Embora o eixo da agenda política internacional tenha se deslocado para outras regiões do mundo, no nosso caso, enquanto em outros países enfrentamos cotidianamente os governos de ultradireita que surgiram, não esquecemos o complexo panorama vivido na Nicarágua, Cuba e Venezuela.

Por Mariano Rosa

Nesses três países, com governos e regimes que se apresentam ao mundo com uma certa narrativa de esquerda, anti-imperialista e que por vezes até falam em socialismo, a realidade vivida por seus povos está muito distante de ter qualquer relação com a esquerda ou com o socialismo. Para além das particularidades ou diferenças entre os três países, inclusive entre seus governos e regimes, a realidade é que os povos nicaraguense, venezuelano e cubano sofrem não apenas uma situação calamitosa do ponto de vista social e econômico, mas também enfrentam censura, repressão, cárcere, autoritarismo e exílio forçado, como consequência direta da orientação dos governos desses países.

E não se trata, como justificam seus vergonhosos defensores, de medidas de autodefesa frente a elementos e ativismos funcionais à direita imperialista, à ingerência dos Estados Unidos ou de suas variantes. Na realidade, a deriva autoritária e ditatorial desses regimes tem como explicação e propósito preservar privilégios econômicos acumulados sob a proteção do controle monopolista do poder, do desenvolvimento de burguesias emergentes parasitárias do aparato estatal e da necessidade de encobrir com impunidade seus crimes de repressão e perseguição. Por isso, desde uma posição de esquerda crítica, anticapitalista e independente de toda forma de ingerência imperialista — que sempre denunciamos — não podemos fazer outra coisa senão levantar como bandeira a liberdade de todas as pessoas presas políticas, assim como a exigência de liberdades democráticas elementares nos três países.

Não são de esquerda, são algozes de seus povos

Ainda que sempre tenhamos reivindicado os processos revolucionários — com profundidades e alcances distintos — ocorridos nos três países, e sempre desde uma posição independente, hoje a tarefa que somos obrigados a enfrentar como um desafio desde uma posição de esquerda crítica, anti-imperialista, internacionalista e independente é muito nítida: lutar para pôr fim, na Venezuela, na Nicarágua e em Cuba, à situação de censura, perseguição, exílio forçado e crimes cometidos nesses três países. O passado revolucionário da Nicarágua no final dos anos 70 e início dos 80 foi uma ventania de ar fresco para todo o continente sufocado por ditaduras e que, naquele momento, defendemos como uma causa justa daquele povo contra a ditadura de Somoza — interviemos e defendemos esse processo apesar de seus limites. A revolução cubana no final dos anos 50, que atravessou toda a década de 60, inspirou gerações inteiras na luta contra o imperialismo, contra o capitalismo e na transição ao socialismo, sendo também referência e defendemos como causa digna desse povo frente à prepotência imperial, valorizando seus acertos e sem esconder seus problemas ou erros. E, mesmo mais recentemente, os inícios da Revolução Bolivariana, que — para além de seus limites — teve um impulso muito profundo desde abaixo contra a versão neoliberal do capitalismo em nosso continente, nos dão ainda mais autoridade para denunciar o que hoje denunciamos, junto a coletivos de Direitos Humanos, intelectuais críticos, familiares de presos, assassinados e exilados, e toda consciência e ativismo que queira levantar essas bandeiras em defesa dos Direitos Humanos.

Por isso tornamos pública uma convocatória para pôr de pé um movimento internacional em defesa dos direitos humanos, pela liberdade de todas as pessoas presas políticas nos três países e pelo respeito aos direitos democráticos mais elementares de organização, protesto, pensamento e imprensa, tanto na Nicarágua, quanto na Venezuela e em Cuba.

Neste sábado, 31 de maio, desde a Liga Internacional Socialista — mas de forma ampla, unitária, plural e democrática — convocamos todas e todos que queiram ser parte do lançamento desta iniciativa, que está chamada a se transformar em uma campanha de longo alcance, não apenas declarativa, mas ativista, de mobilização, com o propósito não só de visibilizar essa situação, mas de construir, em conjunto com todas e todos os participantes, iniciativas e medidas de solidariedade, com o efeito prático de contribuir para a luta pela própria emancipação dos povos nicaraguense, venezuelano e cubano. E como sempre fazemos, desde uma posição anticapitalista, independente e de enfrentamento a toda potência imperialista ou estrangeira e aos seus planos políticos e econômicos nesses países.

Um precedente exitoso: a Comissão Internacional pela Liberdade e a Vida das Pessoas Presas Políticas na Nicarágua

Esta iniciativa que agora estamos convocando, que abarca uma causa democrática elementar — para além da Nicarágua, também em defesa da Venezuela e de Cuba — é o resultado de uma resolução adotada pela Conferência Regional da América Central e Caribe da Liga Internacional Socialista, realizada em Bogotá no mês de novembro passado. E tem como ponto de referência a iniciativa impulsionada dois anos atrás, em 2022: a chamada Comissão Internacional pela Vida e Liberdade das Pessoas Presas Políticas na Nicarágua. Essa comissão, coordenada pela nossa Liga Internacional Socialista e em articulação com os principais coletivos de exilados, familiares de exilados nicaraguenses na Costa Rica, familiares e amigos das pessoas presas políticas, expatriados e perseguidos — inclusive assassinadas e desaparecidas pelo regime Ortega-Murillo — teve um impacto significativo e repercussão regional naquele momento. E teve um efeito concreto: contribuiu para forçar a libertação de mais de 200 presos políticos alguns meses depois, no início de 2023, por parte do regime sinistro que controla o poder na Nicarágua.

Aquela Comissão também elaborou um Manifesto que recolheu centenas de adesões das mais diversas partes do mundo, levantando uma posição unitária, democrática, anti-imperialista, desde a esquerda crítica frente ao regime. Levou adiante iniciativas de mobilização em consulados e embaixadas, solicitou ao regime para ingressar no país e verificar as condições de vida e saúde das pessoas presas — o que, claro, foi recusado. Mas não parou por aí: viajou à Costa Rica e organizou, junto a um amplo arco de coletivos e forças democráticas, organismos de direitos humanos e forças políticas, a chamada Caravana pela Vida e Liberdade dos presos políticos, que por via terrestre, percorreu os quilômetros que separam a capital San José, na Costa Rica, até o posto de fronteira de Peñas Blancas, com a Nicarágua, desafiando um descomunal operativo policial, militar e parapolicial intimidatório orquestrado pelo regime Ortega-Murillo naquele posto fronteiriço. A repercussão midiática dessa iniciativa, o estímulo à organização unitária e a mobilização de familiares no exílio foram valorizados positivamente por todas e todos os envolvidos. E também deixaram lições importantes sobre como continuar, junto aos testemunhos registrados no chamado Relatório da Comissão Internacional, publicado na época.

Por fim, convocamos organizações de direitos humanos, personalidades do mundo da cultura, intelectuais, agrupações juvenis, sociais, sindicais e políticas que queiram ser parte e se somar a esta nova iniciativa. Em primeiro lugar, com a difusão de um manifesto de convocação, que estaremos divulgando a partir da próxima segunda-feira, após a realização do Fórum deste sábado, 31, e com uma série de iniciativas de mobilização e solidariedade que levaremos adiante para somar forças na construção deste verdadeiro movimento internacional pela liberdade das pessoas presas políticas e contra a repressão na Nicarágua, Venezuela e Cuba.

Não importa onde você esteja — o que importa é querer se ativar e ser parte.

Para se somar, escreva-nos para o seguinte contato: +54 9 11 6815-5615