Um vitorioso Congresso Pan-Africano da LIS

As deliberações deste congresso inédito e histórico ocorreram nas instalações de um hotel no centro de Nairóbi, no Quênia, entre os dias 28 e 31 de agosto. A convocação e organização ficou sob a responsabilidade da nossa seção queniana, a Liga Socialista Revolucionária (RSL). Os encaminhamentos dos ricos debates resultaram num Manifesto e em várias resoluções.

Participaram delegações de diferentes regiões da África. Além dos anfitriões quenianos, participaram companheiros e companheiras do Congo, Gana, Guiné, Malaui, Nigéria, Saara Ocidental, Senegal, Suazilândia (Essuatíni), Tanzânia, Togo, Zâmbia e Zimbábue. Infelizmente, os camaradas da África do Sul não conseguiram o visto. Dois companheiros do Brasil estiveram presentes, Suzete e Manuel. Além disso, uma emotiva saudação foi recebida do Haiti. A reunião foi presidida por Ezra Otieno, do Quênia, Imran Kamyana do Paquistão e Alejandro Bodart da Argentina, membros do Comitê Executivo da LIS.

Os debates

O primeiro dia foi dedicado à situação internacional, marcada pelo agravamento da crise do sistema capitalista e pela disputa pela hegemonia imperialista entre os EUA e a China. Sobre as diferenças na esquerda a partir da invasão da Rússia à Ucrânia, reafirmou-se a necessidade de combinar o apoio ao direito à autodeterminação do povo ucraniano com a denúncia da OTAN e seu papel imperialista da Rússia. Destacou-se a necessidade de avançar na construção de uma organização internacional, que propõe a LIS, única forma de enfrentar os desafios de um mundo ainda mais polarizado e onde a luta de classes se aprofunda, como mostra o ascenso anti-imperialista que ganha força em toda a África subsaariana.

No dia seguinte, debateu-se a necessidade de promover o pan-africanismo revolucionário com os ensinamentos científicos do marxismo em oposição ao pan-africanismo reformista, sem delimitação de classe e dirigido por diferentes correntes pequeno-burguesas. A nossa estratégia é por uma África livre, unida e socialista.

Ainda se aprofundou a análise do significado revolucionário dos processos contra o imperialismo francês que abalam a África e que têm sua expressão máxima na derrubada do governo fantoche do imperialismo no Níger. Isso levanta a necessidade de apoiar fortemente as massas, os verdadeiros arquitetos das mudanças que estão ocorrendo, de lutar contra qualquer tipo de intervenção imperialista e, ao mesmo tempo, deixar claro que a nova junta militar não é nosso governo nem tem como programa romper com o capitalismo. No dia seguinte, a derrubada do governo no Gabão confirmou o caráter continental do processo em curso, que já havia sido precedido por golpes de Estado com características semelhantes no Mali e Burkina Faso.

O terceiro dia permitiu avançar na importância de promover e estender ao resto da África a campanha contra a fome que os companheiros quenianos estão construindo e vincula essa campanha à luta pela terra e contra a depredação socioambiental que destrói a subsistência das populações.

Antes das resoluções, se abordou o tema das mulheres africanas e as lutas por seus direitos, assim como a necessidade de incorporar as camaradas dos diferentes países africanos presentes na Comissão Internacional de Mulheres e LGBTQIA+ da LIS, para realizar campanhas de conscientização.

O Congresso aprovou por unanimidade um Manifesto, que publicamos aqui e resoluções que ainda divulgaremos no site da LIS. Com um clima de alegria e confraternização, entoaram-se canções da esquerda revolucionária africana e o hino internacional dos trabalhadores, a Internacional.

Um novo e muito importante passo no reagrupamento dos revolucionários se materializou. Agora se trata de consolidar esse progresso e estendê-lo a mais países do continente.


Manifesto do I Congresso Pan-Africano da LIS

A África é um continente de imensa riqueza e, ao mesmo tempo, concentra os níveis mais extremos de pobreza e desigualdade no mundo. A pilhagem e o genocídio, aplicados pelo capitalismo colonial e imperialista, não se encerrou com a independência formal conquistada no século passado. As corporações multinacionais e um punhado de parceiros capitalistas locais continuam saqueando fortunas e mergulhando os povos do continente na pobreza e na fome. Os governos africanos são cúmplices da pilhagem, são parceiros do imperialismo no roubo dos nossos recursos e mão-de-obra, aplicam as políticas desse roubo e reprimem os nossos povos para os mantê-los oprimidos.

