Compartilhamos este artigo do companheiro Ismael Jalil, advogado e integrante da defesa, junto com María del Carmen Verdú, no processo movido pela DAIA contra Alejandro Bodart.
Não é de surpreender que escondam. Aqueles que se autorreferenciam com uma suposta espiritualidade originada em tempos imemoriais. São usurpadores. Em primeiro lugar, dos semitas em geral, pois não descendem de Sem (filho de Noé), tampouco são originários das bacias dos rios Nilo, Eufrates e Tigre. São oriundos do sudeste da Rússia europeia e se converteram ao judaísmo (religião) alguns séculos depois de surgirem como tribos da Ucrânia, Cazaquistão e Crimeia. Mais tarde, usurparam a condição de judeus e passaram a invocar a religião daqueles filhos de Sem que os assimilaram. E, finalmente, usurparam a Palestina.
Essa referência histórica sobre os khazares que inventaram o sionismo não deve ser confundida. Não é correto analisar o genocídio que o Estado de Israel está perpetrando contra o povo palestino com base na falsa hipótese do antissemitismo. Se o fizermos, cairemos na armadilha armada pelo próprio sionismo, quando encena suas artimanhas para se apresentar como aquilo que não é. O fato de terem usurpado a sagrada condição de judeus lhes conferiu blindagem. Refugiam-se no Holocausto, exploram-no, o que constitui a forma mais repugnante de relativizar uma das maiores afrontas já sofridas pela humanidade.
O antissemitismo é a máscara com a qual tentam reeditar o Holocausto, sem que ninguém possa levantar a voz ou denunciar sua hipocrisia, pois, ao fazê-lo, imediatamente entra em ação a engrenagem de um aparato judicial convenientemente colonizado para persegui-lo sob a aparência de legalidade.
Na Argentina, a sincronização é absoluta. Há uma coincidência geral entre a DAIA (braço executor das políticas e da propaganda sionista), que denuncia; o Poder Judiciário, que aplica prontamente o artigo 3º da Lei 23.592 (contra a discriminação e o racismo); os meios de comunicação hegemônicos, que banalizam a informação; os partidos políticos tradicionais, que consentem com seu silêncio indecente; e, naturalmente, o Poder Executivo, que pavimenta o caminho do sionismo e se orgulha disso.
Por isso ganham especial relevância os processos contra Alejandro Bodart e Vanina Biasi, ambos figuras da esquerda (a única expressão política eleitoral na Argentina que mantém um alinhamento incondicional com a causa palestina e que denuncia explicitamente o sionismo do Estado de Israel como responsável por genocídio, apartheid e racismo).
Como em nenhum outro caso, esses processos refletem a mordaça que querem impor para encobrir os crimes nazistas do ente sionista. E, de quebra, para fazer o mundo acreditar que a história começou em 7 de outubro de 2023.

Mas estão indo mal
Quando Bodart denuncia e repudia o assassinato de Shireen Abu Akleh, jornalista da rede Al Jazeera morta pelas mãos das TZAHAL ou Forças de Defesa de Israel (a parte de defesa leia-se sempre com ironia), estávamos em maio de 2022, mais de um ano antes do 7 de outubro. E ao comparar os sionistas aos nazistas, ele estava retratando uma força de ocupação cuja razão de ser é a morte, o apartheid, o racismo, o supremacismo e a arbitrariedade.
O governo do ente israelense não reconheceu o crime de suas forças até que uma investigação da ONU assim o determinou. O objetivo do ocupante era difundir a ideia de um atentado do Hamas.
O que Bodart fez foi denunciar essa situação e classificar o ente israelense pelo que hoje já ninguém mais duvida: uma força de ocupação que, superando as “qualidades” do exército nazista, é autora do maior genocídio registrado neste século XXI.
A denúncia de Bodart é tão certeira que transcrevemos a seguir o que sustenta o pesquisador e pensador italiano Enzo Traverso em sua imprescindível obra “Gaza diante da História” para demonstrar o que o ente usurpador fez nos últimos vinte dos 77 anos que dura sua ocupação ilegítima:
“Desde a retirada de Israel em 2005, a Faixa de Gaza sofreu ataques constantes do Tzahal, que causaram milhares de mortes: 1.400 em 2008 (contra 13 israelenses), 170 em 2012 e 2.200 em 2014. Em 30 de março de 2018, uma grande manifestação pacífica contra o bloqueio terminou em massacre: 189 mortos e 6.000 feridos. Em 2023, entre 1 de janeiro e 6 de outubro, o Tzahal já havia matado 248 palestinos nos territórios ocupados e detido 5.200. Entre 2008 e 6 de outubro de 2023, o Tzahal matou mais de 6.400 palestinos — destes, mais de 5.000 em Gaza — e feriram 158.440. As vítimas israelenses das ações do Hamas e de outros grupos islâmicos somaram 310 mortos e 6.460 feridos¹.”
