Peru: o Palácio do Governo é um castelo com um presidente invisível

Por Sofía Martínez (Peru)

Em 28 de julho de 2021, foi empossado como Presidente da República o professor de escola rural e dirigente sindical, Pedro Castillo Terrones. Num ambiente de questionamento da transparência do processo eleitoral que a direita vinha conduzindo, pedindo que os resultados oficiais fossem ignorados. Castillo fez o juramento com um gabinete incompleto e questionado; depois, em Pampa de la Quinua (Ayacucho), apresentou Guido Bellido como primeiro-ministro. Este último para fortalecer a imagem do Peru Libre, partido que o convidou como candidato à presidência. A princípio, a direita fez uma campanha de medo em cumplicidade com a mídia. O medo de que um regime autoritário fosse imposto à sombra de Vladimir Cerrón, Secretário-Geral do Peru Libre, e de que o Peru se tornasse outra Venezuela. Nada mais errado, o governo de Castillo acabou sendo um governo fraco surgido na improvisação, falta de profissionalismo, inexperiência na gestão pública e total falta de empenho em viabilizar as promessas de campanha.

A direita tem sido muito clara sobre a estratégia de desestabilização que vem operando desde o governo de Pedro Pablo Kuczynski (2016). A vacância presidencial é um argumento de interpretação jurídica que o Congresso peruano vem apresentando, estratégia traçada das entranhas de Fujimori. Para Keiko Fujimori, esta é a terceira derrota eleitoral que ela se recusa a assumir – conseguindo ganhar espaço no parlamento, o que faz de Fujimori a principal força política com maioria parlamentar. A próxima “vítima” da vaga foi Martín Vizcarra (sucessor do PPK) e mais tarde, durante o governo de transição, também usaram a vaga como mecanismo para intimidar o presidente Sagasti. Derrotado o argumento de fraude eleitoral, bem como o da possível “ditadura” de Castillo, a direita continua com seus ataques ao poder com controle que têm sobre a mídia. Os insultos e a desinformação contra o governo continuam. Não existe um mecanismo regulatório possível e, em mais de uma ocasião, vários funcionários públicos do governo Castillo, entre eles a Ministra da Mulher, Anahí Durand, e a Ministra da Cultura, Gisela Ortiz, foram obrigadas a apresentar queixas-crime por difamação.

Outro fenômeno após as eleições foi o surgimento de grupos fascistas de extrema-direita (“La Resistencia”) que organizam o setor mais conservador e retrógrado da sociedade peruana. Passaram de ataques verbais a agressões físicas, interceptação telefônica e violação da privacidade contra pessoas, como o promotor José Domingo Pérez, que investiga diretamente Keiko Fujimori.

Não houve trégua. Nem a chamada “lua de mel” com a direita. A instabilidade política causa obstruções com terríveis consequências, por exemplo, a aquisição de vacinas, a atenção aos problemas sociais urgentes e a atenção como um todo à crise gerada pela pandemia.

Qual tem sido a resposta do governo?

Pedro Castillo não é um presidente que sabe se comunicar, suas poucas aparições através das breves mensagens à nação deixam muito a desejar. Tem, entre seus aliados, o setor progressista liderado por Verónika Mendoza. Juntos pelo Peru assumiu um co-governo com Castillo, disponibilizou suas cinco cadeiras no Congresso e também soube fornecer alguns ministros importantes, como Pedro Francke, no Ministério da Economia. Depois do desastre que a presença de Guido Bellido significou, o progressivismo soube lançar um salva-vidas a Castillo na pessoa da ex-congressista Mirtha Vásquez (Frente Ampla), que encarregou-se de dar uma imagem moderada ao governo, ao assumir a Presidência do Conselho de Ministros.

A Questão de Confiança é um mecanismo constitucional que o Executivo apresenta de forma obrigatória ao Congresso quando solicita a posse do Presidente do Conselho de Ministros e do seu Gabinete. Desde 2021, o Peru passou por dois processos de Questão de Confiança e várias interpelações aos ministros do governo, a última custou a saída do ministro da Educação, Carlos Gallardo.