Os Estados imperialistas e seus organismos multinacionais administram nossas economias, promovem golpes, guerras civis, nos invadem e massacram diretamente para sustentarem sua pilhagem. Quando, pressionados por essas políticas, muitos africanos buscam uma saída migrando, nos recebem com racismo, repressão e violência. Milhares de vidas são perdidas tentando alcançar um futuro melhor para nossos filhos.

Muitos países africanos, apesar de terem conquistado a independência formal das potências coloniais em meados do século XX, enfrentaram obstáculos significativos para estabelecer a plena soberania e autodeterminação. A maioria conquistou sua “independência” há algumas décadas, ainda está sob a bota de seus antigos senhores coloniais. No Quênia, na África do Sul, no Zimbábue e outros países, lutas armadas foram travadas com pouco ou nenhum sucesso. A maioria dos Estados africanos negociou sua independência e é por isso que o saque continua.

O neocolonialismo é estruturado pela exploração econômica, pela interferência política e pela hegemonia cultural. As empresas multinacionais, muitas sediadas em países ex-coloniais, têm uma enorme influência sobre as economias africanas, explorando os recursos naturais e criando dependência econômica. Além disso, os países estrangeiros mantêm sua influência política, apoiando ou influenciando líderes e políticas nacionais, determinando o curso do desenvolvimento nacional.

Não há saída possível para essa miséria neocolonial sem enfrentar todo o imperialismo, tanto das velhas potências, como a França, Grã-Bretanha e os EUA, quanto das novas potências, como a Rússia e a China. Devemos nos esforçar para acabar com todos os amos imperiais, não para trocar um pelo outro.

Esta luta anti-imperialista e anticolonial implica lutar em conjunto com os nossos camaradas saharauis pela libertação da última colônia plena em nosso continente, o Saara Ocidental nas mãos de um parceiro do imperialismo europeu: o Reino de Marrocos.

Da mesma forma, nos solidarizamos com o heroico povo do Haiti e repudiamos a atitude cúmplice de alguns governos africanos que se prestam ao jogo do imperialismo ocidental ao oferecerem apoio na intervenção militar.

Estamos com nossos irmãos no Níger contra o imperialismo francês e o defenderemos com todos os métodos as ameaças de invasão dos colonialistas. Ao mesmo tempo, somos enfáticos: o novo governo não é o nosso governo. No Níger, em toda a África e no mundo, não estamos apenas lutando somente contra o imperialismo, mas pela derrota do capitalismo e para que os trabalhadores governem através de conselhos democraticamente eleitos.

O único caminho para a libertação da África é a unidade dos povos africanos, artificialmente repartidos pelo imperialismo capitalista com os parceiros locais burgueses e governos cúmplices. Não estamos aqui unidos pela identidade étnica ou nacional, mas por uma classe social. Os trabalhadores, os camponeses, explorados e oprimidos da África nada têm de relação aos ricos parceiros africanos do imperialismo. Temos mais em comum com os trabalhadores do resto do mundo do que com os opressores. A libertação da África não será alcançada com os parceiros locais do imperialismo: será alcançada com a unidade classista dos povos africanos aos trabalhadores de todo o mundo. É por isso que construímos um movimento anticolonial, anti-imperialista, por um pan-africanismo revolucionário, por uma África socialista unida, por um mundo socialista.

Nosso movimento é classista porque os trabalhadores e trabalhadoras produzem toda a riqueza do mundo, possuem o poder social e a capacidade de parar a produção e reorganizá-la sob seu controle democrático. Buscamos construir o elemento subjetivo da revolução, o sujeito social da revolução, a força social capaz de levar todos os oprimidos do mundo a mudar tudo.

Nosso movimento é internacionalista porque os trabalhadores de todo o mundo têm interesses opostos aos dos inimigos que nos exploram e oprimem. A burguesia tem instituições que defendem seus interesses em todo o mundo, como os vários blocos imperialistas, a ONU, o FMI ou o Banco Mundial. Somente um movimento unificado de trabalhadores em todo o mundo pode enfrentar a burguesia imperialista.

