Por Guillermo Pacagnini

A sentença da Corte em relação a Cristina Kirchner abriu uma importante polêmica na esquerda e, em particular, no interior da FIT Unidad. Partindo do acordo em rejeitar frontalmente a sentença proscritiva da Corte, diferentes políticas se expressaram desde o primeiro momento e ficaram mais explícitas em torno da marcha do PJ realizada na quarta-feira (18/06). A de nosso partido, que, partindo do repúdio à sentença em todos os seus termos, impulsionou uma política independente e alinhada com a estratégia revolucionária. E a do PO e do PTS, que, apesar das idas e vindas, coincidem numa postura oportunista que se subordina à política do peronismo — tendo seu ponto culminante na decisão de marchar em um ato que, como alertamos, e por isso corretamente nos ausentamos, foi uma ação clássica do PJ, sem qualquer conteúdo progressista.

Infelizmente, cometeram um grave erro ao desenvolver uma política e uma orientação que acabaram favorecendo a recomposição do peronismo, impedindo, mais uma vez, que a FIT Unidad adotasse uma posição correta e se colocasse como alternativa diante da crise aberta.

Eleitoralismo no PTS, piruetas no PO

Desde o dia da sentença da Corte, o PTS vem desenvolvendo uma posição e uma orientação através de um filtro eleitoralista. Organiza toda sua política e intervenção apenas com base na crítica à sentença. Desde o início — e praticamente sem mencionar a corrupção estrutural capitalista presente em todos os governos — tentou se colocar como se fosse advogado da causa de CFK. E em nenhum momento impulsionou um programa transicional integral, que não se limitasse a rejeitar a proscrição, mas que articulasse com as demandas e necessidades da classe trabalhadora e popular, e ao mesmo tempo apresentasse uma saída para o problema da corrupção — uma questão fortemente presente entre as massas — e para a justiça de classe. Fazem propaganda da necessidade de uma greve geral, mas centrada apenas no problema da proscrição.

Estiveram presentes na reunião preparatória da marcha do dia 18 convocada pelo PJ, criticaram que a convocação se dava em apoio a Cristina, mas propuseram apenas “uma luta unitária e consequente contra a proscrição”.

O pano de fundo de suas posições está impregnado de gestos eleitoralistas e de esforços para agradar setores próximos ao kirchnerismo. Por isso, dão grande centralidade ao fato de que sua postura “gerou um grande impacto nas redes sociais da esquerda, com novos recordes de alcance, interações e seguidores”. Assim, uma vez que comunicamos o repúdio à sentença com uma delegação conjunta de dirigentes da FITU na sede do PJ, decidiram ir se reunir sozinhos com CFK, sem qualquer outro intercâmbio sobre o assunto dentro da nossa frente. E destacam que foram “ovacionados pela maioria dos manifestantes e que suas declarações posteriores à imprensa tiveram enorme repercussão”. Com a ilusão de conquistar votos em sua base eleitoral, acabam dando fôlego a esse setor político que busca se reorganizar após a grave crise que atravessa — e, com isso, enfraquecem objetivamente a construção da FITU como alternativa.

O PTS já há algum tempo vem aprofundando um curso de adaptação às pressões da institucionalidade parlamentar, girando em torno das necessidades das bancadas que ocupa. Trata-se de um problema delicado, pois há inúmeros exemplos, ao longo da história, de correntes de esquerda que começaram cedendo às pressões parlamentaristas e terminaram adaptadas ao regime burguês.

Concretamente, sua posição diante desse processo os levou a impulsionar e participar do ato do PJ, um dos pilares do regime.

Do silêncio inicial e da crítica ao PTS por sua “solidariedade política com o peronismo” e por concentrar a denúncia “apenas na proscrição”, o Partido Obrero deu uma de suas habituais guinadas e mudou para uma posição oportunista semelhante. (1)

Primeiro, seu dirigente Gabriel Solano escreveu no Twitter:

“Prefiro o MAL MENOR de que uma pessoa que cometeu atos de corrupção possa se candidatar ao MAL MAIOR de se avançar em um regime de perseguição e proscrição nas mãos de forças políticas que cometeram atos de corrupção tão ou mais graves.”

Depois, decidiram participar da marcha do PJ contra “…a sentença proscritiva, exigindo a liberdade de Cristina Fernández de Kirchner e o direito de se candidatar”. Apoiando, assim, uma ação do PJ que, além disso, não moveu um dedo para defender o Polo Obrero diante do grave ataque que vem sofrendo como parte da estratégia do governo de criminalizar a organização popular independente e a esquerda..

