Por Gustavo Giménez
Em 29 de outubro completou-se 75 anos da derrubada do primeiro mandato do governo Getúlio Vargas por meio de um golpe apoiado pelos Estados Unidos. O governo Vargas foi a expressão da corrente nacionalista burguesa no Brasil.
Qualificado como um dos políticos mais importantes da história brasileira do século 20; Getúlio Vargas, junto com o ex-ministro do Trabalho e depois presidente, João Goulart, foram a expressão brasileira de um fenômeno amplo: o nacionalismo burguês. Uma corrente de meados do século passado das burguesias e oligarquias locais que, a serviço da defesa de suas cotas de lucro, tentaram resistir à penetração ianque apoiando-se no movimento de massas. Perón, na Argentina, e Paz Estenssoro, na Bolívia, fizeram parte dessas experiências.
Vargas retornará ao poder, ao ser eleito presidente do Brasil em 1950, cometendo suicídio e interrompendo abruptamente seu mandato, após uma crise política em que seu governo foi duramente questionado pelos militares.
A revolução de 1930
O regime político que governou o país entre 1889 e 1930 ficou conhecido como República Velha. Era caracterizada pela alternância de poder entre dois setores oligárquicos: os representantes de São Paulo e a oligarquia mineira, territórios que administravam a exploração do café e leite, respectivamente, por isso esta época ficou conhecida como o período da “Política do Café com Leite”.
Vargas, nascido em 1882 em São Borja, no Rio Grande do Sul, era um representante da burguesia pecuária e industrial daquele Estado do sul. Depois de ocupar cargos legislativos, em 1926 foi Ministro da Fazenda do governo do Presidente Washington Luís, cargo que deixou em janeiro de 1928 após ser eleito governador do seu Estado natal.
Por volta de 1929, Pereira de Sousa designou como seu sucessor o governador de São Paulo, Júlio Prestes, que contou com o apoio de 17 Estados. Formou-se a Aliança Liberal, partido de oposição sediado nos Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba, com diversos setores da oposição e elementos do tenentismo [1], com peso nas classes médias do país. A Aliança Liberal tiveram Getúlio Vargas e João Pessoa, governador de Paranaíba, como candidatos à vice-presidência, nas eleições de 1º de março de 1930.
Prestes ganha essas eleições. Os deputados eleitos da oposição não têm acesso aos seus assentos e a oposição não reconhece os resultados, qualificando-os de fraudulentos. Quando João Pessoa foi assassinado em Recife, no dia 26 de julho daquele ano, ocorreu uma reação que deu origem ao levante armado, no dia 3 de outubro, no Rio Grande do Sul, contra o governo. A junta militar que assume o comando nomeia Getúlio Vargas como o novo presidente do Governo Provisório do Brasil.
Dois anos depois, em 1932, Vargas enfrentou e reprimiu uma revolta liderada pelo Partido Republicano e pelo Partido Democrático de São Paulo, conhecida como Revolução Constitucionalista, que exigia o fim do Governo Provisório e uma nova Constituição.
Finalmente, em 1933, são realizadas as eleições para a Assembleia Constituinte, que dita em 1934 uma nova Lei Fundamental para o Brasil e designa Vargas como o novo presidente constitucional do país. A Constituição votada incorpora importantes liberdades democráticas e é redigida com base na Constituição Social-Democrata da República de Weimar. Acompanhando esse processo de democratização do regime político, nas eleições de 1933 as mulheres votam pela primeira vez na história do país.
Nesse período, dois fenômenos se desenvolvem nas extremidades do arco político que são confrontados e reprimidos por Vargas. À direita, a Ação Integralista Brasileira (AIB) de tendência fascista se fortalece; e à esquerda surge a Aliança de Libertação Nacional (ALN), liderada pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), que em 1935 tenta um movimento insurrecional reprimido por Vargas e serve de pretexto para o desenvolvimento de uma política repressiva que culmina no golpe militar de 1937 e a criação do Estado Novo.
