Por Imran Kamyana
Mais de um ano desde quando o Estado sionista lançou suas bárbaras operações militares, com ataques aéreos indiscriminados e uma nova série de ações genocidas contra a população palestina em Gaza. Durante todo o período, as potências imperialistas sempre fizeram declarações vazias, pedindo o cessar-fogo e a moderação. Declarações que servem apenas como uma máscara de cumplicidade dos líderes burgueses, que afirmam defender a “democracia” e os “direitos humanos” enquanto, na prática, permitem as atrocidades do Estado sionista. Essa política, repreensível e criminosa, é sustentada pelo apoio inabalável, direta ou indiretamente, para Israel.
Donald Trump, durante sua campanha eleitoral, fez grandes promessas de acabar com as guerras na Ucrânia e em Gaza. Mas, embora seja fácil adotar essa retórica antes de assumir o poder, na realidade, a destruição e o derramamento de sangue atuais na região são uma consequência direta do capitalismo imperialista que figuras como Trump representam e prosseguem. Portanto, alimentar qualquer ilusão sobre o potencial de paz ou reforma nas mãos desses governantes e políticos imperialistas é um exercício fútil. Refletindo sobre isso, é preciso reconhecer que as políticas de Trump durante seu mandato anterior, marcadas pelo apoio inabalável ao Estado sionista, foram fundamentais na crise atual.
O recente cessar-fogo de Israel com o Hezbollah é precário e pode ruir a qualquer momento. Enquanto isso, a guerra civil síria, que havia sido relativamente contida nos últimos anos, voltou a explodir com força total. As facções jihadistas da chamada “oposição síria” assumiram o controle de Aleppo mais uma vez. Esses grupos, que representam a Turquia, a Arábia Saudita, o Catar, as potências europeias e os Estados Unidos, representam uma aliança fragmentada, mas extremamente reacionária. De um lado está o regime corrupto e despótico de Bashar al-Assad, apoiado pelo Irã e pela Rússia; do outro, forças jihadistas selvagens, determinadas a arrastar a sociedade de volta a uma era de barbárie medieval, seguindo os passos do regime Talibã no Afeganistão. O principal objetivo por trás das recentes ações dessas forças de representação parece ser a provocação de um novo conflito que poderia envolver tanto o Irã quanto a Rússia, juntamente com suas forças de representação na região (leia a declaração da LIS sobre a queda de al-Assad).
As guerras implacáveis e a devastação generalizada que destróem o Oriente Médio são resultado inevitável de quase um século de políticas imperialistas ocidentais, que transformaram sistematicamente os vastos recursos minerais e petrolíferos da região de uma fonte potencial de riqueza e prosperidade em uma maldição sem fim para as populações da classe trabalhadora. O artigo a seguir, escrito há algumas semanas em inglês e urdu, aprofunda as contradições imperialistas, a mudança na dinâmica do poder, o equilíbrio de forças, o contexto histórico e as perspectivas futuras que se desenvolvem atualmente no Oriente Médio.
O novo caos no Oriente Médio após os eventos de 7 de outubro de 2023 não mostra sinais de resolução. Ao contrário, com enormes contradições, têm um imenso potencial de escalada, intensificando a destruição e o derramamento de sangue. Netanyahu, o primeiro-ministro da única “democracia” em funcionamento no Oriente Médio, é basicamente um assassino imperialista, um criminoso de guerra reiterativo e um fanático sionista. Como um elefante em um bazar, ele parece determinado a causar danos e devastação a todo momento. Durante os primeiros seis meses de sua recente ofensiva, Israel lançou 70.000 toneladas de explosivos em Gaza, mais do que o bombardeio combinado das principais cidades da Grã-Bretanha e da Alemanha durante toda a Segunda Guerra Mundial. Os horrores nos meses seguintes foram ainda mais bárbaros, reduzindo praticamente toda a Faixa de Gaza a escombros, com a destruição indiscriminada de escolas, hospitais, prédios residenciais e outras infraestruturas essenciais.
No último ano, mais de 43.000 palestinos foram assassinados em ataques aéreos e operações terrestres israelenses, sendo que até mesmo as estimativas mais conservadoras indicam que 90% das vítimas são civis e mais de 60% são crianças, idosos e mulheres. De acordo com a Oxfam, essa é a maior taxa de vítimas entre mulheres e crianças em qualquer conflito da história recente. Além disso, cerca de 150 jornalistas e 225 trabalhadores humanitários foram assassinados até o momento. Além disso, cerca de 100.000 pessoas foram feridas ou ficaram permanentemente incapacitadas. Se levarmos em conta as mortes resultantes de causas indiretas (falta de tratamento médico e desnutrição) pela agressão contínua, a perda de vidas pode aumentar significativamente. De acordo com a revista britânica The Lancet, o número de mortes de palestinos é estimado em 186.000. Se uma taxa semelhante de mortes ocorresse na população dos EUA, isso equivaleria a 28 milhões de vidas perdidas.
Essa carnificina contínua não está ocorrendo apenas à vista dos defensores da “democracia” e dos “direitos humanos” no chamado mundo capitalista civilizado, mas também com sua total bênção, apoio e suporte. O problema não termina aqui. Netanyahu se esforça para transformar a invasão sionista em uma grande guerra regional, ampliando-a o máximo possível. O ataque à embaixada iraniana em Damasco em abril deste ano, o assassinato do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã em julho, as explosões dos equipamentos de comunicação do Hezbollah nas últimas semanas e os ataques aéreos ao Líbano, incluindo a capital Beirute, que resultaram na morte de muitos líderes importantes do Hezbollah, incluindo Hassan Nasrallah, que liderou a organização por três décadas, foram todos passos em direção a uma escalada ainda maior. Como resultado das recentes operações israelenses, o número de mortos no Líbano já ultrapassou 2.000, e cerca de 1 milhão de pessoas foram forçadas a fugir de suas casas. No momento em que este artigo foi escrito, Israel continuava bombardeando o país, inclusive o centro de Beirute, e o número de vítimas continuava aumentando.
