Por Oleg VERNIK – Sindicato Independente da Ucrânia (Zakhist Pratsi) e Liga Socialista da Ucrânia
O dia 24 de fevereiro de 2024 marca um aniversário muito triste: há exatamente dois anos, o presidente russo Putin ordenou que suas tropas lançassem a chamada “Operação Militar Especial” e invadissem a Ucrânia. O povo ucraniano enfrenta uma ameaça à sua própria sobrevivência e ao seu desenvolvimento independente. Antes do ataque, Putin afirmou publicamente que não havia um povo ucraniano independente e que a Ucrânia havia sido inventada por Lenin. No entanto, a resistência heroica do povo não permitiu que os planos do ditador russo fossem concretizados. A Ucrânia conseguiu oferecer uma resistência digna ao “segundo exército do mundo” e nossa luta contínua. A resistência continua, em muitos aspectos, não graças ao governo burguês corrupto de Zelensky, mas apesar dele, que recentemente demonstrou claramente todas as faces de sua insanidade.
Zelensky, é hora de plantar maconha!
Em 15 de fevereiro, soube-se que Zelensky assinou uma lei, previamente aprovada pelo parlamento, sobre a legalização da “cannabis medicinal”, mais conhecida no mundo como “maconha”. Cada vez mais, no final do segundo ano de uma difícil guerra defensiva contra o agressor russo, os trabalhadores sentem que o gabinete de Zelensky e seu partido Servo do Povo se encontram em uma visão surreal e até mesmo narcótica do mundo ao seu redor.
Em condições de terrível escassez de equipamentos militares e projéteis na frente de batalha, déficit orçamentário do Estado e total dependência do apoio de parceiros ocidentais, desequilíbrio orçamentário entre os governos central e local, o governo de Zelensky está ocupado com a implementação de seus projetos comerciais de cultivo e comércio de maconha. Na lei mais recente, a maconha é disfarçada de “cannabis medicinal”.
O Estado concederá “licenças” a alguns empresários próximos às autoridades para cultivar cannabis “em escala industrial” e as plantações, de acordo com a nova lei, serão protegidas e monitoradas pela polícia. A criação de mais um projeto empresarial corrupto e de grande escala pela “equipe Zelensky” é cinicamente disfarçada de preocupação com as pessoas que sofrem de câncer e que precisam de cannabis para reduzir a dor. É claro que as pessoas simplesmente não conseguem levar a sério esses argumentos das autoridades, o que, por si só, reforça o quadro surreal do que está acontecendo no “andar de cima” da política ucraniana. Mas o surgimento de uma “Colômbia” no continente europeu, por sua vez, parece um cenário realista e um futuro próximo para as autoridades ucranianas. E se hoje os agricultores poloneses bloqueiam caminhões com grãos ucranianos na fronteira, talvez amanhã eles bloqueiem caravanas de caminhões com “maconha medicinal” ucraniana aos consumidores europeus.
Renúncia do general Zaluzhny, corrupção no país e no exército
Em 8 de fevereiro de 2024, Zelensky demitiu o comandante-chefe das Forças Armadas, Valery Zaluzhny. Já escrevemos anteriormente que o general, popular no país, de acordo com as pesquisas, recentemente ultrapassou significativamente o presidente Zelensky em seus índices de popularidade. Toda a oposição sistêmica na Ucrânia começou a se reunir em torno do general Zaluzhny. As perspectivas políticas da equipe de Zelensky sob a liderança do exército de seu principal oponente, Zaluzhny, tornaram-se muito ilusórias. Os analistas previram a demissão de Zaluzhny. De acordo com as informações disponíveis, alguns dias antes de sua demissão, o presidente Zelensky ligou para Zaluzhny e o convidou a escrever uma declaração de renúncia voluntária, mas ele se recusou. Nessa situação, Zelensky teve que tomar uma decisão extremamente impopular: demitir o general favorito do povo, cujo nome está associado aos sucessos da Ucrânia na defesa contra a agressão imperialista russa.
O general Syrsky, próximo ao gabinete presidencial, foi nomeado o novo comandante-chefe das Forças Armadas. Ainda é muito cedo para tirar conclusões sobre o novo comandante, no entanto, é preciso admitir que algumas de suas primeiras medidas públicas gozam de aprovação tanto entre os militares da linha de frente quanto entre a população. Syrsky entende que a atitude inicial das pessoas o caracterizou como um “homem de frente de Zelensky”. Ele precisava transformar essa atitude com algumas medidas populistas. Uma de suas primeiras medidas foi o início da chamada auditoria no exército. Descobriu-se que cerca de 1 milhão de pessoas foram mobilizadas, mas apenas 300 mil delas participam diretamente das batalhas na frente de batalha e não foram revezadas por 2 anos. Onde se perderam 700 mil pessoas mobilizadas e porque não há revezamento das unidades e formações militares da linha de frente?