O golpe de 1937
Com a desculpa de desmantelar uma nova “ameaça comunista”, o governo lança o Plano Cohen e, há um ano das novas eleições, apoiado pelos militares, Vargas deu um golpe. Anula a Constituição de 1934 e impõe uma nova, inspirada na República del Lavoro de Mussolini. Esta nova Constituição confere-lhe as atribuições dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e permite-lhe governar por decreto, inaugurando o que ficou conhecido como Estado Novo.
Diante do início da Segunda Guerra Mundial, declarou-se neutralista pela primeira vez e, em 1942, acompanhando um acordo com os Estados Unidos que lhe permitiu constituir a primeira grande siderúrgica do país – em Volta Redonda -, declarou guerra às potências do Eixo. Os Estados Unidos puderam instalar bases militares na região de Natal para fornecer suprimentos às frentes africanas. O Brasil acaba enviando tropas para lutar na Europa.
Finalmente, em 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi derrubado por um golpe militar inspirado pelos Estados Unidos. O golpe ocorreu no período em que a ditadura de Vargas iniciava um processo de democratização, convocando novas eleições, com anistia e libertação de presos políticos, autorização de funcionamento de partidos políticos e promessa de convocação de nova Assembleia Constituinte. Os ianques, apesar das concessões de Vargas, precisavam de um governo mais dócil aos seus interesses.
As contradições do Varguismo
Alguns analistas descrevem esse período de Vargas como o de um governo fascista. Para isso, contam com o caráter bonapartista e ditatorial de seu regime, suas relações com a Alemanha (da qual comprou armas em 1938) e seu caráter repressivo; que levou à extradição de Olga Benário para a Alemanha nazista, uma judia comunista e companheira do dirigente Luís Carlos Prestes, que acabou por morrer em um campo de concentração. No mesmo sentido, o primeiro governo de Perón também foi erroneamente descrito como fascista por suas características repressivas.
Na verdade, o fenômeno que Vargas expressou, apesar de suas características repressivas, não foi uma corrente fascista. O fascismo, como Leon Trotsky brilhantemente o descreveu, é um governo da burguesia imperialista, que depende das classes médias das metrópoles para destruir as organizações do movimento operário com métodos de guerra civil.
O governo Getúlio Vargas não só enfrentou o movimento fascista do Brasil, encarnado pela AIB, como desenvolveu uma espécie de nacionalismo econômico burguês, baseado em uma forte intervenção do Estado na economia para fortalecer o processo de industrialização, modernizar e centralizar a estrutura política – administrativa do país. Para desenvolver esta política, muitas vezes teve que enfrentar os interesses de diferentes setores burgueses e oligárquicos locais.
Durante seu governo, foram criados o Conselho Nacional do Petróleo (que em 1951 passou a ser a estatal petrolífera Petrobras), a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Hidrelétrica de São Francisco, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Vale de Rio Doce; entre outros pilares do processo de industrialização do país.
Para enfrentar a forte penetração imperialista e desenvolver este projeto nacionalista burguês, teve que conceder aos trabalhadores importantes concessões trabalhistas como o turno de oito horas, estabilidade empregatícia, descanso semanal, turno noturno e a regulamentação do trabalho de menores e mulheres. Essas políticas serão sustentadas e aprofundadas em seu novo mandato, para o qual é eleito em 1950. No entanto, como todos os governos, mais cedo ou mais tarde ele expressou suas limitações. Se há talvez um fato que revela as fragilidades e contradições desta experiência de nacionalismo burguês para sustentar uma forte política anti-imperialista, é que quando a situação se torna terrível e as pressões do imperialismo se tornam mais fortes, estes governos preferem desistir antes de armar os trabalhadores e os povos para enfrentá-los. Perón optou por entrar na canhoneira e se exilar antes de mobilizar e armar os trabalhadores. Um ano antes, vencido pelas pressões a que foi submetido, Getúlio Vargas optou por acabar com a própria vida com um tiro no coração.
[1] Tenentismo: movimento insurrecional dos tenentes das Forças Armadas brasileiras que em 1922 enfrentou a oligarquia que governava o país e foi finalmente derrubado.