Essas ações do Estado sionista, marcadas por extrema apatia, provocação e descaramento, foram tão inesperadas que até mesmo os líderes do Hamas e do Hezbollah que morreram provavelmente não as previram. Em muitos casos, até mesmo os Estados imperialistas ocidentais que apoiam Israel parecem estar em um estado de confusão, surpresa e choque, incluindo elementos significativos do próprio establishment imperialista dos EUA.
A questão, entretanto, é por que Netanyahu e sua gangue estão tão determinados em violar toda a moral, as leis e as normas da ordem mundial imperialista. Para entender esse enigma, é necessário examinar a intensificação das contradições interimperialistas em escala global, a política interna de Israel, a crise e o declínio do imperialismo ocidental, especialmente o dos Estados Unidos. Em um artigo de abril de 2024, abordamos esses aspectos fundamentais e as possibilidades futuras:
“Netanyahu, que não conseguiu esmagar o Hamas, busca transformar a matança e a destruição em Gaza numa guerra aberta com o Irã em toda a região. Ele acredita que um estado de guerra contínuo garantirá sua permanência no poder; caso contrário, corre o risco de enfrentar sérias acusações de corrupção e, possivelmente, ser preso. Além dessa preocupação imediata, as ambições de Israel incluem forçar o imperialismo ocidental, principalmente os EUA, a intervir diretamente na região e fornecer apoio total e aberto contra o Irã. Isso serviria para desviar a atenção do mundo das atrocidades em curso em Gaza e minar o programa nuclear do Irã […]
Uma possível guerra poderia sair do controle e se espalhar não apenas pelo Oriente Médio, mas além, com o risco de uso de armas nucleares e de um ódio generalizado contra os Estados reacionários e opressores da região, resultando em rebeliões em massa. Nesse contexto, todas as potências imperialistas – incluindo os EUA, a Europa, a Rússia e a China – estão alertando Israel sobre novas provocações, temendo um surto de insurreições e o aprofundamento da crise da economia mundial, já instável. Entretanto, esses avisos e apelos não oferecem nenhuma garantia de que Netanyahu recuará”.
A crise do Estado sionista
É verdade que Israel há muito tempo mantém uma política de ataques desproporcional contra qualquer resposta, seja dentro ou fora de suas fronteiras, independentemente do custo humano. Quando vista de uma perspectiva histórica mais ampla, a situação atual surge como um resultado inevitável da crise interna do Estado sionista e das profundas divisões na sociedade israelense em relação à direção política e ideológica da nação.
De um lado, existem setores laicos e liberais da população, principalmente judeus europeus de classe média, que desejam transformar o Estado sionista em uma sociedade democrática e “pluralista”, mesmo com o apartheid e o assassinato de palestinos. Do outro lado estão os setores mais conservadoras, compostos principalmente por novos colonos invasores das terras palestinas, que buscam transformar Israel em um Estado judeu teocrático baseado em antigos ensinamentos religiosos. Esses grupos estão dispostos a fazer qualquer coisa para expandir Israel geograficamente, o que inclui a invasão de territórios vizinhos, o genocídio e a expulsão dos palestinos.
Na última década e meia, a influência desse último grupo teve um crescimento sem precedentes dentro do governo e do aparato de segurança, resultando em um Estado israelense cada vez mais reacionário, opressivo e bárbaro. Essa mudança também deve ser contextualizada no aumento dos movimentos de extrema direita no mundo. Não é exagero descrever a coalizão de Netanyahu – que inclui aliados, funcionários do governo e membros do gabinete, como Daniel Hagari, Ben-Gvir, Yoaf Gallant e Bezalel Smotrich – como um equivalente ao ISIS ou ao Talibã. Essa gangue, que inclui Netanyahu, está determinada em implantar um projeto sionista histórico de forma mais agressiva e remodelar o Estado israelense numa estrutura fascista. Sua política inclui medidas para restringir as liberdades democráticas e limitar os poderes judiciais. Apesar disso, a resistência e a agitação dos partidos de oposição relativamente liberais e dos cidadãos israelenses comuns persistiram, manifestando-se em protestos. Os eventos de 7 de outubro interromperam temporariamente essa dinâmica, pois os sentimentos de patriotismo e defesa da pátria dominaram a população. No entanto, contradições estão sendo revitalizadas em meio a condições econômicas sombrias e incertezas contínuas, evidenciadas por protestos violentos contra Netanyahu após a morte de prisioneiros israelenses detidos pelo Hamas e uma greve geral de 8 horas em 1º de setembro, reprimida pela Suprema Corte. O descontentamento crescente e as contradições sociais podem aprofundar expressões mais violentas no futuro.
A situação da economia israelense também é preocupante. A economia sofreu uma contração de 20% somente nos últimos três meses do ano passado. Apesar de uma recuperação temporária, é provável que a desaceleração econômica persista nas atuais circunstâncias de guerra e incerteza. Em termos de PIB per capita e renda, Israel pode ser considerado um país rico, mas essa prosperidade depende em grande parte da ajuda e dos investimentos das potências ocidentais, principalmente dos Estados Unidos. Historicamente, Israel tem sido o maior beneficiário da ajuda dos EUA, recebendo mais de US$ 300 bilhões desde 1946. Se o apoio indireto for incluído, esse número pode ser significativamente maior. Durante décadas, os EUA forneceram a Israel entre 4 e 5 bilhões de dólares por ano em ajuda militar, usados principalmente em compras de armas e equipamentos militares avançados fabricados nos EUA, subsidiando assim o complexo militar-industrial dos EUA.
