Por Alberto Giovanelli
OS NOVOS DESAFIOS DO BICENTENÁRIO
Pedro Castillo tomou posse como Presidente da República em 28 de julho, acompanhado por quase todos os presidentes da América Latina e até mesmo pelo Rei da Espanha.
Após inúmeros atrasos desde sua vitória no segundo turno das eleições, o novo presidente finalmente tomou posse em meio a comemorações do bicentenário da Independência do Peru e a uma crise sanitária, econômica e institucional que atormentou o país desde o primeiro trimestre de 2017, aprofundada com a pandemia da COVID-19 como já detalhamos em artigos anteriores.
Castillo, que ganhou as eleições por pouco mais de 44 mil votos, teve que esperar mais de um mês para ser oficialmente proclamado o próximo presidente do Peru após sua rival, Keiko Fujimori, o acusar de fraude eleitoral e o desafiar no tribunal.
Castillo enfrentará logo de imediato dificuldades em questões institucionais, saúde e econômicas. Terá que lidar com uma clara maioria de oposição no Congresso, que provavelmente ameaçará obstruir sua administração, extorquir dinheiro e buscar razões para sua vacância (saída).
Nas últimas semanas, Castillo tem tentado acalmar as águas e tranquilizar os tradicionais setores do poder que sempre governaram o país em meio a um clima de incerteza sobre a direção que a economia peruana tomará sob seu mandato.
Entre estes anúncios “tranquilizadores”, dois se destacam: primeiro, a nomeação de Pedro Francke como Ministro de Economia, um homem que goza de “respeito e apreço” no mundo dos negócios; segundo, o pedido a Julio Velaverde, presidente do conselho do Banco Central, em permanecer no comando da instituição, como nos últimos 15 anos, a fim de “garantir sua independência”.
Neste contexto, o Presidente Pedro Castillo inicia seu mandato em meio a controvérsias e desacordos dentro e fora de seu movimento político e diante de um Congresso fragmentado e dominado pela oposição. Castillo já foi criticado pela composição de seu gabinete, especialmente pela nomeação de Guido Bellido, membro do partido Peru Libre, como chefe de ministérios. Esta nomeação atrasou a posse de Frencke, por exemplo, o que já reflete as tensões internas com as quais o novo governo terá de se confrontar.
Ambas as situações podem dificultar suas principais promessas de campanha, começando com a que está no topo de sua lista de trabalho: a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Em um país onde 3 em cada 10 pessoas vivem na pobreza e mais de 70% dos trabalhadores pertencem ao mercado informal, as mudanças esperadas não podem ser adiadas sem que o novo governo enfrente rapidamente as mobilizações populares que exigirão o cumprimento das promessas de campanha. É por isso que é muito importante ratificar a convocação de uma Assembleia Constituinte, que Castillo fez durante seu primeiro discurso, e tentar acabar de uma vez por todas com a Constituição Fujimori de 1993, essa mordaça institucional que funciona como garantia de que todas as mudanças possíveis serão apenas cosméticas e nenhuma será fundamental, como exige a situação dos trabalhadores do campo e da cidade.
Contraditoriamente, a expressão “nova economia popular de mercado”, à qual Frencke fez numerosas referências, parece ser uma forma de tranquilizar os setores do poder concentrado e do imperialismo, e poderíamos defini-la como uma mistura das experiências dos governos de Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia, mas em uma situação mundial absolutamente diferente daquela existente quando estes governavam.
Hoje, o esgotamento estrutural do capitalismo em sua expressão global e sua manifestação regional, como temos visto ultimamente nas mobilizações massivas no Chile, Equador, Colômbia, Haiti e no próprio Peru, nas quais o denominador comum é a rejeição de políticas de ajuste, não deixa espaço para aparentes mudanças ou negociações benéficas tanto para as burguesias locais quanto para os povos que procuram sobreviver a esta crise.
Assim, Castillo, que como já dissemos, mantém posições absolutamente retrógradas sobre questões de gênero, aborto e demandas sociais, às quais agora acrescentamos o anúncio de perseguição aos estrangeiros por trás do anúncio vago de “expulsar em 72 horas os criminosos vindos de outros países”, também nos últimos dias apelou para “diálogo e unidade nacional” aos partidos que o enfrentaram durante as eleições, correndo o risco de entrar num beco que inevitavelmente o levará a confrontar sua própria base eleitoral que o elegeu para fazer diferente.
O governo será confrontado com um dilema de ferro: ou contará com a mobilização de sua própria base eleitoral ou cederá aos partidos e personalidades agentes da burguesia e do imperialismo que, como “colaboradores” do novo governo, tentarão neutralizar a vontade de mudança que foi expressa nas ruas e nas urnas.
Desde a Liga Internacional Socialista – LIS, apelamos à unidade para que as demandas daqueles que nunca governaram não sejam interrompidas e incentivamos o surgimento de novas organizações anticapitalistas que imporão nas ruas o rumo inevitável que deverá ser tomado para responder às demandas dos trabalhadores peruanos do campo e da cidade.