Por uma resposta antimilitarista que vá além do pacifismo.
“A guerra é uma gigantesca empresa comercial, sobretudo para a indústria bélica. Por isso, as «200 famílias» são as primeiras defensoras do patriotismo e as primeiras provocadoras da guerra. O controle operário sobre a indústria bélica é o primeiro passo contra os fabricantes da guerra.
À consigna dos reformistas «imposto sobre os lucros de guerra», contrapomos a consigna «confisco dos lucros de guerra e expropriação das empresas que trabalham para a guerra». Onde a indústria bélica já está nacionalizada, como na França, a consigna do controle operário conserva todo o seu valor: o proletariado não tem no Estado burguês mais confiança do que poderia ter em um indivíduo. Nem um homem, nem um centavo para o governo burguês!
Não um programa de armamentos, mas um programa de obras de utilidade pública!”.
(Trotsky, 1938, do Programa de Transição)
A corrida armamentista atravessa todos os países imperialistas. A guerra na Ucrânia foi sem dúvida um fator de aceleração dessa corrida. Mas ela tem um alcance planetário enormemente mais amplo que a Ucrânia.
O imperialismo russo já se apoia em uma economia de guerra em toda a regra, investindo no aparato militar 6% do seu próprio PIB. O imperialismo chinês está desenvolvendo suas capacidades militares a níveis inéditos em terra, ar e mar; seu orçamento de defesa já supera os 500 bilhões anuais; sua frota superou a estadunidense.
O imperialismo norte-americano, sob a segunda administração Trump (que alguns gostariam de ver como “pacifista”), promove um novo e massivo investimento em armamentos: junto com a redução de impostos para os capitalistas, o aumento do gasto militar é o principal destino do dinheiro economizado com os cortes sociais na atual lei orçamentária trumpista. Se o Pentágono, ao contrário do Departamento de Estado, já freou várias vezes em relação à ajuda à Ucrânia, é porque os generais norte-americanos querem encher seus arsenais e não esvaziá-los (mesmo quando os arsenais dos EUA já dispõem, para dar uma ideia, de 13.700 mísseis Patriot).
Os imperialismos europeus acabam de realizar um acordo na OTAN para duplicar ou triplicar seus investimentos em armas (até 5% do PIB), já facilitados pelas cláusulas de salvaguarda previstas no novo Pacto de Estabilidade (possibilidade de incrementar em 1,5% o orçamento de defesa).
As pressões de Trump, mas sobretudo a ameaça de um desengajamento estadunidense da frente europeia, empurraram todos os governos imperialistas do Velho Continente além dos antigos limites de gasto. Todos. O governo “de esquerda” do imperialismo espanhol, que os partidos da esquerda europeia exaltam como exemplo, evitou colocar veto no marco da OTAN, assinou o acordo sobre o aumento de 5% dos gastos militares como os demais e já dispôs o aumento no seu orçamento, para além das poses “pacifistas” diante das câmeras.
A verdade é que todos os imperialismos europeus, sem exceção, seguem a rota militarista. Em um marco capitalista internacional no qual a potência militar sempre foi uma das medidas das ambições imperialistas, os governos europeus não podem fazer outra coisa. Só reconstruindo uma potência militar própria podem esperar um lugar na mesa da futura repartição do mundo, sem serem esmagados, como hoje estão, entre EUA, China e Rússia.
Ao mesmo tempo, a união dos imperialismos europeus é atravessada mais que nunca por fortes rivalidades nacionais também no terreno militar.
A Alemanha dispôs um plano de rearmamento sem precedentes no pós-guerra e sem possível comparação na Europa, graças a uma margem de manobra financeira da qual nenhum outro país europeu dispõe. A reivindicação de uma primazia militar alemã na Europa já está sobre a mesa dos equilíbrios continentais. A projeção da Alemanha para o Norte da Europa, como possível escudo protetor – diante da ameaça de um desengajamento trumpista – se apoia nessa base.
