Ajuste para o povo hoje e promessa de isenção do IR para um futuro improvável
Por Verónica O’Kelly
O governo Lula preparou um cenário com o intuito de “fazer de conta” que seu plano é taxar as grandes fortunas e assim beneficiar os pobres. Mas, é claro, mais uma vez pede “um sacrifício” das maiorias empobrecidas. O pacote real é aquele que ataca as conquistas do povo trabalhador, o restante é discurso para a torcida.
Isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil
É inegável que essa medida é uma boa notícia, embora ultra limitada. Qualquer trabalhadora ou trabalhador sabe que um salário de até 5 mil reais não atende as necessidades mensais de uma família e a isenção do IR é bem recebida já que atualmente paga quem ganha mais de R$ 2.259,20 mensais.
Na verdade, não deveria existir nenhum imposto ao trabalhador, quem deve ser taxado é o lucro dos ricos que, justamente, é gerado pelo trabalho da classe trabalhadora. É um absurdo que a nossa força de trabalho, criadora de riqueza e expropriada de todo lucro por ela gerado, seja taxada enquanto aqueles que se apropriam da riqueza gerada por nossa mão de obra recebem benefícios fiscais constantemente. A nossa luta deve ter como objetivo acabar com o imposto ao trabalho e taxar as fortunas, para que de verdade pague mais quem mais tem e não no inverso, como todos os governos até aqui defenderam e ainda defendem.
Combinado com isso, devemos avaliar em detalhe esse anúncio do Ministro Haddad, que tanto se esforçou em ressaltar, qual cortina de fumaça, para deixar no segundo plano o pacote de ajuste fiscal antipopular, o objetivo final do Arcabouço Fiscal.
- Enquanto o pacote de ajustes se aplica imediatamente, a isenção do IR é proposta para 2026!
- Essa medida, e o pacote como um todo, deve passar pelo parlamento e, como sabemos, a maioria de deputados e senadores são contra, como ficou demonstrado recentemente quando a Câmara rejeitou tributar esse setor, derrubando a proposta de Imposto sobre Grandes Fortunas.
O verdadeiro pacote de medidas
Sendo assim, embora o governo esteja fazendo um grande esforço para mascarar a política de austeridade, o que realmente significa esse pacote é um grande ajuste contra o povo trabalhador e pobre a quem o governo pede um sacrifício, como diz o Ministro de Trabalho, Luiz Marinho: “Esse pacote, portanto, ele traz, sim, um sacrifício grande para a classe trabalhadora, o chamado andar de baixo, o pessoal que ganha os menores salários…”[1] Evidente que o petista Marinho não teve condição de esconder a realidade e se dedicou a fazer política e tentar convencer a quem menos tem a se esforçar para garantir os lucros de quem mais tem.
Vejamos alguns dos pontos mais importantes do pacote antipopular:
- Salário Mínimo: a variação real estará nos limites do arcabouço fiscal, 2,5%, independentemente do crescimento da inflação como até agora. Como ressalta o documento publicado pela Auditoria Cidadã da Dívida Pública: “Caso essa regra estivesse em vigor desde o início do Plano Real (julho de 1994), o salário mínimo atual seria de apenas R$ 1.095,10, ao invés dos R$ 1.412 definidos em janeiro/2024.”[2]
- Abono salarial: reduzir o benefício para aqueles trabalhadores que recebem até R$2.640 e não R$2.824 (o equivalente a 2 salários mínimos) como até agora. Isso vai produzir a redução do número de beneficiários do Abono Salarial.
- BPC (Benefício de Prestação Continuada): se estabelecem novos critérios para o acesso ao benefício, burocratizando a acessibilidade ao mesmo e limitando o universo alvo da política pública. Essas medidas visam uma redução do número de beneficiários.
- Funcionalismo Público: o pacote também prevê um novo ataque aos servidores públicos restringindo os Concursos e limitando os reajustes salariais.
- Educação: se estabelece um corte de gastos no já insuficiente e limitado orçamento em educação, com grande parcela para a educação integral, a mesma que o ministro da educação, Camilo Santana, tanto vive de fazer propaganda. Nos próximos anos terá menos R$ 42,3 bilhões.
- Cultura: a Lei Aldir Blanc terá um corte de R$7 bilhões e desobriga investimento anual na Cultura.
Não precisamos muito mais para entender que esse pacote de medidas, destinadas a garantir as metas do Arcabouço Fiscal, segue as mesmas regras de todos os governos, sejam eles de direita, extrema direita, centro ou centro esquerda, reduzir o gasto primário (ou seja, os gastos sociais) e beneficiar o lucro de banqueiros e empresários.
Não cair no golpe e lutar para derrotar o pacote de Lula e Haddad!
Não há nenhuma justificativa para bancar o pacote de medidas anunciadas por Haddad. O discurso de “é o que dá para fazer” apenas favorece o processo que faz com que as expectativas do povo com o governo que prometeu trazer “picanha” na mesa das maiorias trabalhadoras e populares, sejam frustradas. É assim que a extrema direita encontra um terreno fértil para se colocar como alternativa para aqueles que se decepcionam. Para derrotar a extrema direita é necessário um governo que atenda as demandas da classe trabalhadora e do povo pobre, coisa que o governo Lula não faz, respondendo as pressões do mercado.
Precisamos atuar em unidade, com todas as organizações sociais, sindicais e políticas que se coloquem contra o ajuste e a política de austeridade contra o povo. As centrais sindicais devem acabar com a linha oficialista de bancar o governo, inclusive diante os ataques às trabalhadoras e aos trabalhadores que eles mesmos dizem representar. É necessário organizar um plano de luta nacional e unificado para derrotar o pacote de medidas de ajuste, junto com o Arcabouço Fiscal como um todo. Junto com isso, precisamos fortalecer a esquerda independente que não cai nos cantos de sereia da conciliação de classes. Construir uma alternativa de esquerda socialista e revolucionária é urgente.
[1] https://cbn.globo.com/brasil/noticia/2024/11/29/se-os-de-baixo-vao-ter-que-sacrificar-os-de-cima-tambem-tem-que-sacrificar-diz-ministro-do-trabalho-sobre-pacote-de-corte-de-gastos.ghtml
[2] https://auditoriacidada.org.br/conteudo/governo-ataca-o-salario-minimo-abono-e-funcionalismo-para-garantir-mais-dinheiro-para-os-rentistas-da-chamada-divida-publica/