Sem prejuízo dessa informação, publicada em 12 de outubro de 2023 (cinco dias após a operação do Hamas), qualquer pessoa que estude a história completa da ocupação sionista saberá que houve 26 massacres perpetrados pelo ente ocupante contra uma população civil indefesa.
Sem contar a enorme quantidade de desaparecidos cujos corpos ainda estão sob os escombros, dados sérios do Ministério da Saúde palestino, respaldados pela ONU, estimam em cerca de 60 mil os mortos causados pelo ente ocupante.
No final de junho, as autoridades sanitárias da Palestina publicaram um documento de 1.227 páginas com a identificação das vítimas. Até 24 de junho de 2025, 31% dos mortos nessa lista eram menores de idade; oito morreram no dia em que nasceram, e quatro no dia seguinte. Um cálculo da respeitada revista científica The Lancet² estima que esses números devem ser triplicados.
É verdade que o conceito de genocídio pertence ao âmbito jurídico e exige extrema precisão ao imputar crime tão hediondo. A Convenção da ONU de 1948 define claramente o termo, tornando inquestionável a acusação contra Netanyahu e seu ministro Galant (a Corte Penal Internacional primeiro alertou sobre o risco de violação da convenção e, no último mês de novembro, emitiu ordem de prisão para ambos).
Mas o que diz a Convenção violada pelo ente israelense? Em seu artigo II, entende-se por genocídio: “Qualquer ato cometido com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal”. A norma ainda descreve os processos genocidas: “1) Matança de membros do grupo; 2) Agressão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; 3) Submissão intencional a condições de existência que levem à sua destruição física, total ou parcial; 4) Impedimento de nascimentos no seio do grupo”.
Como cita Feierstein em sua “Introdução aos estudos sobre genocídio”, as matanças em massa, em sua concepção clássica, buscavam recursos e territórios.
“No entanto, o conceito de genocídio surgiu para distinguir essa modalidade clássica da decisão de organizar uma campanha sistemática para eliminar grupos inteiros de população, com o objetivo de erradicá-los do planeta e/ou usar o terror para disciplinar a sociedade. Essa é a forma moderna.”
O paradoxo, no nosso caso, é que o conceito moderno vem de um jurista polonês de religião judaica, Raphael Lemkin, que em seu livro “O domínio do Eixo na Europa ocupada” acrescenta um elemento crucial à descrição do genocídio.
Ele tem duas partes: a primeira é a destruição da identidade nacional do grupo oprimido (em Gaza, os ataques a universidades, mesquitas, professores, cientistas, artistas, etc., constituem a primeira fase do genocídio); a segunda é a imposição da identidade nacional do opressor, que é o objetivo final do ente ocupante.
Quem pode duvidar que o caso palestino seja um genocídio moderno, conforme o manual?
Algo semelhante ocorre com o processo contra Vanina Biasi. O mesmo modus operandi: declara solidariedade ao povo palestino, repudia e denuncia a atrocidade do ente ocupante, revela a natureza do domínio capitalista que ele representa — e aí a DAIA a denuncia. Desta vez, perante a justiça federal de exceção, a de Comodoro Py, mas sob a mesma acusação: violação ao art. 3 da Lei 23.592 por antissemitismo.
Muitos ingênuos pensaram que, como o caso caiu no Juizado 6 do juiz Rafecas, haveria racionalidade. Erraram feio.
A colonização do Judiciário pela DAIA consiste no recrutamento incondicional de magistrados dispostos a assinar qualquer resolução que implique em proibir o direito à expressão, à opinião e à defesa irrestrita de valores universais como os direitos humanos. A colonização visa blindar o ente usurpador e genocida chamado Estado de Israel.
Eventualmente, a colonização colide com homens e mulheres que dignificam a Justiça, embora geralmente estejam em posições menos influentes. Como os drs. Cruz Casas e Natalia Molina. Não é o mesmo um juiz de primeira instância em foro comum e sua independência, do que aqueles que em muitos casos ocupam lugares de revisão ou decisão em tribunais superiores ou de exceção. A colonização mira todos, mas especialmente esses últimos, que são os que determinam a importância do processo.
O dano institucional causado não parece preocupar o colonizador. O mais grave é que preocupa ainda menos o colonizado.
Por quê fazem isso? Entramos no campo das especulações, pois ninguém vai dizer abertamente o motivo. Alguns ainda têm um pouco de vergonha. Outros talvez estejam convencidos — e essa convicção pode vir da identificação com o ente genocida. Em troca de que seria a próxima pergunta.