A França reage à concorrência alemã duplicando seu orçamento militar no decênio 2017-2027 e selando um pacto com a Grã-Bretanha fundado na comum posse da arma nuclear e na comum presença no Conselho de Segurança da ONU: a oferta franco-britânica de um guarda-chuva nuclear protetor sobre a Europa, controlado por Londres e Paris, é uma réplica às ambições de Berlim. A Grã-Bretanha entra por essa via nas contradições internas da UE aportando sua experimentada trajetória bélica.
O imperialismo italiano participa plenamente do grande jogo. Deu apoio ao imperialismo estadunidense e à sua política no Oriente Médio e na África para capitalizar em seu favor a decomposição da área colonial francesa no Sahel e pediu em troca o reconhecimento estadunidense da primazia italiana no Mediterrâneo. A chegada de Donald Trump complicou a operação, mas não a anulou. O forte incremento do gasto militar na Itália, já desde o anunciado aumento de 4 bilhões na próxima lei orçamentária, é um elemento inescapável. Assim como o é o entendimento com o imperialismo alemão em função abertamente antifrancesa.
A indústria bélica tricolor é a primeira beneficiária desse contexto geral. Leonardo, Fincantieri, OTO Melara, Iveco, os grandes capitalistas do armamento veem suas ações subir na Bolsa e seus negócios se expandirem: na construção do caça militar mais potente do mundo em consórcio com a Grã-Bretanha e o Japão, na fabricação de novos tanques em sinergia com a Alemanha, na construção da frota militar dos países do Golfo, na indústria naval militar global. Incluídos os EUA: o ministro de Relações Exteriores italiano mostrou recentemente ao secretário de Estado norte-americano Marco Rubio o melhor das plantas da Fincantieri em Wisconsin e Flórida, e as fábricas da Leonardo na Virgínia, Ohio, Carolina do Norte, Califórnia, Nova York, Alabama e Arizona, como prova do aporte italiano ao aparato militar estadunidense e, portanto, como motivo (esperado) de atenção e consideração em relação à Itália, talvez em matéria de tarifas alfandegárias.
Mas não é só isso. Avançam na Itália projetos de possível reconversão bélica de partes da indústria automobilística e de componentes, em perfeito paralelismo com projetos similares alemães e franceses. O salto no investimento militar, imposto pelo novo marco mundial, é usado como antídoto à estagnação econômica e às pressões recessivas. Um novo tônico para o capitalismo italiano. Naturalmente, como em todo o mundo, às custas de seus assalariados.
Nesse marco geral, emerge com cada vez maior evidência a total impotência das ilusões pacifistas. Mesmo quando são sinceras. Mesmo quando não são apenas a cobertura retórica de alguma nova potência imperialista e de suas “soluções de paz”.
O rumo da política mundial, em uma perspectiva histórica, marcha para a guerra. As guerras imperialistas, desde a invasão russa da Ucrânia até os bombardeios estadunidenses sobre o Irã, marcam como um sismógrafo os tremores que percorrem o planeta. A política criminosa e belicista do Estado sionista, para além de suas especificidades, se coloca em perfeita sintonia com a política de poder que atravessa o mundo e não por acaso conta com o apoio ou a cumplicidade de todas as potências imperialistas, velhas e novas, sem exceção.
A ideia de que qualquer direito de autodeterminação nacional dos povos oprimidos possa confiar-se a fantasmagóricas “conferências de paz” organizadas pela ONU e abençoadas pelo Papa mede unicamente a herança das velhas ilusões fraudulentas sobre a diplomacia imperialista, justamente quando essas ilusões são golpeadas e humilhadas a cada dia pelo novo marco de relações mundiais. A ideia de que a recomendação pacifista a seu próprio governo imperialista possa deter a rota militarista não é menos ilusória. Só a derrubada revolucionária do capitalismo e do imperialismo pode liberar um futuro de paz verdadeira e justa para a humanidade e para cada povo oprimido.
