Apresentamos esta entrevista feita pela redação do site da LIS com Silvia Letícia, companheira e dirigente da Revolução Socialista e do PSOL. Silvia é vereadora de Belém, uma lutadora de longa data, que por sua defesa incondicional dos direitos dos trabalhadores de sua cidade, cujo prefeito é membro da corrente majoritária do PSOL, sofre perseguições e tentativas de expulsão por parte da liderança majoritária de seu partido. Apelamos à mais ampla solidariedade com Silvia e ao repúdio a este ataque que, se realizado, causaria outro avanço na domesticação do que outrora foi uma ferramenta fundamental na luta para alcançar mudanças fundamentais nos serviços dos trabalhadores e das pessoas pobres.
1. Antes de mais nada, Silvia Letícia, gostaria de expressar nossa solidariedade a você diante dessa injusta perseguição. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória de militância e quais cargos ocupa atualmente em nível sindical e político.
Agradeço imensamente a solidariedade do MST e da LIS. Sou professora na rede pública de ensino de Belém e especialista em Educação no Estado do Pará. Possuo graduação em Pedagogia, mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Atuo como coordenadora do SINTEPP (Sindicato da Educação Pública) e como conselheira municipal da Educação e da alimentação escolar.
Já fui duas vezes da Secretaria Executiva Nacional da CSP Conlutas e presidente do PSOL Belém, partido do qual atualmente faço parte da direção estadual no Pará. Além disso, exerço o cargo de vereadora na cidade de Belém, junto com o Mandato Coletivo de servidores municipais, estamos em nosso primeiro mandato.
2 – Quais são suas denúncias e críticas ao governo municipal de Edmilson Rodrigues e sua frente política com setores da direita em Belém?
O prefeito da cidade, Edmilson Rodrigues, que faz parte da corrente política Primavera Socialista que lidera o PSOL, está à frente do governo municipal com uma Frente Ampla que abrange desde o PSOL até setores da burguesia tradicional, que governa o Estado, e partidos da ultra-direita bolsonarista. Optou por implementar um plano de ajuste fiscal que arrocha os salários dos trabalhadores em prol dos ricos e poderosos. Os funcionários municipais não recebem sequer um salário mínimo (R$ 1.412,00) como vencimento base; os professores e enfermeiros não têm direito ao Piso Salarial Nacional de suas categorias, estabelecido por lei federal.
Recentemente, o prefeito privatizou o serviço de coleta de lixo da cidade por meio de uma parceria público-privada no valor de R$ 1 bilhão de reais, sendo que metade do investimento no setor será custeado pela população por meio de uma taxa de lixo, o que é um absurdo. Além disso, adquiriu ônibus para repassar aos empresários que dominam o setor e alterou a legislação municipal que proibia a demissão de cobradores. Para piorar a situação, isentou as empresas do pagamento de impostos. A prefeitura também emitiu uma licença ambiental para a instalação na cidade de uma empresa de refino de ouro de procedência questionável.
Este é um governo que atende aos interesses dos ricos e poderosos, favorecendo os empresários em detrimento das necessidades da população pobre e trabalhadora.
3 – Já que é tão óbvio que o prefeito está aplicando medidas contra os trabalhadores e os setores populares, por que a corrente majoritária da direção do PSOL quer lhe punir?
A direção do PSOL está me acusando de infidelidade partidária por me posicionar e votar contra os projetos mencionados, e ameaça me punir, inclusive com a minha expulsão do partido, devido ao meu papel na liderança política das mobilizações, greves e paralisações da minha categoria na educação e do funcionalismo municipal contra o governo da Frente Ampla, que desvaloriza os trabalhadores. No entanto, é o próprio prefeito, que está indo contra o programa do PSOL ao atacar os nossos direitos e conquistas como trabalhadores. Nenhuma das medidas adotadas pela prefeitura, que mencionei anteriormente, foi discutida ou deliberada pelo PSOL. Estão tentando me punir por colocar o nosso mandato a serviço dos trabalhadores e contra a gestão municipal. Não daremos nenhum passo atrás.
4. Qual é o cenário político atual do governo de Lula da Silva e do PT, por um lado, e de Bolsonaro, por outro, em relação ao movimento de massa no Brasil?
Passado um ano de seu governo, podemos afirmar que Lula também governa para os ricos e poderosos, favorecendo o sistema financeiro e o agronegócio. O PT e o governo da Frente Ampla, que antes condenavam o Orçamento Secreto (mecanismo de compra de deputados por meio de emendas no orçamento da União para formar base de apoio política no Congresso), seguem o mesmo mecanismo. Podemos afirmar que a Reforma Tributária e a nova Lei de Teto dos Gastos no orçamento apenas aumentaram a carga tributária sobre os pobres, enquanto os ricos continuaram a se beneficiar de desonerações fiscais. O mesmo acontece em relação ao orçamento federal, que é direcionado para o pagamento da dívida pública brasileira (soma da dívida interna com a dívida externa), atualmente ultrapassando os R$ 9 trilhões, enquanto mais de 75% das famílias em todo o país estão endividadas, com 20% delas em completa falência.