É importante observar que essas medidas populistas do general Syrsky, inesperadamente para Zelensky, podem revelar a natureza corrupta da política de organização militar do governo. O exército atualmente é de natureza operária e camponesa. Somente os estratos populares mais pobres estão sujeitos à mobilização, enquanto os representantes da classe burguesa e da elite burocrática encontraram opções para evitá-la. Desde o início da agressão imperialista russa em larga escala, Zelensky fechou as fronteiras para os ucranianos, criando uma espécie de primeiro gueto na Europa por um longo tempo. Entretanto, os representantes da elite, da burocracia e da classe capitalista não têm problemas para cruzar as fronteiras do país. As autoridades criaram esquemas oficiais e semioficiais corruptos, nos quais, disfarçados de “voluntários”, os representantes da elite deixam o território sem nenhum problema. Na verdade, a corrupção e a ausência de mídia independente mantêm essa situação ao longo do tempo.
A ajuda ocidental é cada vez menor
Em janeiro de 2024, ficou claro que a UE não poderia produzir nem fornecer o milhão de projéteis prometidos à Ucrânia. Em janeiro e fevereiro, a artilharia ucraniana começou a usar significativamente menos projéteis na linha de frente, o que imediatamente levou a uma forte deterioração da situação. Outro dia, o exército ucraniano, que heroicamente repeliu os ataques do exército russo, muitas vezes superior, durante meses de guerra, começou a retirar suas forças da cidade de Avdiivka, e uma situação difícil também se desenvolveu em outros setores da frente. Muitos analistas brincam amargamente com o fato de que o imperialismo da UE, com sua economia forte, não conseguiu produzir um milhão de projéteis, enquanto a minúscula Coreia do Norte abastece o exército russo com o mesmo volume sem nenhum problema.
De muitas maneiras, a recente decisão da UE de inserir 50 bilhões de euros em ajuda à Ucrânia acabou sendo uma graça salvadora para o governo Zelensky. O recebimento dessa ajuda se arrastou por quatro anos e, claramente, não é suficiente para estabilizar o orçamento da Ucrânia. Deve-se observar que até mesmo a alocação desses fundos significa uma redução do financiamento orçamentário para a Ucrânia de 1,5 vezes em comparação com o nível de 2023.
Com a ajuda dos EUA, a situação é ainda mais triste. A recente decisão do Senado de alocar assistência militar e financeira para a Ucrânia ainda está sujeita à aprovação da Câmara dos Deputados, onde a maioria pertence ao Partido Republicano. Os Republicanos, liderados pelo ex-presidente Donald Trump, estão sabotando qualquer ajuda à Ucrânia e as perspectivas de aprovação na Câmara dos Deputados são extremamente ambíguas. De qualquer forma, nos últimos três meses, os Estados Unidos não forneceram à Ucrânia uma única bala, um único projétil, um único míssil. Cada vez mais, há conversas em vários níveis nos EUA sobre a possibilidade de um eventual acordo com o imperialismo russo sobre a questão ucraniana com base na conclusão de algum tipo de bloco anti-chinês. Nos EUA, até mesmo o presidente Biden não está mais defendendo a palavra de ordem da libertação de todos os territórios ucranianos ocupados. O conluio dos EUA e do imperialismo russo nas costas da Ucrânia e a resistência estão se tornando cada vez mais possíveis.
Os estudantes se levantam para lutar
As últimas inovações legislativas do partido Servo do Povo de Zelensky tinham como objetivo eliminar as conquistas do movimento sindical dos trabalhadores arrancadas nos últimos anos. Em janeiro e fevereiro de 2024, os ataques antissociais do governo neoliberal atingiram os estudantes. O Ministério da Educação anunciou um plano para reorganizar várias universidades, fundindo-as e consolidando-as, com uma redução significativa no número de alunos. Por muitos anos seguidos, a política do governo burguês tem como objetivo destruir o potencial industrial da Ucrânia, transformando sua economia, outrora diversificada, em uma monodominação do setor agrícola não inovador. Como resultado dessa estratégia, espera-se uma redução acentuada no número de instituições de ensino superior e universidades, o colapso dos centros intelectuais e científicos e uma queda na matrícula de alunos.