No contexto atual, os EUA destinaram um valor recorde de US$ 17,9 bilhões em ajuda militar a Israel desde o início da guerra de Gaza, há um ano. Para um país com uma população de menos de 10 milhões de habitantes, isso representa um apoio financeiro colossal. Entretanto, as condições de uma guerra direta e interminável podem minar até mesmo as economias mais fortes, levando a déficits e dívidas insustentáveis.
Agências como a S&P e a Moody’s rebaixaram a classificação de crédito de Israel após o ataque com mísseis do Irã em 1º de outubro. Além disso, se a guerra atual continuar, o custo financeiro poderá chegar a 10% do PIB de Israel. Nessa situação, muitos capitalistas estão retirando seus investimentos de Israel. Embora seja verdade que o imperialismo estadunidense considere o Estado sionista como um bastião seu – na verdade, uma extensão de si mesmo – no Oriente Médio e provavelmente estaria disposto a socorrê-lo sob qualquer circunstância, o agravamento das condições exigirá um capital cada vez mais substancial. Fornecer esse apoio não será fácil, considerando a atual instabilidade da economia capitalista global.
Outro aspecto da crise que o Estado sionista enfrenta é seu crescente isolamento no cenário mundial. Até mesmo os países imperialistas ocidentais e seus fantoches em regiões menos desenvolvidas – apesar de seu apoio público a Israel ou de seu silêncio diante de seus crimes – parecem estar cada vez mais indignados com a atitude cada vez mais criminosa de Netanyahu. Esse sentimento ficou evidente durante o recente discurso de Netanyahu na Assembleia Geral da ONU, onde discursou para fileiras de cadeiras vazias depois que muitos representantes deixaram o local. Mesmo assim, ele continuou falando bobagens em seu tom “faraônico” característico.
As implicações de uma guerra de grandes proporções no Oriente Médio inevitavelmente teriam sérias repercussões na já tensa economia global. Os preços do petróleo provavelmente disparariam, dando início a um novo ciclo de inflação e instabilidade econômica. O mais grave é que os imperialistas estão enfrentando imensa pressão, ódio e desprezo de suas próprias populações, principalmente dos jovens. As ações do Estado sionista, caracterizadas pelo genocídio dos palestinos e pelo assédio implacável, estão incitando uma indignação generalizada contra a hipocrisia imperialista em todo o mundo, manifestando-se em campanhas internacionais de solidariedade, protestos e ativismo nas mídias sociais. Uma pesquisa da YouGov realizada em cinco países europeus (Itália, Bélgica, Suécia, França e Alemanha) constatou que pelo menos metade da população com direito a voto é a favor da interrupção do fornecimento de armas a Israel, e uma maioria significativa deles são jovens. Um número ainda maior é a favor da imposição de sanções a Israel, refletindo uma mudança substancial na opinião pública mundial. Essas circunstâncias também estão levando muitos jovens judeus de fora de Israel a se afastarem do sionismo, causando um duro golpe na reputação internacional contra Israel.
Apesar da belicosidade e da histeria de guerra, a posição de Netanyahu não é particularmente estável nem mesmo dentro de Israel. Embora sua popularidade possa ter aumentado temporariamente após o assassinato de Hassan Nasrallah, uma pesquisa recente do Canal 12 de Israel indica que, se as eleições fossem realizadas hoje, a coalizão de Netanyahu não conseguiria obter a maioria no parlamento. O saldo da guerra provavelmente enfraquecerá ainda mais a posição de Netanyahu. Para combater esse declínio, ele pode adotar estratégias mais cruéis e imprudentes. No contexto atual, portanto, a única garantia de sobrevivência política de Netanyahu é a continuação da guerra. Toda a gangue de criminosos está descendo uma ladeira íngreme, arriscando-se a uma queda desastrosa se tentar resistir ao seu próprio impulso. Mas essa loucura está fadada à devastação, mesmo que a carreira deles continue. Historicamente, muitos líderes com tendências fascistas ou semifascistas, muitos dos quais podem ser contados entre as figuras populistas e de extrema direita de hoje, compartilham desse absurdo.
O poder de Netanyahu depende do apoio de lunáticos e fanáticos ainda piores do que ele, impossibilitando-o de adotar uma abordagem razoável, o que obviamente dividiria seus aliados. Diante de sérias alegações de fraude e suborno, Netanyahu corre o risco de ir para a cadeia e enfrentar batalhas judiciais assim que deixar o governo. Entretanto, além dessas preocupações imediatas, pode ter ambições de se elevar ao status de “marechal de campo” ou até mesmo de governante vitalício por meio de uma vitória militar, não importa o custo. Seus planos incluem a expulsão de toda a população palestina de Gaza, com os primeiros passos já em andamento. Mas, os resultados da guerra geralmente divergem significativamente dos desejos subjetivos.
O declínio do imperialismo estadunidense
O declínio histórico do imperialismo dos EUA, com suas profundas divisões no establishment, desempenha um papel crucial na formação do atual cenário geopolítico. Por um lado, há o declínio relativo do poder econômico dos EUA em comparação com a China. A China se tornou o maior parceiro comercial da América Latina, da África e do Oriente Médio (mais de 120 países no total) e está ampliando rapidamente seus investimentos estrangeiros. Esse volume financeiro e influência econômica crescente inevitavelmente aumentam a influência política e diplomática da China, causando sérias preocupações e noites de insônia entre os líderes políticos dos EUA, respondendo com intimidação crescente, agressão militar, guerras comerciais e sanções, principalmente contra a China e a Rússia.
