Que o povo trabalhador não pague a crise!
Por Tamara Madrid
O déficit público na França alcança 5,4% do PIB e a dívida não para de crescer. Passou de 97,9% do PIB em 2019 para 114% em 2025[1]. Nesse contexto, o primeiro-ministro francês alega que o país está “em uma situação de perigo extremo” e convoca a população a fazer um “esforço considerável”, enquanto Macron anuncia o aumento do orçamento de defesa, chegando a dobrá-lo. Esforço e austeridade para a classe trabalhadora, lucros garantidos para os empresários e para a indústria armamentista.
Déficit e orçamento de 2026: “O momento da verdade”?
François Bayrou, primeiro-ministro francês, apresentou em 15 de julho as diretrizes gerais do orçamento de 2026, cujo eixo central, segundo ele, é a redução do déficit público atualmente estimado em 5,4% do PIB e, consequentemente, a contenção urgente do crescimento da dívida. Embora o texto ainda precise ser aprovado pelo Parlamento — com possibilidade de moções de censura — a proposta é reduzir o déficit a 4,6% em 2026, chegando a 2,8% do PIB em 2029. Só em 2026, isso significaria um corte de 43,8 bilhões de euros.
Alegando que, no ritmo atual, a dívida francesa cresce 5 mil euros por segundo devido à necessidade de “empréstimos mensais para pagar pensões e salários do funcionalismo”, Bayrou apresentou um plano brutal e inédito de austeridade, que batizou de “O momento da verdade”, e que exigirá um “esforço considerável”.
Em que consiste esse “esforço”? Em primeiro lugar, um “une année blanche” (“um ano branco”, em português) para as prestações sociais e aposentadorias, ou seja, elas não serão reajustadas pela inflação em 2026 — um congelamento na prática; a criação de uma “prestação social unificada”, o que representa uma ameaça de cortes nos auxílios sociais voltados aos setores mais empobrecidos; que um em cada três funcionários públicos aposentados não será substituído nos próximos anos, além da eliminação de 3 mil cargos públicos; como “não produzimos o suficiente”[2], o primeiro-ministro também propôs a supressão de dois feriados; a reforma do seguro-desemprego é apresentada como forma de “facilitar a contratação e ampliar a oferta de empregos onde for possível” — como se não soubéssemos o que essa formulação realmente significa. Também estão previstas a redução da cobertura da seguridade social para certas doenças crônicas, medicamentos e equipamentos médicos, além do endurecimento do controle sobre atestados médicos, entre outras medidas. Quase nada ou absolutamente nada foi dito sobre o esforço que deveriam fazer os empresários e os detentores de grandes fortunas.
A situação de endividamento e déficit — da qual o próprio governo é responsável desde 2017 — pretende agora ser “resolvida” com um pacote de ajustes que atacam diretamente os serviços públicos. Contrariando o que defende o governo, o OFCE (Observatório Francês de Conjunturas Econômicas)[3] explicou que a ampliação do déficit público francês desde a chegada de Macron à presidência se deve à redução da carga tributária obrigatória, e afirmou que a deterioração das finanças públicas francesas “não é atribuível a um aumento mais acentuado do gasto público (…), mas sim a uma diminuição significativa da arrecadação”: ou seja, não se gasta mais, mas se cobra menos das empresas — e, ainda por cima, elas recebem ajuda. Em 2023, por exemplo, os subsídios públicos às empresas somaram 211 bilhões de euros.
Austeridade para rearmamento
O processo de rearme europeu não é segredo [4]. A orientação belicista do governo se expressa no aumento do orçamento militar; nas campanhas que incentivam a preparação de um kit de sobrevivência para garantir 72h de autonomia nas residências [5]; no “dia da preparação nacional” e no “manual de sobrevivência” que pretendiam enviar a todos os lares da França no verão [6]; e na intensificação da propaganda militar, anunciada por ocasião do desfile do dia 14 de julho.
Em números concretos, o orçamento da defesa passou de 32,2 bilhões de euros em 2017 para 50,5 bilhões em 2025. O plano apresentado em 15 de julho propõe um aumento de 3,5 bilhões de euros em 2026 e outro de 3 bilhões em 2027. Se executado, isso significará que o orçamento militar terá dobrado em 10 anos de macronismo: de 32,2 bilhões em 2017 para 64 bilhões em 2027. No total, as Forças Armadas francesas receberiam 400 bilhões de euros entre 2024 e 2030. Uma brutalidade descomunal, completamente alheia às necessidades populares — e uma ameaça concreta à já instável situação mundial.
Nesse cenário, o argumento de Macron foi o seguinte: “Para sermos livres, é preciso que nos temam; e para que nos temam, é preciso que sejamos poderosos”. Um cadáver político ressuscitado — amplamente rejeitado nas eleições de 2024 — defendendo um programa de governo que não representa a maioria e que serve apenas para manter a “liberdade” de seguir sendo uma potência imperialista que impõe ajustes, saqueia e é cúmplice de um genocídio em curso.
O que cabe à classe trabalhadora?
Diante desse cenário, em que direitos conquistados são cortados ou eliminados e nossa qualidade de vida se deteriora, precisamos refletir sobre qual resposta devemos dar como classe para deter esse plano de ajuste — que nada mais é do que o programa econômico da burguesia imperialista francesa, com Macron e Bayrou à frente.
Há dois cenários possíveis. O primeiro é o desejado pelo governo e pelos patrões: que esse plano seja implementado sem grandes sobressaltos nem resistência popular; e, se houver tensões, que as distintas alas da burocracia sindical — reunidas na intersindical — sejam capazes de conter a indignação popular, canalizando-a em manobras que desgastem a luta e confundam quem a impulsiona (como já fizeram ao trair a última mobilização de massas contra a reforma da previdência). O segundo cenário, mais proveitoso e pelo qual devemos lutar, é nos colocarmos em pé de guerra contra esse plano, pressionando os sindicatos a estarem à altura da luta que é necessária, convocando assembleias de base em todos os setores e empresas, debatendo democraticamente quais ações adotar, propondo uma grande greve geral e um plano de lutas até derrubar todo esse pacote pró-patronal e belicista que destrói o bolso do trabalhador e protege os lucros capitalistas. É por isso que, desde a Liga Internacional Socialista na França, vamos lutar até as últimas consequências, junto às diferentes correntes que integram o NPA – Révolutionnaire, e também buscaremos abrir esse debate com as diversas correntes da extrema esquerda, para levar adiante essa batalha de forma unificada e com o objetivo de construir uma alternativa anticapitalista, socialista e revolucionária frente à barbárie belicista e de fome imposta por este governo e pelos patrões.
1 https://www.economie.gouv.fr/decryptage-5-minutes-pour-comprendre-la-dette-publique
3 Observatoire français des conjonctures économiques (OFCE), en francés. https://www.lemonde.fr/politique/article/2025/07/12/la-baisse-des-prelevements-obligatoires-depuis-2017-responsable-de-la-hausse-du-deficit-public-selon-l-ofce_6620871_823448.html
4 https://lis-isl.org/es/2025/06/cumbre-de-la-otan-la-ue-se-rearma-arrodillandose-ante-trump/
5 https://lis-isl.org/es/2025/04/ue-kit-de-supervivencia-para-quien-y-por-que/