Deve-se observar que os estudantes ofereceram uma resistência digna aos planos do governo. O carro-chefe da resistência foram os protestos em massa na Universidade de Tauride, na Universidade Pedagógica Nacional de Kharkov e na Universidade Nacional de Aviação que, de acordo com os planos do Ministério da Educação, estavam entre as primeiras a serem submetidas à reorganização forçada. O sindicato estudantil independente de esquerda, “Ação Direta”, conseguiu se infiltrar ativamente nos protestos estudantis e atualizar a luta dos estudantes contra o projeto de lei do governo nº 10.399 “Sobre emendas a determinadas leis da Ucrânia sobre o financiamento do ensino superior e o fornecimento de apoio estatal específico a seus candidatos”. Ainda temos uma longa luta pela frente, mas já está claro que os estudantes estão acordando e estão prontos para lutar.
Análise marxista da guerra russo-ucraniana mais relevante do que nunca
No segundo aniversário da agressão militar do imperialismo russo contra a Ucrânia, os ataques ao método marxista de análise da guerra se intensificaram. Repetidamente, os defensores tentam distorcer a análise objetiva, substituindo-a por justificativas da agressão imperialista baseadas em alinhamentos geopolíticos do “mal menor” no sistema mundial imperialista.
A análise do caráter dessa guerra deve ser baseada em princípios, não em situações conjunturais ou flutuações no humor da grande mídia. Desde o início da agressão militar russa, a LIS identificou dois processos paralelos: por um lado, a justa defesa da soberania ucraniana e da própria existência do povo ucraniano independente e, por outro, o agravamento das contradições interimperialistas entre as potências da OTAN e os imperialismos emergentes da Rússia e da China. Qualquer separação na análise de um processo do outro, bem como o exagero de um deles, cai num equivoco sobre a situação e a uma orientação incorreta das forças marxistas. Esses processos devem ser analisados sistematicamente, em sua unidade dialética e em suas contradições. Nenhum deles é primário ou secundário, ambos influenciam fundamentalmente a dinâmica do desenvolvimento da situação.
Com base na análise do primeiro processo, é necessário defender a soberania da Ucrânia não imperialista e extremamente dependente (35 milhões de habitantes) em uma situação de agressão imperialista dirigida pela Federação Russa (140 milhões de habitantes) a ponto de infligir uma derrota militar ao agressor. Negar a justa luta do povo pela autodeterminação e pela existência de seu Estado é apoiar conscientemente o imperialismo russo e sua agressão armada.
De acordo com a análise do segundo processo associado ao confronto entre o imperialismo russo e o ocidental, a LIS não apoia nenhum dos imperialismos que estão lutando no território da Ucrânia. É óbvio que o imperialismo dos EUA (e o imperialismo ocidental em geral) tenta usar a situação associada à agressão russa a seu favor, ou seja, para maximizar sua influência política e econômica na Ucrânia e em todo o território da Europa Oriental. Quanto mais a guerra durar e quanto mais tempo a Ucrânia levar para expulsar os ocupantes russos, maior será a dependência do governo Zelensky em relação ao imperialismo ocidental.
O futuro próximo é incerto
Deve-se observar que, às vezes, Zelensky evitava a imposição obrigatória em suas decisões com seus parceiros ocidentais. No entanto, no início de 2024, parece que o grau de dependência é tão grane que ele não tem mais espaço de manobra e deverá ceder ao controle externo total da Ucrânia, pelos EUA e a UE. A renúncia do general Zaluzhny foi provavelmente a última grande decisão independente de Zelensky. Agora estão circulando informações sobre uma decisão já tomada e acordada com os EUA sobre uma mudança no governo da Ucrânia. O nome de uma possível futura primeira-ministra está sendo mencionada cada vez com mais frequência: Oksana Markarova, a atual embaixadora nos EUA, que goza da confiança das autoridades estadunidenses.
Será a situação na linha de frente que influenciará de forma mais séria e radical a situação interna da Ucrânia em um futuro próximo. É altamente improvável que a mobilização de 500 mil novos combatentes mude qualitativamente o equilíbrio atual, que a mobilização em si, possa culminar em um sucesso significativo e que os civis idosos, pouco motivados e mal treinados mobilizados se tornem o fator que pode mudar radicalmente o equilíbrio de forças no campo de batalha. Esse impasse provavelmente poderia ser superado com o fornecimento à Ucrânia de armas modernas de longo alcance e aeronaves militares há muito prometidas. Até o momento, porém, não houve progresso nessa questão.
Assim como há dois anos, a Ucrânia e sua classe trabalhadora estão basicamente sozinhas para repelir o ataque imperialista de Putin. O heroísmo do povo e de seu exército é um fator fundamental para essa resistência duradoura. Mas um fator igualmente importante é a solidariedade proletária internacional com o povo ucraniano em luta. A LIS sempre esteve na vanguarda dessa solidariedade e desse apoio. Temos dois anos de luta árdua atrás de nós. A vitória está à nossa frente! A vitória sobre o inimigo externo e vitória sobre o inimigo interno!