A humilhação direta sofrida pelo imperialismo dos EUA no Iraque e no Afeganistão, juntamente com sua derrota indireta na Síria e sua incapacidade de gerenciar outros conflitos, minaram seriamente sua credibilidade e a confiança de seus estrategistas. Esses reveses contribuem para sua relutância em se envolver diretamente nos principais conflitos do Oriente Médio, pelo menos por enquanto.
Somado a essa questão está a figura de Donald Trump, que, apesar de ser visto como um outsider, conquistou um apoio substancial entre a população dos EUA e uma influência significativa sobre o Estado e sua política. Seus planos ameaçam minar a ordem internacional liberal construída ao longo de décadas. Assim como em Israel, a situação nos EUA provocou profunda agitação e divisões sociais, deixando a classe dominante e o Estado em permanente desordem.
Além disso, o status do chefe da maior potência econômica e militar do mundo também deve ser levado em consideração. O decrépito que reside na Casa Branca, com sua demência e sua aparência de morto vivo, personifica a decadência da ordem mundial imperialista. No início, houve tentativas de implorar e persuadi-lo a se retirar da corrida presidencial e, ao final, quase foi expulso. Ironicamente, o establishment do Partido Democrata estava inicialmente considerando a possibilidade de Joe Biden concorrer contra Trump.
Leon Trotsky observou certa vez que os indivíduos, mesmo aqueles separados por enormes diferenças de tempo e espaço, tendem a se comportar de forma semelhante em condições comparáveis. Quanto mais severas forem as restrições das circunstâncias, mais limitada será a capacidade de variação do comportamento humano. Nesse sentido, Joe Biden pode ser razoavelmente comparado a Leonid Brezhnev, que simbolizou o declínio do stalinismo na União Soviética e a crescente desconfiança dentro da burocracia stalinista. Piadas políticas sobre a idade, o esquecimento e o estado frágil de Brezhnev eram comuns. Uma delas dizia que, quando ele repreendeu seu redator de discursos por fazer um discurso de 45 minutos em vez dos 15 que ele havia instruído, foi informado de que ele havia recebido três cópias de um discurso de 15 minutos. A situação de Biden não é muito diferente.
Além disso, é possível fazer uma analogia parcial entre o imperialismo dos EUA hoje e os últimos anos da União Soviética, apesar das diferenças marcantes em seus sistemas sociais. Nessas condições, é fácil avaliar a capacidade (ou incapacidade) do Estado norte-americano de formular e implementar políticas coerentes. Há um fluxo constante de declarações contraditórias, confusão e reticências, desde o apoio firme e incondicional a Israel até condenações vagas e ameaças tímidas de cortar o fornecimento de armas. As linhas são traçadas sobre Israel, mas quando as cruza, novas linhas são rapidamente traçadas. As notícias de um possível acordo de cessar-fogo que surgem quase diariamente sugerem que Israel está prestes a embarcar em uma nova onda de violência e provocações. Esse ciclo contínuo de estabelecer e apagar fronteiras persiste há um ano inteiro e, embora a hipocrisia imperialista desempenhe um papel, não pode ser atribuída somente a esta. Dado o estado de espírito de Biden, a eficácia e a autoridade de sua presidência parecem severamente limitadas, se não totalmente ausentes. Seu papel nos últimos meses tem sido, portanto, amplamente simbólico.
Nesse contexto, o clamor da campanha presidencial continua. Em um aviso sinistro, Biden declarou explicitamente que as próximas eleições podem não ser pacíficas. Se Trump enfrentar uma derrota eleitoral, é improvável que ele aceite a derrota facilmente, e uma vitória de Trump não seria menos caótica (leia o artigo sobre a vitória eleitoral de Trump). Consequentemente, essa situação está se configurando como uma grande crise em ambos os aspectos. Como resultado, a influência da burocracia militar-estatal, composta por muitos belicistas e fanáticos ainda mais apaixonados por matança e devastação do que Biden, inevitavelmente aumenta.
Trump está ansioso para explorar o fermento atual. Após o último ataque com mísseis do Irã contra Israel, afirmou:
“O Irã lançou recentemente 181 mísseis balísticos contra Israel. Há muito tempo venho falando sobre a Terceira Guerra Mundial e não quero fazer previsões, porque as previsões sempre se concretizam […] Temos um presidente e uma vice-presidente inexistentes […] Ela estava em um evento de arrecadação de fundos em São Francisco […] Deveríamos estar no comando, mas ninguém sabe o que está acontecendo”.
Independentemente da postura política e do exagero, o comentário de Trump não é totalmente irracional. Pode-se imaginar que ele também estaria refletindo sobre “o que está acontecendo” e como responderia se ainda fosse presidente. Indivíduos desse tipo, movidos por sua confiança impetuosa e idiota, geralmente acabam cometendo ações ainda mais destrutivas. Um autoproclamado acadêmico semelhante está atualmente apodrecendo em uma prisão paquistanesa.
No entanto, é essencial entender os fundamentos da política dos EUA no atual contexto do Oriente Médio. Os EUA estão inequivocamente comprometidos em apoiar Israel em qualquer circunstância. Mas, no cenário atual, especialmente com as eleições presidenciais a menos de um mês, os estadunidenses temem permitir que Israel entre em uma grande guerra na região, especialmente uma que envolve um confronto militar direto com o Irã. Esse cenário poderia desencadear uma nova onda de migração em massa, crises econômicas e destruição generalizada, podendo levar ao uso de armas nucleares. Assim como o Paquistão, Israel adere a uma notória doutrina militar que permite o uso de armas nucleares se sua existência for ameaçada.
