A transformação da «ordem mundial» começou.
Por Oleg Vernik, Presidente do Sindicato Independente da Ucrânia “Zakhist Pratsi” – Liga Socialista da Ucrânia
Em 12 de fevereiro de 2025, o presidente dos EUA, Donald Trump publicou no Truth Social seu diálogo com o presidente russo Vladimir Putin. Na plataforma de mídia social disse que manteve uma «longa e produtiva conversa telefônica com Putin» e expressou o desejo de que o trabalho conjunto dos EUA e Rússia trará «benefícios para ambos os países». Assim, ambos os países concordaram em iniciar negociações inter-imperialistas separados e pelas costas da Ucrânia.
É interessante notar que o anúncio de Trump sobre o formato da negociação na Arábia Saudita aceita a participação de Marco Rubio, Secretário de Estado dos EUA, John Ratcliffe, Diretor da CIA, Mike Waltz, Conselheiro de Segurança Nacional e Steve Vitkoff, Representante Especial para o Oriente Médio. Como pode ser observado, ao formar a delegação, Trump teve em conta os desejos de Putin, em particular, ao excluir da mesma Keith Kellogg, enviado especial americano para a Ucrânia, que em algumas ocasiões permitiu lembrar os interesses da Ucrânia em suas declarações públicas.
O presidente Volodimir Zelenski esperou até o último minuto para que o «plano de paz de Trump» fosse apresentado na Conferência de Segurança de Munique, à qual ele assistiu. No entanto, Trump e Putin ignoraram Zelenski e os chamados «parceiros europeus dos EUA», que também insistiram em participar das negociações.

Sede da Conferência de Segurança de Munique.
Em 15 de fevereiro, em seu discurso em Munique, Zelenski expressou um desacordo categórico com a política de Trump de negociar com a Rússia separadamente, insinuando que Trump havia cedido em seus interesses pela Ucrânia. Ele percebeu que não podia mais esperar apoio militar e financeiro dos EUA e os pediu aos principais países da União Europeia (UE). Zelenski voltou a repetir em parte as palavras do presidente francês, Emmanuel Macron, que pediu à UE para criar seu próprio exército ao qual, segundo Zelenski, o exército ucraniano, experiente na batalha, deveria integrar-se. Tal declaração, que poderia ter parecido fantasiosa antes do discurso do vice-presidente americano J.D. Vance em 14 de fevereiro em Munique, já não parece tanto. Vance desenvolveu uma abordagem conflituosa das políticas internas e externas dos estados membros da UE, tentando preparar o caminho político para os partidos de extrema direita (satélites de Trump e Putin) chegarem ao poder em países-chave do bloco. Ele incluiu uma retórica anti-imigrante dura e criticou os organizadores por não convidar o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD).

JD Vance na conferência de Munique.
No dia seguinte da escandalosa atuação de Vance, Macron convocou os líderes europeus para uma cúpula de emergência em Paris, para responder às ações de Trump.
Por trás dessa mistura absurda e caótica de mensagens e eventos, uma posição marxista tem que apontar os parâmetros-chave da transformação da ordem mundial em curso. O paradigma «campista» de análise da situação mundial foi finalmente enterrado pelos recentes acontecimentos. O imperialismo mundial sempre se manifestou em uma complexa unidade e luta de contradições entre seus diversos segmentos. Com o colapso final do chamado sistema imperialista mundial «unipolar», com o domínio incondicional do «imperialismo ocidental» global e a emergência de novos imperialismos mundiais e regionais «jovens» e agressivos -China, Rússia, Turquia- qualquer ilusão «campista» de apoiar esse ou aquele «novo» imperialismo em desafio ao «imperialismo ocidental global» já não parece apenas um anacronismo mas também uma estupidez. A análise e a posição “campista” parecem ainda mais anacrônicas à luz do colapso do próprio “imperialismo ocidental” como uma espécie de categoria integral, unida pelas metas e objetivos comuns da política externa de todos os seus segmentos.
As contradições entre o imperialismo americano e o imperialismo da Europa ocidental existem e se intensificam há muito tempo, mas o discurso de Vance parece ter aprofundado o distanciamento. Um bloco dos imperialismos americano e russo seria extremamente desvantajoso para o imperialismo da Europa ocidental.