Há motivos de sobra para protestar e lutar pelos nossos direitos. Infelizmente, a burocracia da CUT e das centrais sindicais oficiais tem exercido um controle político prejudicial sobre o movimento de massas em nosso país, com as centrais de esquerda paralisadas, focadas em administrar seus próprios interesses sindicais e em campanhas políticas ultrapropagandistas que não conseguem mobilizar efetivamente sua base social. Existem diversas lutas em diferentes categorias, muito fragmentadas, e a falta de um processo unificado contra os projetos do governo é o que faz ainda o governo federal manter parte de seu apoio popular. A qualquer hora isso pode mudar.
Por outro lado, Bolsonaro encontra-se politicamente enfraquecido, apesar de liderar estados-chave como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. No entanto, esses governos estaduais dependem significativamente do orçamento federal, permitindo a Lula neutralizar em certa medida a influência desses governadores. Bolsonaro tentou um golpe de Estado em 8 de janeiro, fato que está sendo investigado pela justiça brasileira, mas até o momento nenhum mentor político do golpe, nem mesmo seus financiadores foram processados ou presos.
5. Diante da recente aliança eleitoral em São Paulo entre Boulos (PSOL) e a ex-senadora Suplicy (PT), qual é a opinião da direção nacional do PSOL e da nossa corrente interna Revolução Socialista?
A direção do PSOL está cometendo um grave equívoco ao aceitar um acordo eleitoral com Marta e o PT, que já governaram a cidade de São Paulo e deixaram um legado de retirada dos direitos dos trabalhadores em prol da poderosa burguesia paulistana. Boulos possui todas as condições políticas e sociais para disputar e vencer as eleições sem precisar se aliar a um setor da classe dominante representada por Marta Suplicy.
Outro erro significativo da direção do PSOL é citar a prefeitura de Belém como exemplo de administração municipal do partido, uma vez que, de acordo com as últimas pesquisas, é rejeitada por 84% da população e considerada a pior gestão de uma capital estadual. Infelizmente, neste momento, a direção do PSOL parece confirmar a máxima de que quanto mais próximo do poder, mais à direita e conciliadoras se tornam as propostas programáticas.
Não se ouve mais Boulos falar sobre a reestatização das empresas privatizadas, a auditoria da enorme dívida municipal com as empresas, o rompimento de contratos e a democratização da administração pública com protagonismo dos movimentos sociais e dos trabalhadores organizados.
Nossa organização política, Revolução Socialista (RS), é contrária a esse acordo político-eleitoral proposto pela direção nacional do PSOL. Propomos uma frente de esquerda política com os movimentos sociais e sindicais, cujo programa inclui a realização de uma auditoria e o não pagamento da dívida da cidade com empresas e fornecedores, o rompimento de contratos prejudiciais à população, a reestatização de todas as empresas públicas privatizadas ou sob parcerias público-privadas, o combate à especulação imobiliária, a regularização de todas as ocupações urbanas, a criação de uma frota municipal de ônibus, a redução da jornada de trabalho sem redução de salários, a realização de concursos públicos para educação, saúde e assistência social, e o congelamento dos preços dos alimentos da cesta básica, entre outras propostas.
Como partido, o PSOL tem a possibilidade e a oportunidade, se vender as eleições de São Paulo, de administrar a cidade mais rica do país. Não pode decepcionar. Caso essa possibilidade se concretize, deve ser um exemplo de democracia e participação popular nas decisões políticas e econômicas, fazendo diferença e promovendo mudanças positivas a favor dos de baixo, do povo pobre e trabalhador. Se ganhar com Marta/PT, governará para os ricos e enfrentará o povo organizado.
6. Diante da tentativa de sanção da direção majoritária, a Revolução Socialista, com o apoio da Liga Internacional Socialista, iniciou uma campanha. Você pode nos contar um pouco sobre isso?
A Liga Internacional Socialista, juntamente com seus partidos e grupos organizados em mais de 30 países nos cinco continentes, faz parte da campanha lançada pela minha corrente, Revolução Socialista, em defesa do meu direito democrático de pensar diferente da orientação da maioria da direção PSOL. É uma campanha em defesa do direito dos trabalhadores e trabalhadoras de terem sua representação política como tribunos do povo pobre e trabalhador no parlamento burguês. A campanha é aberta e democrática, qualquer organização política, liderança sindical e popular, pode participar. Recebemos declarações políticas e vídeos de várias partes do mundo, manifestações que estão sendo enviadas à direção nacional do PSOL, exigindo que não haja punição por pensar de forma diferente. Essa campanha tem sido uma fonte de fortalecimento e apoio para mim, pois sei que não estou sozinha nessa luta. A solidariedade política e internacional é muito importante.