Nosso movimento é anticapitalista porque o capitalismo decadente, em crise, não tem nada a oferecer à humanidade, apenas mais exploração, opressão, fome, guerra e destruição ambiental. Esse sistema, tentando superar sua crise e estagnação, em vão, ataca os direitos dos trabalhadores, os direitos sociais e democráticos, impõe ditaduras sangrentas, faz massacres étnicos, religiosos, intervenções armadas e avança na destruição do planeta para garantir seus lucros. Não há democracia real neste sistema: a única democracia possível vem da mão dos trabalhadores e das suas próprias organizações. É por isso que lutamos pela destruição desse sistema e pela construção do socialismo mundial.

Nosso movimento é revolucionário porque o capitalismo não pode ser reformado, apenas as massas mobilizadas com os trabalhadores à frente e uma direção revolucionária podem derrubá-lo. Por toda parte, as massas utilizam o caminho da rebelião e da revolução. Mas, dramaticamente, são freados por dirigentes e burocracias reformistas. É por isso que a crise histórica da humanidade ainda é a crise de sua direção revolucionária.

Hoje, a tarefa central dos socialistas revolucionários é construir partidos revolucionários e uma internacional com peso de massas para promover a mobilização permanente e derrotar os governos capitalistas, lutando pela destruição da ordem burguesa e pelo estabelecimento de governos operários, do socialismo em todo o mundo.

Defendemos a expropriação de todo o grande capital, seja estrangeiro ou local. Defendemos a distribuição das terras aos que a cultivam e a construção de uma agricultura coletiva com técnicas modernas. Defendemos o direito à autodeterminação de todas as nacionalidades oprimidas. Defendemos o controle democrático dos trabalhadores na produção e no comércio. Defendemos a planificação dos recursos para as necessidades e benefícios de todos, contra os lucros de alguns. Defendemos o emprego digno, a alimentação, saúde, educação e moradia como direitos de todos na sociedade. Defendemos o fim de todas as bases militares imperialistas na África e em outras partes do mundo. Defendemos a igualdade de direitos das mulheres e enfrentamos todo tipo de violência e discriminação. Todo investimento estrangeiro deve estar condicionado à total transparência, com permissão e supervisão de um governo democrático dos trabalhadores. Defendemos a abolição de todos os regimes de vistos e restrições de viagem para as massas trabalhadoras. Defendemos um mundo sem exploração nacional de classe, sem opressão, sem desemprego, nem miséria.

Esta é a nossa tarefa estratégica. Ao contrário de experiências passadas marcadas pelo burocratismo e verticalização, nos unimos aos princípios políticos, ideológicos e de ação com absoluta independência política de qualquer força burguesa. Com flexibilidade tática de se juntar aos processos reais da luta de classes e em um espaço de debate fraterno e ação conjunta. Construímos uma organização internacional para intervenção concreta na luta de classes global, realizando campanhas internacionalistas e colaboração mútua na construção de ferramentas de luta. Com o método de um centralismo democrático saudável para debater e decidir entre todos e agir como um único punho na luta de classes.

Este é o projeto que a Liga Internacional Socialista está construindo, reunindo dezenas de organizações e milhares de militantes nos cinco continentes, para unir os revolucionários do mundo, superando as divisões nacionais, étnicas ou identitárias com o objetivo de dirigir a classe trabalhadora na luta pelo socialismo mundial. A Liga Socialista Revolucionária (RSL) do Quênia incorporou esses princípios e sediou este evento.

Este é o projeto deste congresso que objetiva se expandir na África. Convocamos as organizações e militantes que desejam fazer parte desta nova construção revolucionária na África para enfrentarmos juntos este desafio e lutarmos por um futuro socialista. Trata-se uma oportunidade única de construir e ampliar a LIS no continente africano.

Irmãos e irmãs de classe de toda a África, uni-vos! Não temos nada a perder além de nossos grilhões. Temos um mundo a ganhar!

Africa moja, Africa huru, Africa ya kisosialisti!

África Unida, África Livre, África Socialista!

Nairóbi, 30 de agosto de 2023

Demais Resoluções:

Resolução sobre o Níger

Resolução sobre o Haiti

Resolução sobre as mulheres