Um reforço à recomposição do PJ

Sem dúvida, temos debates antigos com essas correntes sobre as táticas de unidade de ação e frente única, que têm oscilado entre o sectarismo e o oportunismo — duas faces da mesma moeda — diante de diferentes ações convocadas pelo peronismo e/ou pela burocracia sindical.

Elas deixam de lado as três recomendações básicas de Trotsky: que o programa seja correto, que fortaleça o movimento de massas e que se garanta a independência política e organizativa do partido revolucionário. (2)

Desde o início consideramos incorreto contribuir com essa marcha cujo programa era claramente de apoio à dirigente do PJ. A única consigna convocatória era “Argentina com Cristina”. Nem sequer exigiam sua liberdade, já que a estratégia se limitava a negociar as condições da detenção. E, embora a marcha tenha sido transferida para a Praça de Maio, seu caráter de apoio político à ex-presidenta e ao PJ não se alterou. Em todos os materiais de divulgação, tanto o PJ quanto suas organizações colaterais e dirigentes sindicais e sociais aliados convocaram, de forma escancarada, em apoio a CFK.

E os fatos foram contundentes. Um ato clássico do PJ, tanto na sua liturgia quanto em seu conteúdo. Muito distante do “novo 17 de outubro” propagandeado por seus organizadores, houve o predomínio absoluto do aparato e um palanque “peronista” por onde desfilaram velhos expoentes do PJ como Aníbal Fernández, Berni, Massa, Kicillof, intendentes e outros dirigentes. Sem a CGT, sem greve e com pouca presença das cúpulas sindicais. Com um único discurso, gravado por CFK, exaltando seus governos e o peronismo, que não mencionou uma só luta em curso, não convocou à resistência nem mesmo contra a decisão da Corte, mas sim à “não violência”. Uma praça sem transbordamento, onde ressoava exclusivamente o “vamos voltar”. A realidade é que esse ato implicou, na conjuntura e apesar de sua crise histórica e estrutural, um fortalecimento do peronismo, que deu um passo importante em sua recuperação, se posicionando como alternativa a Milei e devolvendo a centralidade da cena política a CFK. E, lamentavelmente, um setor da esquerda colaborou e foi funcional ao convocar e participar da marcha, erguendo bandeiras da esquerda, fornecendo munição ao jornalismo e ao próprio peronismo para semear confusão. Enfraquecendo a possibilidade de a Frente de Izquierda se apresentar com uma política independente. É compreensível a decisão da militância do espaço peronista que participou do ato. O que é inadmissível é que parte da esquerda tenha sido funcional à recuperação do PJ.

Mudar o conteúdo?

Sendo tão evidentes os sinais do ato para o qual se marchava, apesar de suas piruetas e análises confusas, ambas as forças terminaram coincidindo em impulsionar essa marcha e essa política equivocada em todos os espaços onde atuam. Fizeram isso recorrendo à velha artimanha de participar da ação em apoio a CFK, mas pretendendo “mudar seu conteúdo” com algumas doses de maquiagem. O PO o fez contrabandeando o programa. O PTS acrescentou o chamado a uma coluna “independente” na qual acabaram coincidindo.

O Partido Obrero justificou seu apoio à marcha dizendo que marchava “por um plano de luta até a greve geral para derrotar Milei e a ofensiva capitalista contra os trabalhadores, pela defesa do salário, dos empregos, das aposentadorias, da saúde e da educação públicas. Com essas bandeiras estaremos presentes…”. Mas nenhum desses pontos estava presente no programa de convocação da marcha. E o próprio PO terminou marchando sob uma grande faixa que criticava apenas a proscrição. E em seu balanço da marcha, o PO retifica seu erro afirmando que “derrotar a proscrição agora é fundamental para enfrentar o ajuste como um todo”. Essa política não é nova. O PO tem uma longa história de adaptação a ações equivocadas, com o utópico argumento de mudar seu conteúdo participando “com suas próprias bandeiras”. (3)

O PTS reconheceu que: “Lamentavelmente, a convocatória definida pelo PJ, ‘Argentina com Cristina’, implica uma adesão política à ex-presidenta… tampouco se anuncia um plano de luta sério.”

Mas, em seguida, chamou a marchar: “O XXº Congresso do PTS resolveu por unanimidade explorar a possibilidade de organizar uma coluna independente contra a proscrição.” (4)

Por fim, PO e PTS coincidiram em marchar à Praça de Maio no ato do PJ, com o formato de “coluna independente”. A Izquierda Socialista, que vinha criticando o caráter da marcha, também deu uma guinada e se somou de última hora. Inacreditavelmente, apesar de dizer que não marchava como partido, se somou às outras forças para impulsionar essa convocatória em Ademys, nos docentes da província de Buenos Aires e em outros espaços onde atua.