Além disso, os estrategistas dos EUA não querem que Gaza (ou a Cisjordânia) seja efetivamente eliminada como população palestina por meio da integração forçada a Israel ou de despejos em massa. Certamente não querem que isso ocorra da maneira brutal e cruel pretendida por Netanyahu. Qualquer ação desse tipo não apenas relega a hipocrisia da solução de dois estados, há muito debatida, aos anais da história, mas também inflamaria a raiva já existente entre as populações árabes, podendo levar a revoltas em massa, golpes e instabilidade política incontrolável. Nesse aspecto, a China, as potências europeias e a maioria dos países árabes parecem se alinhar aos interesses dos EUA. É por isso que, após cada provocação, há apelos de várias partes para “máxima contenção”. Entretanto, os desejos e as ambições sauditas podem divergir desse consenso.
O dilema surge porque Netanyahu não está disposto a ficar dentro dos limites estabelecidos pelos americanos, enquanto estes parecem obrigados a se submeter à sua obstinação. Essa dinâmica torna cada vez mais difícil para o imperialismo norte-americano encontrar um equilíbrio entre o apoio a Israel e a contenção de Netanyahu. No último ano, o papel dos EUA mudou de participante ativo para espectador semipassivo. Em vez de forçar Netanyahu a aderir às suas diretrizes, se viram seguindo suas diretrizes. É improvável que essa trajetória promova a paz e a estabilidade. Em circunstâncias extremas, Netanyahu poderia enfrentar a eliminação política ou até mesmo física, mas esse curso de ação estaria repleto de riscos e dificuldades extremas.
O dilema do regime iraniano
No último ano, Israel procurou ativamente provocar o Irã, expandindo suas operações militares contra o Hamas com o objetivo de incluir aliados iranianos na região, como os Houthis e o Hezbollah. Israel parece estar tentando arrastar o Irã para um conflito mais amplo que poderia causar danos significativos. Por outro lado, o Irã está igualmente determinado a evitar uma guerra com Israel por vários motivos.
Assim como Israel e os EUA, o Estado iraniano está enfrentando uma profunda crise interna. O crescente descontentamento entre os jovens, alimentado pela corrupção desenfreada do clero no poder, políticas religiosas opressivas, dificuldades econômicas e um ambiente político sufocante, enfraqueceu o regime teocrático. Pelo menos dez grandes movimentos de protesto surgiram no Irã nos últimos 15 anos, com uma série de demandas (falta de liberdades democráticas e civis, discriminação de gênero, aumento de preços, desemprego, baixos salários, etc.) com demandas e palavras de ordem que se estendem a pedidos de derrubada do Estado existente. Em quase todos os casos, esses movimentos foram brutalmente reprimidos pela máquina extremamente opressiva do regime.
Entrar em uma guerra com Israel prejudicaria ainda mais a já frágil economia do Irã, afetada por sanções. O governo iraniano teria que aumentar significativamente seus gastos militares e os de seus representantes, o que, combinado com a possível perda de vidas e de infraestrutura, poderia intensificar a crise interna e provocar novas revoltas.
A estratégia do Irã tem sido tradicionalmente travar um conflito indireto, ambíguo, de baixa intensidade e prolongado com Israel por meio de seus representantes, com o objetivo de desgastar ou incapacitar o inimigo. A liderança iraniana está totalmente ciente da significativa superioridade econômica, tecnológica e militar de Israel, conforme evidenciado por operações que vão desde a explosão dos dispositivos de comunicação do Hezbollah até o assassinato de figuras como Ismail Haniyeh e Hassan Nasrallah.
Por exemplo, as circunstâncias exatas que envolveram o assassinato de Haniyeh permanecem obscuras para o público em geral. Uma possibilidade é que um míssil tenha sido disparado contra sua residência em Teerã de dentro do Irã. Outra teoria sugere que um dispositivo explosivo foi plantado no apartamento onde ele ficaria semanas ou meses antes. Outra possibilidade é que um drone tenha sido usado para atacá-lo. Independentemente do método, o assassinato de um personagem de tão alto nível causou um constrangimento considerável para o Estado iraniano, destacando as principais falhas em seu aparato de inteligência e a extensa rede de espionagem operada pelo Mossad dentro do Irã.
Uma situação semelhante ocorreu com o assassinato de Hassan Nasrallah, que foi atacado em um bunker subterrâneo durante uma reunião com outros líderes do Hezbollah. O objetivo era infligir o máximo de dano à liderança máxima da organização. O bunker de Nasrallah, localizado a 18 metros de profundidade em um prédio de vários andares, foi atingido por bunker busters estadunidenses com cerca de mil quilos cada, resultando na destruição total de todo o bloco. Essa estratégia israelense, conhecida como Doutrina Dahiya, concentra-se na destruição de áreas residenciais inteiras para pressionar organizações ou governos hostis. Tem sido empregada incessantemente nas últimas duas décadas, atingindo novos extremos durante a recente invasão de Gaza.
Assim como o assassinato de Haniyeh, o ataque contra Nasrallah não teria sido possível sem informações coletadas por espiões israelenses infiltrados no Hezbollah. Esses eventos ilustram a profunda penetração do Mossad em organizações e Estados inimigos e refletem sua disposição de empregar extrema brutalidade. Mesmo antes desses eventos, Israel tem um longo histórico de assassinatos de cientistas nucleares iranianos e de figuras militares importantes, tanto dentro quanto fora do Irã.
