Mais de 35 cineastas vinculados à Mubi — plataforma e distribuidora de cinema autoral — assinaram uma carta exigindo que a empresa rompa laços com uma investidora envolvida na indústria militar genocida de Israel. Entre os nomes destacados estão Aki Kaurismäki, Radu Jude, Joshua Oppenheimer e Miguel Gomes.
Por Pedro Pallero
No fim de maio, a Mubi anunciou um investimento de 100 milhões de dólares da Sequoia Capital, empresa do Vale do Silício. Trata-se de uma companhia com estreitas relações com a indústria militar israelense, especialmente por sua participação na Kela, uma startup de tecnologia de defesa criada em julho de 2024 por ex-integrantes de unidades de inteligência israelenses. A Kela desenvolve sistemas de operações de combate baseados em inteligência artificial e tecnologia comercial, em plena ofensiva militar em Gaza.
A arte atravessada pelo genocídio
Há poucos dias soubemos do assassinato de Awdah Hathaleen — conhecido por sua participação no documentário ganhador do Oscar No Other Land — cometido pelo colono israelense Yinon Levi na Cisjordânia.
Ao mesmo tempo, cada vez mais artistas se posicionam firmemente em defesa do povo palestino. Ações como a de Residente, que decidiu não se apresentar em eventos financiados por empresas vinculadas ao genocídio, ou da banda IDLES, que carrega a bandeira da Palestina e usa camisetas com a estampa da melancia por onde passa, são exemplo disso.
No caso do cinema, os cineastas denunciam, na carta, que “o crescimento financeiro da Mubi como empresa está agora explicitamente ligado ao genocídio em Gaza, o que nos implica a todas e todos que trabalhamos com a Mubi”. Os artistas — que lançaram filmes na plataforma ou participaram de projetos distribuídos por ela — consideram incompatível que um espaço dedicado ao cinema autoral colabore com uma empresa “envolvida no assassinato de artistas e cineastas palestinos”.
Por isso, exigem que a Mubi atenda às demandas da rede Film Workers for Palestine, que reúne mais de 9 mil profissionais do setor, e cumpra três medidas centrais:
- Condenar publicamente a Sequoia Capital por “lucrar com o genocídio”;
- Remover o sócio da Sequoia, Andrew Reed, da diretoria da Mubi;
- Implementar uma política ética para futuros investimentos e respeitar as diretrizes do PACBI (Campanha Palestina pelo Boicote Acadêmico e Cultural a Israel).
A arte não pode ser neutra diante de um genocídio transmitido ao vivo. Deve denunciá-lo com sua voz e sua expressão. Por isso celebramos ações como estas que vêm sendo realizadas e chamamos a que ocorra cada vez mais.
A seguir, compartilhamos a carta e as assinaturas:
Estimada equipe diretiva da Mubi:
Escrevemos como cineastas que mantêm uma relação profissional com a Mubi para expressar nossa profunda preocupação com a decisão da empresa de aceitar 100 milhões de dólares de financiamento da Sequoia Capital, uma empresa de capital privado que, desde o fim de 2023, decidiu intensificar seus investimentos em empresas de tecnologia militar israelense com o objetivo de lucrar com o genocídio em Gaza. Em 2024, a Sequoia investiu pesadamente na Kela, uma startup de tecnologia militar fundada por um ex-alto executivo da Palantir Israel e por diversos veteranos da inteligência militar israelense, além de investir na fabricante de drones militares Neros e na empresa de veículos aéreos não tripulados Mach Industries. O crescimento financeiro da Mubi como empresa está agora explicitamente ligado ao genocídio em Gaza, o que nos implica a todas e todos que trabalhamos com a Mubi.
Acreditamos também que o cinema pode ser uma força poderosa. E sabemos que nem sempre podemos controlar como o público reagirá ao nosso trabalho, nem se ele será tocado ou inspirado por ele. Mas podemos, sim, controlar como nosso trabalho reflete nossos valores e compromissos — os quais são completamente ignorados quando nos associamos a uma empresa de capital privado que lucra com o genocídio. Gaza está sendo submetida a assassinatos em massa de civis, incluindo jornalistas, artistas e trabalhadoras e trabalhadores do cinema, além da destruição generalizada de locais e do patrimônio cultural palestino. Não acreditamos que uma plataforma dedicada ao cinema autoral possa genuinamente sustentar uma comunidade global de cinéfilos enquanto se associa a uma empresa que investe na morte de artistas e cineastas palestinos.
Levamos nosso trabalho com cuidado pelas pessoas e comunidades que ele representa e pelos públicos que o recebem, porque como artistas respondemos a algo maior do que o lucro. No entanto, a decisão da Mubi de se associar à Sequoia demonstra uma total falta de responsabilidade com os artistas e com as comunidades que contribuíram para o crescimento da empresa. Acreditamos que é nosso dever ético não causar dano. Esperamos de nossas parcerias, no mínimo, que se recusem a ser cúmplices da violência atroz perpetrada contra o povo palestino.
Pedimos que escutem o chamado da Film Workers for Palestine e tomem medidas que respondam de forma significativa aos artistas e aos públicos que são parte fundamental do sucesso da Mubi.
Atenciosamente,
Aki Kaurismäki
Radu Jude
Jessica Beshir
Joshua Oppenheimer
Robert Greene
Kazik Radwanski
Carson Lund
Michael Basta
Nate Fisher
Blake Williams
Iva Radivojevic
Nina Menkes
Ben Rivers
Bingham Bryant
Kit Zauhar
Ian Edlund
Sarah Friedland
Kathleen Chalfant
Miguel Gomes
Constance Tsang
Truong Minh Quy
Deragh Campbell
Laura Huertas
John Smith
Andrea Luka Zimmerman
Cherien Dabis
Tyler Taormina
Erik Lund
Maureen Fazendeiro
Levan Akin
Courtney Stephens
Eric Baudelaire
Camilo Restrepo
Teddy Williams
Nahuel Perez Biscayart
Jussi Vatanen
Neo Sora
Sofia Bohdanowic