Precisamente por isso, nos países imperialistas, a partir do imperialismo de casa, é importante dotar-se de consignas e reivindicações que tracem uma ponte entre a sincera demanda de paz antimilitarista, a recusa de pagar os gastos da guerra com cortes sociais e a necessária perspectiva anticapitalista.
A reivindicação da expropriação sem indenização e sob controle operário da indústria bélica pode e deve entrar em cada mobilização contra a guerra e contra a economia de guerra, junto à defesa do direito de resistência de cada povo oprimido.
A reivindicação da expropriação da indústria bélica pertence à melhor tradição do movimento operário revolucionário e hoje é de extraordinária atualidade. Ela se concentra, no plano interno, contra o coração das atuais políticas dominantes. Contra a conversão da indústria à produção bélica deve-se planejar a conversão de parte da indústria militar em produção civil. E nenhuma conversão da indústria bélica pode dar-se respeitando os direitos dos trabalhadores sem expropriar seus acionistas – os “fabricantes da guerra” – e sem controle operário. Por todas essas razões, a reivindicação da expropriação da indústria bélica questiona a ordem burguesa da sociedade. Por isso, coloca a necessidade de um governo das trabalhadoras e dos trabalhadores como única alternativa possível.
A quem defende “nossa” indústria bélica, e sobretudo sua propriedade, em nome da defesa da pátria (seja nacional ou da UE) – talvez evocando precisamente os ventos de guerra que sopram no mundo – respondemos com as palavras de Trotsky:
“«Defesa da pátria»? Mas atrás dessa abstração a burguesia esconde a defesa de seus lucros e de seus saques. Estamos dispostos a defender a pátria contra os capitalistas estrangeiros, se colocarmos correntes em nossos próprios capitalistas e impedirmos que ataquem a pátria alheia, se os operários e camponeses se converterem nos verdadeiros donos do país, se as riquezas nacionais passarem das mãos de uma ínfima minoria às mãos do povo, se o exército deixar de ser instrumento dos exploradores e se tornar instrumento dos explorados.
É preciso saber traduzir essas ideias fundamentais em ideias mais particulares e concretas segundo o curso dos acontecimentos e a evolução do ânimo das massas. Além disso, é preciso distinguir rigorosamente entre o pacifismo do diplomata, do professor, do jornalista e o pacifismo do carpinteiro, do diarista ou da lavadeira. No primeiro caso, o pacifismo é uma cobertura do imperialismo. No segundo, é a expressão confusa de uma desconfiança em relação ao imperialismo.
Quando o pequeno camponês ou o operário falam de defesa da pátria, entendem a defesa de sua casa, de sua família e da família alheia contra a invasão inimiga, contra as bombas, contra os gases asfixiantes. O capitalista e seu jornalista, por defesa da pátria, entendem a conquista de colônias e mercados, a extensão mediante o saque da participação “nacional” na renda mundial. O pacifismo e o patriotismo burguês são completamente mentirosos. No pacifismo e até no patriotismo dos oprimidos há elementos que refletem, por um lado, o ódio contra a guerra destrutiva e, por outro, o apego ao que consideram seu bem e que é preciso saber captar para tirar as conclusões revolucionárias necessárias. É preciso saber contrapor de forma antagônica essas duas formas de pacifismo e de patriotismo.”
(Trotsky, 1938, Programa de Transição)
Exatamente. Grande parte da esquerda faz, frequentemente, paradoxalmente, o oposto: adapta-se ao pacifismo burguês (do seu próprio imperialismo ou do imperialismo alheio) e se nega a traduzir em termos revolucionários o pacifismo operário e popular.
Reivindicar a expropriação da indústria bélica é uma maneira de traduzir e atualizar a lição do velho chefe do Exército Vermelho, no marco mais geral da política revolucionária.
Partido Comunista dos Trabalhadores (Italia)