Sob essa perspectiva militar, uma guerra com Israel poderia resultar em danos significativos ao Irã. Os caças israelenses, equipados com tecnologia de ponta dos EUA, provavelmente priorizariam ataques às instalações nucleares e à infraestrutura petrolífera iraniana nos estágios iniciais de qualquer conflito. Em contrapartida, a força aérea do Irã é atualmente bastante limitada, praticamente inexistente em comparação com a de Israel. Embora existam rumores de que o Irã possa adquirir modernos caças Sukhoi-35 da Rússia, essa continua sendo uma questão complexa, tanto do ponto de vista político quanto militar. Esse é outro motivo pelo qual o Irã tem feito o possível para evitar um confronto direto com Israel até o momento.
É verdade que, mesmo entre as potências imperialistas mais beligerantes, pode haver algum nível de entendimento e cooperação em que interesses comuns podem ser buscados, apesar das agendas conflitantes e da hostilidade. Essa reconciliação parcial ou temporária entre o Irã, Israel e os EUA ficou evidente em várias ocasiões no passado. Entretanto, as circunstâncias podem se agravar a um ponto em que as alternativas são reduzidas, resultando em confrontos.
Após os eventos de 7 de outubro, Israel intensificou seus esforços de provocar o Irã. Nessas condições, às vezes é inevitável que o Estado iraniano adote contramedidas para salvar a imagem perante sua população, suas forças armadas e seus representantes regionais. No entanto, os ataques com mísseis do Irã contra Israel em 13 de abril e 1º de outubro foram principalmente simbólicos, com a intenção de servir de aviso. Depois de ambos os ataques, o Irã deixou claro que não estava buscando mais confrontos ou escaladas. Entretanto, o ataque de 1º de outubro foi um aviso mais severo em comparação com a operação relativamente “amigável” de 13 de abril, que foi comunicada aos americanos com antecedência e usou mísseis balísticos relativamente leves.
Nesse sentido, é importante avaliar as capacidades militares do Irã. Embora o Irã seja econômica e militarmente inferior a Israel, continua sendo uma grande potência regional com uma infraestrutura industrial básica e um sistema de pesquisa e produção de defesa interna. Isso inclui o desenvolvimento de drones e mísseis avançados, alguns vendidos recentemente para a Rússia. O Irã também possui vastas reservas de petróleo e mantém uma economia de renda média-alta, com um exército quantitativamente grande, mas qualitativamente moderado. Para uma simples comparação econômica, o PIB per capita do Irã é pelo menos três vezes maior que o do Paquistão.
Além disso, o Irã nunca reconheceu o direito de Israel de existir. O regime iraniano pós-1979 justificou sua existência por meio de sua oposição aos EUA e a Israel, apontando-os como forças malignas e apresentando-se como um campeão da resistência contra eles no mundo muçulmano. Em vista disso, apesar de seus esforços para evitar uma guerra direta com Israel, o Irã vem se preparando para essa eventualidade há bastante tempo.
Apesar da indiscutível superioridade de Israel em ataques aéreos e defesa, o Irã continuou avançando em áreas militares que abordam as vulnerabilidades israelenses. Isso é destacado pelo recente ataque com mísseis contra Israel, que usou mísseis hipersônicos, apelidados de “Fattah”, pela primeira vez. Diz-se que esses mísseis são capazes de atingir alvos a até 1.500 quilômetros de distância a uma velocidade de cinco a quinze vezes a velocidade do som, o que os torna extremamente difíceis, senão impossíveis, de serem interceptados no ar. O ataque foi estrategicamente programado à noite para garantir a visibilidade, tornando possível ver que os mísseis estavam apontados para territórios israelenses, como Jerusalém e Tel Aviv.
O Irã alega ter atacado com sucesso as bases militares israelenses, afirmando que 90% de seus mísseis atingiram seus alvos, evitando o famoso “domo de ferro” e outros sistemas de defesa aérea israelenses. Embora seja provável um exagero para fins de propaganda, as alegações dos EUA e de Israel de que interceptaram 99% dos mísseis expressam um exagero ainda maior. Vários vídeos do ataque mostram dezenas, senão centenas, de mísseis atingindo o território israelense. Relatórios posteriores, incluindo os da mídia israelense, indicaram que as bases da força aérea israelense, incluindo a Base Aérea de Nevatim, foram danificadas, e um míssil aterrissou assustadoramente perto da sede do Mossad em Tel Aviv.
No entanto, como antes, o Irã procurou transmitir sua mensagem com danos mínimos para evitar provocar uma retaliação significativa. Para conseguir isso, podem ter sido empregadas ogivas projetadas para causar menos destruição. Também é importante observar que a supressão de informações sobre danos ou baixas militares é uma política israelense há muito tempo, apoiada por um mecanismo de censura bem definido. Ainda assim, esses acontecimentos indicam que os sistemas de defesa aérea de Israel, fabricados nos EUA e desenvolvidos internamente, podem não ser tão invencíveis quanto se acredita, e que o Irã e seus aliados são capazes de causar danos significativos a Israel, se necessário.
Na arena da guerra aérea, conforme observado acima, a força aérea iraniana não é páreo para sua contraparte israelense, que está equipada com os mais recentes aviões de combate dos EUA, desde o F-16 até o F-35. Apesar disso, o Irã possui armamento superfície-ar relativamente avançado, incluindo vários mísseis superfície-ar nacionais e sistemas russos mais sofisticados, como o S-300. Também há rumores de que o Irã poderia adquirir o sistema de mísseis S-400 ainda mais avançado da Rússia em um futuro próximo, embora Moscou ainda esteja relutante. Portanto, não será fácil para as aeronaves israelenses manterem a superioridade aérea sobre o espaço aéreo iraniano.