Longe de mobilizar as pessoas que os levaram à vitória eleitoral, a estratégia do governo (Pedro Castillo e aliados) tem sido criar aparelhos de defesa da democracia e da governabilidade. Com Guido Bellido e Mirtha Vásquez, a resposta tem sido continuar dando concessões a direita, saciando sua sede. Por exemplo, a presença de Óscar Maúrtua no Ministério das Relações Exteriores Exteriores. A via aparatista não podem resolver os problemas, pois não respondem às organizações de base que representam uma verdadeira pressão social. Em vez disso, são reduzidos a atos simbólicos que nem mesmo alcançam a eficácia que o governo precisa.

Como está o Peru Libre?

O Peru Libre chegou ao Congresso com 37 cadeiras, destas, 16 vêm do setor vinculado a Vladimir Cerrón e 19 do setor conhecido como “magistério”. No entanto, após a entrada de Mirtha Vásquez no cargo de premiê e a consolidação da aliança com o progressismo no co-governo, Cerrón tirou os votos parlamentares de que o governo precisava para conseguir à Questão da Confiança. As acusações do cerronismo vem com todos os calibres, desde a denúncia a Castillo por se distanciar do Programa e da Ideologia do Partido até o suposto domínio de “los Caviares”, termo que se refere aos progressivos. Como consequência, acabaram divididos e em desacordo. A bancada do Peru Libre apresentou várias renúncias, a mais importante: a de Guillermo Bermejo, principal quadro político do Peru Libre, e Betsy Chávez, deputada por Tacna e atual Ministra do Trabalho. A corrupção também foi rápida desde o início o governo Castillo, marcado por escândalos. O mais significativo foi a descoberta de 20 mil dólares em um dos banheiros do palácio do governo, o que significou a renúncia de Bruno Pacheco, Secretário-Geral da Presidência. Da mesma forma, as denúncias contra Walter Ayala, ex-Ministro da Defesa, por pressionar ex-Comandantes Cerais do Exército e da Força Aérea do Peru (FAP) a promover irregularmente junto a oficiais. Atualmente, a Procuradoria-Geral da República conduz uma investigação preliminar contra os dois personagens.

O que o governo Castillo tem feito?

O progressismo, desde sua posição centrista a moderada, significa uma das alianças mais importantes em que se sustenta o governo de Pedro Castillo. No entanto, a instabilidade política e a crise de governança não foram resolvidas. As reformas tributárias propostas por Pedro Francke para aumentar a arrecadação de impostos foram rejeitadas pelo Congresso. Além disso, a promessa de uma nova constituição parece mais longe, uma concessão a direita para ter a tão esperada estabilidade.

A decepção popular não tardou a chegar, mas não exatamente por causa das traições que Vladimir Cerrón. Desde o início, não houve intenção ou visão clara de como tornar a promessa de “não haver mais pobres em um país rico” uma realidade. Embora o progressivismo esteja empenhado em alcançar a governabilidade e manter os ministérios e as posições públicas alcançadas como resultado do co-governo, estão se afastando cada vez mais da solução das necessidades autênticas do povo.

A educação também é uma pendência importante para atender, após dois anos de perda de aulas, o retorno ao ensino presencial foi anunciado para março de 2022 em todo o sistema educacional, e as escolas de todo o país começam a se manifestar por não existir orçamento mínimo para implementar os protocolos sanitários exigidos em uma pandemia. Outro conflito social anunciado é a defesa da reforma universitária, com pronunciamentos de várias universidades em todo o país.

A direita é muito clara quanto à agenda para 2022. O cargo da presidência não deixou de ser sua principal estratégia. Um após o outro, continuarão a colocar cada ministro no banco dos réus. Aprofundarão em cada detalhe sem dar atenção a vida ou honra das pessoas, conhecem as fraquezas de Castillo e agora conquistaram o apoio de Cerrón.

Pedro Castillo e seus aliados permanecem não só distantes, mas também de costas ao povo. A nova constituição só será possível com luta e com o povo mobilizado. No Peru, há uma necessidade desafiadora de construir uma alternativa de esquerda, uma alternativa socialista, uma alternativa que não faça concessões, que confronte a direita com determinação. Ainda há muito o que fazer.