Disseram que “deveria ser o início de uma grande luta”, mas não foi. Não havia nenhum conteúdo a disputar ou transformar em um ato integralmente pejotista, e a coluna “independente”, além de ser muito pequena e sem delegações representativas, terminou se diluindo. Isso sim: contribuíram lamentavelmente com suas bandeiras para que diversos meios de comunicação divulgassem que a esquerda fazia parte da movimentação pejotista. Um desserviço à necessidade de fortalecer uma alternativa de independência política.

Consideramos que foi um grave erro — e contrário às necessidades do povo trabalhador — apoiar uma marcha em apoio político a uma ação do PJ, que nem sequer propõe uma luta séria para derrotar o próprio veredito judicial. O próprio Wado de Pedro, figura central da La Cámpora, deixou claro que só “no próximo governo a primeira condição (será): Cristina livre”. Ou Bianco, braço direito de Kicillof, que pede um indulto por parte do “próximo governo”. O próprio Máximo, em um bandeiraço convocado no dia 20, chamou a uma saída eleitoral para… 2027!

As evidências não faltam, mas o PTS e o PO, infelizmente, em vez de fortalecerem a FIT Unidad para que se apresente diante de tamanha crise com uma política independente, optaram por enfraquecer essa possibilidade, contribuindo para a confusão entre os lutadores e dando respaldo a uma marcha convocada, dirigida e funcional ao PJ.
Um parágrafo à parte merece o “Nuevo MAS”, que deu mais um passo em sua decomposição política ao se integrar completamente ao ato, alegando que, ao se transformar em “uma marcha à Praça de Maio… mudou de caráter”. Sem o menor escrúpulo, “Manuela Castañeira foi até o setor atrás das grades na Praça, onde estavam os dirigentes do peronismo…”. E desfilou sorridente junto ao palanque peronista, enquanto se cantava o “vamos voltar”. (5)

Sectarismo e oportunismo: duas faces da mesma moeda

Mais uma vez se demonstra que sectarismo e oportunismo caminham juntos. Ambas as forças da FIT Unidad vinham de ter virado as costas à histórica marcha unificada dos organismos de direitos humanos do 24 de março, uma das ações de massas mais importantes contra Milei, seu ajuste e seu regime autoritário, com uma política divisionista. Com o argumento, completamente dissociado da realidade, de que não se podia marchar em comum porque isso “seria ir atrás do peronismo”. Não apenas se ausentaram dessa mobilização histórica, independente, com um programa correto e claramente contra Milei e a política pejotista, (6) pelo contrário, renunciaram a disputar pela esquerda na crise do PJ e a que a FIT Unidad se apresentasse como alternativa. Partindo do sectarismo, terminaram no oportunismo.

Agora, lamentavelmente, repetem a mesma concepção equivocada, saltando para o oportunismo. Responderam de maneira unilateral, centrando apenas na questão da proscrição e não em propor um plano de lutas e greves que parta das necessidades urgentes da classe trabalhadora, do povo e da juventude. E participaram de uma marcha — desta vez convocada abertamente pelo PJ — em apoio à sua principal figura e funcional à sua estratégia eleitoral. Um erro político importante. Porque quem repudia o veredito da Corte e exige a liberdade de CFK pode fazê-lo sem a menor necessidade de ser funcional às ações a serviço dos objetivos políticos equivocados do PJ, que são claramente distintos dos da esquerda anticapitalista e socialista.

Uma política principista

Desde o MST, propusemos desde o início um sistema de consignas de transição, para responder de forma integral, a partir de uma posição de esquerda revolucionária, às necessidades e preocupações do movimento de massas: à proscrição, mas também ao evidente fenômeno da corrupção presente em todos os governos; a um judiciário e aos velhos partidos cada vez mais questionados. Uma saída para disputar a consciência popular contra as campanhas reacionárias do governo da LLA e contra todas as posições dos partidos burgueses, incluindo o próprio PJ.