O recurso de combate mais importante do Irã, no entanto, está em seus grupos de representantes espalhados pela região, que têm uma força considerável. Além de seus 120.000 foguetes, estima-se que o Hezbollah, sozinho, tenha 40.000 combatentes, que não só são treinados para a batalha, mas também adquiriram uma vasta experiência com o envolvimento em alguns dos conflitos mais brutais e complexos da história recente, incluindo os do Iêmen, Iraque, Síria e Líbano. Suas unidades especializadas são equipadas com armamentos modernos e sofisticados. Consequentemente, uma guerra terrestre significativa poderia produzir resultados inesperados e desastrosos para Israel.
Considerando esses fatos, pode-se concluir que um ataque direto de Israel contra Irã não seria tão fácil. Embora os estrategistas israelenses presumam que o Estado iraniano, em crise, se desintegraria rapidamente sob pressão externa, sua própria situação interna também é precária e o moral do exército israelense não é particularmente alto. A guerra é uma perspectiva terrível que pode ter consequências bárbaras, muitas ainda difíceis de prever. O clima atual também pode forçar o Irã a acelerar seu programa nuclear, indo além das meras ameaças de desenvolver uma bomba nuclear. Segundo algumas estimativas, o Irã poderia produzir uma arma nuclear dentro de 1 ano, se assim o desejasse.
Acontecimentos recentes e possibilidades futuras
A recente agressão israelense, primeiro em Gaza e agora no Líbano, pode ser vista em seu contexto histórico como uma continuação da Nakba, em maior e mais devastadora escala. Apesar da destruição generalizada e da perda de vidas no último ano, Israel de hoje é indiscutivelmente mais inseguro e instável do que era antes de 7 de outubro de 2023. O Hamas não foi completamente esmagado nem a libertação dos reféns israelenses em Gaza foi alcançada. Na verdade, o apoio ao Hamas entre os palestinos aumentou significativamente.
De acordo com uma pesquisa publicada pela Reuters há alguns meses, o apoio dos palestinos à luta armada chegou a 54%, um aumento de 8%, enquanto o apoio ao Hamas subiu para 40%, um aumento de 6%. Notavelmente, 2/3 dos palestinos acreditam que a decisão de atacar Israel em 7 de outubro foi absolutamente justificada. Em contraste, apenas 20% expressam apoio a Mahmoud Abbas.
Outras pesquisas realizadas no mesmo período indicam que o apoio ao Hamas é ainda maior. A maior parte da rede de túneis do Hamas (estimada em 65% a 80%) permanece intacta, enquanto apenas 1/3 de seus soldados foi eliminado. De acordo com as próprias fontes do Hamas, apenas 20% de seus combatentes foram mortos. Mesmo durante o conflito atual, o Hamas continuou recrutando ativamente. Em 1º de outubro, enquanto mísseis iranianos sobrevoavam Israel, o Hamas realizou uma operação em Tel Aviv, com 7 cidadãos israelenses mortos e 17 feridos. Além disso, surgiram relatórios e vídeos de propaganda mostrando ataques a soldados e tanques israelenses em Gaza.
Uma situação semelhante se aplica ao Hezbollah. Embora tenha, sem dúvida, sofrido duros golpes com os recentes ataques e o assassinato de grande parte de sua liderança central, sua capacidade de combater Israel permanece praticamente intacta. É importante observar que o Hezbollah não é o Hamas. Sua força tem sido demonstrada pela resistência feroz contra as forças israelenses que entraram no sul do Líbano e pelo lançamento contínuo de foguetes contra Israel, às vezes chegando até Tel Aviv. Relatórios recentes indicam que pelo menos 20 soldados israelenses foram mortos no Líbano e que o Hezbollah atacou tropas israelenses tanto no sul do Líbano quanto dentro de Israel.
A história tem mostrado que é quase impossível eliminar organizações como o Hamas e o Hezbollah apenas por meios militares, especialmente quando contam com apoio, mesmo que parcial, da população em geral.
Os eventos atuais também devem ser vistos à luz da guerra Líbano-Israel de 2006, quando Israel sofreu perdas significativas. Embora o exército israelense tenha aprendido lições valiosas com esse conflito, o Hezbollah também vem se preparando há anos. Seus combatentes têm um profundo conhecimento do terreno e são hábeis em lidar com condições difíceis. Assim, embora o bombardeio aéreo indiscriminado da “Doutrina Dahiya” pareça simples, a guerra terrestre apresenta um conjunto diferente de desafios.
Israel deixou claro que pretende punir o Irã por suas ações em 1º de outubro. No entanto, a retaliação continua complexa. A pressão internacional e os esforços de diplomacia e reconciliação desempenharão um papel importante na formação da resposta. Israel poderia implementar ações dentro do Irã, como algumas variantes têm discutido. Também pode optar por ações inesperadas contra ativos iranianos ou proxies fora do Irã. Em ambos os cenários, a natureza e a intensidade da retaliação de Israel influenciarão muito a forma como o Irã responderá e como os eventos se desenvolverão.
Em resposta ao ataque simbólico do Irã em abril, Israel lançou um ataque de mísseis semelhante e relativamente inócuo em Isfahan para se defender. Também atacou aliados iranianos na Síria e no Iraque, causando danos mínimos. Isso levou a um arrefecimento temporário das tensões. Entretanto, a situação atual pode se desenvolver de forma diferente. É possível que, em vez de tomar medidas testemunhais ou incomuns, Israel intensifique ainda mais seus ataques aos representantes iranianos no Iêmen, no Líbano e em outros lugares, forçando o Irã a responder.
