sistemático do povo palestino.
Em 2 de outubro, a Rússia declarou estar disposta a apoiar “em termos gerais” o plano do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para pôr fim à guerra e definir o futuro da Faixa de Gaza — segundo afirmou Vladimir Putin em sua intervenção no Clube de Debates Valdai, realizado em Sochi (Mar Negro)[vi].
A China, por sua vez, tem se mostrado mais reservada e ambígua. O chanceler Guo Jiakun afirmou que o governo chinês está disposto a “trabalhar com a comunidade internacional em prol de uma solução abrangente, justa e duradoura para a questão palestina”. Essa postura se insere na visão de Pequim sobre a necessidade de alcançar “um Oriente Médio pacífico e estável” por meio do diálogo e da negociação.
A única garantia é o povo palestino com o apoio dos povos do mundo
A única saída diante do genocídio e da colonização da Palestina — que remonta a 1947 — é a organização independente do movimento do povo trabalhador palestino e o apoio das colossais mobilizações de massas em sua defesa, em escala mundial. Como ficou demonstrado, para Rússia e China — e menos ainda para Trump, patrocinador e financiador de Netanyahu, que esfrega as mãos diante do negócio imobiliário que pretende na devastada Faixa de Gaza —, a questão palestina não passa de uma disputa geoestratégica, conduzida a partir de seus próprios interesses econômicos e comerciais. Assim, não oferecem mais do que sangue e opressão.
Diante da terrível situação em Gaza e do alívio que o cessar-fogo certamente representa, a resistência heroica das massas palestinas que retornam a seus lares demolidos em toda a Faixa (com o exército sionista ainda apontando para suas cabeças) nos impõe o dever de alertar contra os cantos de sereia de cada facção imperialista e afirmar que apenas a organização popular democrática, laica e unificada do povo palestino, junto ao amplo apoio das massas do mundo à sua causa, aponta o caminho estratégico da vitória.
[i] A construção do Nord Stream 2 ocorreu entre 2018 e 2021. A primeira linha do Nord Stream 2 foi concluída em junho de 2021 e a segunda linha em setembro de 2021. O Nord Stream 2 tem uma capacidade anual total de 55 bilhões de m³ (1,9 trilhão de pés cúbicos) de gás.
[ii] Reguera, Eduardo. https://aprendeeconomia.info/que-lugar-ocupa-la-economia-china-en-el-mundo
[iii] EFE, 17 de abril de 2025. https://www.swissinfo.ch/spa/putin-y-el-emir-de-catar-abordan-proyectos-conjuntos-de-inversi%C3%B3n-y-la-crisis-en-o.-medio/89181229
[iv] Panorama de Comércio e Investimento entre China e Israel. https://www.china-briefing.com/news/panorama-de-comercio-e-inversion-entre-china-e-israel/
[v] Ibidem (mesma fonte do item [iv])
[vi] EFE, 2 de outubro de 2025. https://www.swissinfo.ch/spa/rusia-est%C3%A1-dispuesta-a-apoyar-plan-de-paz-de-trump-para-gaza/90105952