O juiz Fiumara, por exemplo, atua como testemunha informal da acusação. Pode ser também ignorância ou preguiça intelectual. A procuradora que se opôs ao arquivamento de Bodart em primeira instância argumentou com a “necessidade de realizar o julgamento oral para saber mais sobre o tema” (palavras da procuradora Scanga na audiência por Zoom, certamente nos autos originais). O fato é o uso da justiça penal para disciplinar.
Empregar um direito penal expansivo, em que sequer se delimita com clareza a conduta delituosa e se permite a inferência da inferência, viola normas constitucionais e, sobretudo, os tratados internacionais que têm status de lei na Nação Argentina.
Ouvimos procuradores e lemos decisões de juízes no caso Bodart afirmando algo assim: “Sustentar, como sustenta Bodart, que a Palestina deve ser livre do rio ao mar é apoiar a eliminação do Estado de Israel e, portanto, desejar o extermínio de sua população”. O que já não causa espanto é a criatividade dos operadores judiciais para justificar uma pena.
O direito de opinião e expressão sobre causas com profundo impacto humano está vedado a dois dirigentes políticos com trajetória irrepreensível, cuja obrigação é denunciar incondicionalmente um genocídio. E mais: dirigentes de um país que conhece bem o que significam as matanças em massa na sua forma moderna.
Diz-se que o Direito Penal deve ser sempre o último recurso. Aquela última razão que se aciona quando todas as alternativas anteriores falharam. Não é o que acontece nesses casos. O processo penal é a única via aberta.
Chama atenção que os juízes argentinos ignorem o precedente Kimel da CIDH, que afirma com clareza que, se a intervenção judicial não é mínima e não atende ao critério de última razão, ela viola os artigos 9 e 13.1 da Convenção de Direitos Humanos.³
Para os juízes argentinos que conduzem esses processos, “os pensamentos são criminosos”. De outro modo, deveriam submeter o direito penal ao constitucional. A violação ao direito de opinião de dois dirigentes políticos é absoluta.
Mas a colonização judicial não é um capricho ou delírio mafioso da DAIA. Tem um objetivo político muito claro, desenhado desde o alto da “governança” sionista.
Um ente genocida precisa de legitimação para evitar cair nas malhas de uma já maltratada justiça internacional. Seus braços cúmplices não podem permitir que se discuta a Palestina em outros termos que não sejam “somos o povo escolhido”. Qualquer traço de racionalidade os coloca em xeque. Porque discutir a Palestina é abrir a disputa anticolonialista.
Imediatamente cairiam as máscaras do sionismo: o antissemitismo fajuto daria lugar a uma discussão que muito provavelmente terminaria em sua condenação.
Trata-se de uma causa do Sul Global, pois a Palestina é a causa dos povos oprimidos — não por uma religião, mas por um inimigo comum, imperial e capitalista.
Discutir a Palestina é expor o genocídio, discutir o supremacismo de quem se proclama “povo escolhido”, o racismo (os palestinos são considerados sub-humanos por autoridades do Estado de Israel; e na Argentina, o vice da DAIA chegou a afirmar que os únicos inocentes na Palestina seriam as crianças menores de 4 anos). Assim, a vida dos palestinos não conta e por isso pode ser descartada.
Discutir a Palestina os desmascara diante dos judeus verdadeiros, que sustentam com dignidade o Nunca Mais do Holocausto — e que não aceitam a desumanização, muito menos que seja feita em seu nome.
Por isso a colonização judicial é indispensável. Trata-se de calar vozes dissidentes. Disciplinar como primeira medida. A colonização judicial é tão importante quanto a mediática.
Mas há algo que ignoram — ou que, se não ignoram, minimizam: as causas de Bodart e Biasi não são causas individuais, são causas coletivas. Até onde pretendem ir com elas? Eles têm limites processuais. As ruas, não.
Há uma mobilização popular crescente. Uma maré palestina se espalhou por todo o país. O que planejam nas sombras dos gabinetes será desmontado pela fúria que transborda nas ruas.
Netanyahu e seus sócios (inclusive o falso profeta argentino), tão propensos a citações bíblicas, deveriam saber o que aguarda os genocidas e seus cúmplices quando ousarem reaparecer:
«Aquele que estiver contaminado com uma doença tão impura deve usar roupas rasgadas, deixar os cabelos despenteados, cobrir a parte inferior do rosto e gritar: “Impuro! Impuro!”».
Acho que é um trecho de Coríntios. Que eles descubram. O nosso é o cessar fogo imediato e o direito a uma Palestina livre, do rio ao mar.
Mendoza, Argentina. Julho de 2025
- https://archive.ph/2023 1012194834/https://ochaopt.org/data/casualties, UN Office for the Coordination of Humanitarian Affairs ↩︎
- https://www.rfi.fr/es/oriente-medio/20250708-franja-de-gaza-el-n%C3%BAmero-de-muertos-superar%C3%ADa-con-creces-las-cifras-oficiales ↩︎
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_177_esp.pdf ↩︎