De acordo com relatórios recentes, autoridades de alto nível do Irã e dos países do Golfo se reuniram no Catar para conter a escalada da situação. As monarquias reacionárias do Golfo garantiram ao Irã sua “imparcialidade”, temendo que um grande conflito também pudesse ameaçar suas instalações petrolíferas. Além disso, há relatos de conversas entre o Irã e os EUA mediadas pelo Catar, nas quais as autoridades iranianas declararam que “a fase de contenção unilateral acabou” e que uma “resposta não convencional” deve acontecer se Israel atacar novamente. Nesse sentido, o papel do Catar como mediador e sua crescente influência em conflitos complexos, tanto no Oriente Médio quanto globalmente, é um fenômeno digno de nota que merece uma análise mais aprofundada.
O Irã também enviou seu ministro das Relações Exteriores ao Líbano, visto como um ato de desafio. Da mesma forma, em 4 de outubro, em seu primeiro sermão público em quase 5, o aiatolá Khamenei se dirigiu a dezenas de milhares de pessoas e declarou:
“A resistência na região não se renderá aos martírios e triunfará […] A ação de nossas forças armadas foi a punição mínima para os crimes do regime sionista usurpador”.
Khamenei caracterizou Israel como um “regime maligno” que só sobreviveu graças ao apoio dos EUA e proclamou que “não durará muito”.
Um conflito mais amplo no Oriente Médio poderia forçar a Rússia a mudar da diplomacia de “poder brando” para uma postura mais explícita e unilateral. Atualmente, a Rússia mantém laços amigáveis com grupos palestinos, como Hamas, a Fatah e a Jihad Islâmica, ao mesmo tempo em que constrói relações com Israel, que evitou atacar bases ou ativos russos na Síria. Além disso, Israel adotou uma posição relativamente neutra em relação à guerra na Ucrânia, e há cooperação entre a Rússia e Israel em uma série de questões econômicas e de segurança. Em contrapartida, a Rússia tem profundos laços diplomáticos e militares com o Irã, com o qual coopera no Iraque, na Síria, no Afeganistão e na Ásia Central, além de trocar armamentos modernos.
A Rússia é um importante fornecedor de energia para a Europa e tem laços econômicos com muitas nações do Oriente Médio. Um confronto direto entre o Irã e Israel representaria um grande desafio para a Rússia. A situação é ainda mais complexa para a China, que tem importantes interesses comerciais na região. Por esse motivo, tanto a Rússia quanto a China têm se abstido até o momento de favorecer abertamente o Irã, mantendo um equilíbrio incipiente que pode ser perturbado por eventos extraordinários.
A situação está mudando rapidamente e os eventos estão ocorrendo em um ritmo sem precedentes. Esse cenário enfatiza mais uma vez a tese marxista fundamental de que o capitalismo imperialista, na era de sua decadência e deterioração, não oferece à humanidade nada além de privação, humilhação e guerra. Nessa ordem social, os interesses do capital têm precedência e as relações monetárias dominam todos os laços e ligações. Em última análise, é a busca incessante pelo lucro e pelo acúmulo de capital que provoca desastres em várias partes do mundo, inclusive no Oriente Médio.
Gaza sofreu algumas das piores formas de opressão e brutalidade desde o ano passado. Os executores e espectadores desse genocídio vão desde os defensores ocidentais do laicismo, da democracia e dos direitos humanos até aqueles que politizam a religião e se posicionam como salvadores do mundo muçulmano em países como Turquia, Arábia Saudita e Paquistão. Os eventos de 7 de outubro alterou fundamentalmente a situação; de outra forma, sob os “Acordos de Abraão”, a burguesia árabe estava pronta para abraçar Israel de todo o coração, até mesmo tirando o manto de sua inimizade hipócrita e oposição ao Estado sionista. Seus fantoches como o Paquistão teriam seguido o exemplo.
Essa é a verdadeira e terrível face da ordem liberal pós-Segunda Guerra Mundial, que deveria levar a humanidade ao auge do desenvolvimento, da estabilidade e da prosperidade após o colapso da União Soviética. Atualmente, o mundo sofre com muito mais instabilidade, caos e violência do que anteriormente. Esses vícios são as consequências inevitáveis de um sistema social historicamente obsoleto, baseado na exploração, na opressão e na apatia. A cada dia que passa, a humanidade é empurrada para a barbárie.
O capitalismo transformou a enorme riqueza mineral e petrolífera do Oriente Médio em uma maldição ao seu povo. A existência de Israel é como um câncer no corpo da região, enxertado para garantir a continuidade do domínio imperialista. Toda a elite governante árabe é cúmplice desse projeto imperialista. Os palestinos não têm amigos nem simpatizantes, a não ser os povos oprimidos e explorados do mundo.
O Estado iraniano também é uma entidade extremamente opressiva e reacionária, dedicada a esmagar os movimentos da classe trabalhadora dentro e fora de suas fronteiras. Em última instância, serve como outra ferramenta para perpetuar o sistema imperialista. O mesmo pode ser dito sobre os regimes da China e da Rússia. Mesmo que as crises e os distúrbios recentes tenham cessado, a paz e a estabilidade duradouras no Oriente Médio continuarão a ser difíceis de alcançar enquanto Israel existir.
Sem um programa abrangente para desmantelar e dissolver o Estado sionista, a política de uma Federação Socialista no Oriente Médio não passa de uma ilusão. A tarefa de derrubar o Estado sionista está intrinsecamente ligada à derrubada dos Estados capitalistas e à expropriação revolucionária do capitalismo em toda a região e fora dela. Isso só pode ser alcançado armando os levantes de classe dos trabalhadores com o programa e a estratégia da revolução socialista permanente.