Em 23 de junho, milhões de quenianos se mobilizaram em todo o país contra o Projeto de Lei de Finanças 2024, aprovado no parlamento naquele dia. O governo desencadeou uma repressão brutal, mas não conseguiu reprimir os protestos. Na manhã seguinte, o Presidente William Ruto teve que anunciar a retirada da lei. Mas os protestos continuaram e agora estão exigindo a renúncia do presidente. Entrevistamos um participante dos protestos e membro da Liga Socialista Revolucionária (RSL), seção da LIS no Quênia.
– O que provocou esses protestos?
Foi provocado pela corrupção desenfreada e pela arrogância que esse governo demonstrou ao seu povo. A rejeição do projeto de Lei da Finanças não foi o começo, foi a gota d’água para a raiva reprimida contra a corrupção e a opressão que este e os governos anteriores exerceram contra o povo. O governo exibe extravagâncias grotescas, com carros caros, relógios de 1 milhão de dólares e cintos de US$ 10.000. Ao mesmo tempo, dizem às pessoas que elas precisam apertar o cinto. Foi isso que provocou esses protestos.
William Ruto é o quinto presidente do Quênia, que chegou ao poder em 2022 com o Partido da Aliança Democrática Unida, com maioria parlamentar. Isso torna muito fácil aprovar projetos de lei, porque os parlamentares são basicamente seus fantoches. Votam a favor das leis sem levar em conta a opinião popular que representam. A verdade é que, no momento, estão passando por um momento muito difícil. Quando voltam para seus distritos eleitorais, são espancados nas ruas e suas casas são incendiadas.
Ruto é um lacaio do Ocidente, assim como o presidente anterior, outro déspota, Kenyatta. Na verdade, ele é pior, um agente mais direto do FMI e de sua agenda, e mais abertamente neoliberal. A Lei de Finanças de 2024 foi elaborada em conjunto com o FMI e o Banco Mundial para aumentar todos os impostos pagos pela maioria dos quenianos, a fim de levantar fundos para pagar a dívida externa. Isso foi claramente visto como outra maneira de espremer ainda mais as massas empobrecidas e, ao mesmo tempo, proteger a enorme riqueza de alguns empresários e políticos corruptos, especialmente pelos jovens que dirigem o protesto.
– Como esses protestos foram organizados?
Foram organizados nas redes por jovens em plataformas alternativas e mais seguras. Lá, a convocação para os “sete dias de fúria” foi feita, panfletos e pôsteres foram criados e divulgados, e ações foram organizadas. Nenhum partido ou ONG estava envolvido, embora membros de organizações revolucionárias, como a RSL, tenham desempenhado um papel importante.
– Por que os protestos ainda continuam após Ruto anunciar a retirada do projeto de Lei de Finanças?
O que as pessoas de fora do Quênia deveriam saber é que o presidente é um dos maiores mentirosos patológicos que existem. Há um comunicado à imprensa, que ele fez na tarde de terça-feira, imediatamente após os protestos, no qual ele nos chamou de criminosos e traidores em um tom muito hostil, ameaçando intensificar a repressão com os militares. Esse era o verdadeiro Ruto. No dia seguinte, disse que cedia e que retiraria o projeto de lei. Isso foi para a comunidade internacional, dada a brutalidade que aconteceu na noite anterior. Mas ninguém acredita nele.
É por isso que não se trata mais nem mesmo da Lei de Finanças. É por isso que organizamos uma nova semana de ações, “sete dias de justiça”, para as centenas de mortos, feridos, presos e desaparecidos da semana anterior. Nossa exigência agora é que Ruto renuncie e que os responsáveis pela repressão sejam condenados. É preciso que haja uma transformação total do governo. E o que estamos planejando fazer é uma transformação total do sistema.
– Qual é a perspectiva?
O governo disse que criará um comitê de diálogo nacional. Estão tentando reprimir o protesto e não estão ouvindo as pessoas. É por isso que os protestos continuarão. Estamos pressionando por uma greve geral, além das marchas e outras ações, porque é aí que reside o verdadeiro poder dos trabalhadores.
O resultado é incerto, mas, nesta fase, ganhando ou perdendo, o que já aconteceu é muito importante para o povo do Quênia. Pela primeira vez na história, os jovens se organizaram, não de acordo com linhas tribais, que era a principal forma de organização política no Quênia. Pela primeira vez, é uma reivindicação que uniu as pessoas. Isso pode ajudar no crescimento de organizações como a RSL, porque as pessoas ouvirão as propostas e as ideias que apresentamos para resolver a situação.
Pessoas como o Presidente Ruto não foram eleitas por serem os melhores candidatos, mas porque vêm das maiores tribos e seus aliados também vêm das maiores tribos. Essa nova geração quer responsabilizar seus líderes. E acho que essa mudança cria uma oportunidade para organizações que buscam reunir pessoas com base em ideias. Portanto, mesmo que isso não termine em uma vitória completa, acho que, daqui para frente, organizações como a RSL terão mais facilidade para se organizar. Todos estão falando sobre isso agora.