  • Partimos do repúdio ao veredito da Corte, por não reconhecermos nenhuma autoridade moral ou política a essa Justiça de dois pesos e duas medidas, a serviço da burguesia e dos governos de turno. Por isso mesmo, questionamos todas as suas consequências, como a proscrição de Cristina Kirchner, em particular. 
  • Também respondemos à evidência da corrupção como um fenômeno estrutural, presente em todos os governos — Cristina, Macri, Milei —, propondo uma investigação que não pode ficar nas mãos dessa Justiça, mas sim ser independente. Nesse sentido, propomos uma Comissão Investigadora Independente, nos moldes de uma CONADEP, para garantir o direito do povo de saber toda a verdade sobre todos os casos de corrupção. Com amplos poderes para investigar todos os governos, sem foro nem impunidade, com capacidade de confiscar bens e encarcerar os corruptos. Uma comissão integrada por representantes de organismos de direitos humanos, de trabalhadores e de movimentos sociais, eleitos democraticamente e não negociados entre os partidos do sistema.
  • Afirmamos que essa medida se insere em um momento de ataque qualitativo aos direitos sociais do povo trabalhador e de um regime autoritário a serviço da imposição dessas medidas — diferentemente do PJ, que considera que só agora, com o veredito contra CFK, Milei começou a atacar os direitos democráticos. E defendemos que é necessária uma greve geral e um plano de luta sério para derrotar Milei, seu plano de ajuste e repressão, respaldado pela Justiça e tolerado tanto pelo PJ quanto pela CGT.
  • Propomos, como parte de uma reforma política de fundo, a eleição de juízes e promotores por voto popular, com mandatos limitados e revogáveis e salários equivalentes aos de um trabalhador do setor público.

Por que não propõem uma Comissão Investigadora Independente?

Lamentavelmente, nem o PO nem o PTS defendem esse programa de transição. Não respondem às preocupações fundamentais do conjunto dos trabalhadores e do povo, cansados de todos os velhos partidos — incluindo o PJ —, que os traíram e deixaram passar fome. Que percebem a corrupção estatal como uma constante, governo após governo, e sobre a qual a esquerda deve apresentar uma saída. É um erro deixar esse terreno livre para a direita. Mas ambos se negaram explicitamente a levantar a proposta de uma Comissão Investigadora Independente. O PTS, minimizando por completo a corrupção estrutural. O PO, rejeitando qualquer política de transição que responda por esquerda a esse grave produto do sistema capitalista, presente em todos os governos. Recusaram a incluí-la quando discutimos a apresentação de um projeto parlamentar — que ambos limitaram exclusivamente ao repúdio à proscrição — e fizeram o mesmo em todos os outros espaços de intervenção nos quais colocamos o tema.

Para nós, este debate é muito importante, pois, diante dessa mudança de cenário, é essencial que a esquerda se apresente e não se coloque no lugar errado, permitindo que o PJ volte a emergir como falsa alternativa à ultradireita.

Desde o MST, junto a outras organizações políticas e sociais, estivemos — na mesma hora do ato peronista — onde era preciso estar: com o Garrahan, cujo corpo de saúde abraçou o hospital como parte de seu plano de luta, e com os aposentados na Praça do Congresso, que resistem e são referência para os que lutam.

Chamamos os companheiros à reflexão e a corrigirem o rumo, para que a Frente de Izquierda Unidad — que até agora, por essas divergências, não conseguiu fazê-lo — possa impulsionar uma proposta independente diante de tamanha crise. E que apresentemos a esquerda como a única saída frente ao modelo capitalista em todas as suas variantes, à corrupção, à repressão e ao ajuste sem fim.


(1)Trotsky, a tática da Frente Única. (1922)

(2)https://prensaobrera.com/politicas/de-que-lado-esta-el-pts

(3) Essa conduta do PO é histórica, desde seus tempos altamiristas. Ficou célebre sua participação na marcha do Papa em 1982, que havia viajado para negociar a paz da rendição nas Malvinas. Também participou da marcha reacionária convocada por Juan Carlos Blumberg em 2004, que exigia mão dura. O último disfarce com o argumento de “mudar o conteúdo” foi na marcha com um programa patronal convocada pela CGT em 2024, contraposta a uma concentração da esquerda e do sindicalismo combativo na Praça de Maio.

(4)https://www.laizquierdadiario.com/Congreso-del-PTS-Resolucion-sobre-la-proscripcion-de-CFK-y-la-marcha-del-miercoles-18

(5)https://izquierdaweb.com/la-situacion-politica-tras-la-gran-movilizacion-a-plaza-de-mayo-contra-la-proscripcion/

(6) O programa convocatório do 24 de março afirmou que Milei e Bullrich têm que sair; exigiu a abertura dos arquivos desde 1974; reivindicou justiça por Julio López, Maldonado, Ferreyra e outros; denunciou o FMI e a dívida; rejeitou o DNU, o RIGI e o extrativismo; exigiu das centrais sindicais greve e um plano de luta; e declarou apoio ao povo palestino. O fantasma do PJ, que agitaram para justificar sua ausência, nunca apareceu. Isso contrasta com a marcha do dia 19, convocada pelo PJ, com um programa de apoio a Cristina e voltado a “se colocar em dia com a Justiça” e aproveitar a situação para um relançamento eleitoral.