Reunião de líderes europeus em Paris.
Macron também convidou o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, para sua cúpula de líderes europeus. Trump tem tentado há muito tempo se livrar da OTAN ou, pelo menos, reduzir significativamente os custos financeiros que os EUA destina. Seus recentes apelos à anexação territorial do Canadá e da Dinamarca (Groenlândia), finalmente privam a OTAN do significado tradicional de sua existência.
A burocracia lenta e desajeitada de Bruxelas espera que o comportamento dos EUA seja temporário e que a situação se normalize quando Trump deixar o poder. No entanto, e pelo contrário, parece que a destruição do paradigma liberal da «ordem mundial» está ganhando força. O braço direito de Donald Trump, Elon Musk, disse que o mundo está «desmoronando» e não esconde as intenções de ambos de reformular radicalmente a política europeia em direção à extrema direita. Nas eleições parlamentares alemãs, Musk apoiou abertamente o partido pró-Putin e de extrema direita AfD, enquanto Trump intensifica seu apoio aos ultra reacionários Viktor Orban (Hungria) e Robert Fico (Eslováquia). Ao mesmo tempo, Giorgia Meloni, primeira-ministra italiana e líder do partido de direita pós-fascista Irmãos da Itália, foi a única líder europeia que assistiu à posse presidencial de Donald Trump.
A brusca aproximação entre Donald Trump e Vladimir Putin, em representação do imperialismo americano e do imperialismo russo, teve efeito imediato nas relações entre os EUA e o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko. A equipe de Trump anunciou que para um futuro muito próximo está preparando outro «acordo», segundo o qual as sanções econômicas e pessoais dos EUA contra a Bielorrússia e Lukashenko serão suspensas e, em troca, do qual o ditador bielorrusso declararia anistia para alguns prisioneiros políticos.
Apesar de Donald Trump ainda não ter apresentado seu «plano de paz para a Ucrânia», ele evidenciou suas linhas gerais. Em uma tentativa de seguir o jogo de Putin, Trump eliminou completamente do quadro das futuras negociações de paz a questão dos territórios ucranianos ocupados pela Rússia entre 2014 e 2022 (Crimeia e parte do Donbass), prevê a aplicação de um cessar-fogo e o congelamento do conflito na linha da situação atual na frente de combate. Além disso, a maioria das sanções americanas contra a Federação Russa será suspensa, uma opção conveniente para Putin, já que a Rússia está enfraquecida devido à heróica resistência ucraniana e à ausência de sucessos significativos na frente.

Situação atual na frente de combate.
Até recentemente, Trump estava certo do controle total de Zelenski, agora ele constantemente aponta a natureza corrupta de seu regime e entorno, suas baixas taxas de popularidade e a necessidade de realizar eleições presidenciais e parlamentares. Uma das maiores ameaças a Zelenski é a possibilidade de realizar uma auditoria financeira completa sobre os suprimentos de ajuda militar. O jornalista Tucker Carlson, próximo de Trump, apontou diretamente para Zelenski ao afirmar que há armas originalmente fornecidas à Ucrânia que estão no arsenal dos cartéis mexicanos de drogas. Tucker não apresentou nenhuma prova, mas aparentemente isso não era necessário, já que as acusações foram formuladas principalmente com o objetivo de conseguir o controle total sobre Zelenski nas vésperas do “acordo” entre Trump e Putin.

Macron se encontrou com Zelenski em dezembro de 2024.
Percebendo a fraqueza de sua posição, Zelensky ofereceu a Trump o monopólio da exploração de terras raras, esperando que, como homem de negócios, aproveitaria essa oferta e continuasse fornecendo armas à Ucrânia. Zelenski também caiu em uma armadilha porque Trump aproveitou voluntariamente essa oferta, mas não para continuar com o fornecimento bélico, mas como um retorno das armas já entregues. Diante do fracasso de sua política, nos últimos dias Zelenski tem tentado desautorizar o «acordo» ou pelo menos conseguir algum apoio de Trump. No entanto, de acordo com a mídia da oposição, apesar da limpeza total feita por Zelenski, a ideia de vender os recursos minerais ucranianos aos americanos não tem dado certo. A Constituição da Ucrânia diz que os recursos minerais são propriedade do povo, portanto Zelenski não tem o direito exclusivo de dispor deles.
A sociedade ucraniana reagiu negativamente à cumplicidade dos imperialismos americano e russo pelas costas da Ucrânia. De vez em quando, os meios de comunicação ucranianos, obrigados a se concentrar apenas na Internet, apontam as óbvias coincidências com o chamado «Acordo de Munique» de 1938, no qual os principais estados imperialistas (Grã-Bretanha e França), nas costas da Tchecoslováquia, assinaram um acordo independente com Hitler sobre a cessão dos Sudetos da Tchecoslováquia para a Alemanha. Como é sabido, esta vergonhosa conspiração inter-imperialista só fez aumentar os apetites de Hitler e aproximou em grande medida a Segunda Guerra Mundial .
Também parece claro que a ajuda militar da UE para a Ucrânia será extremamente pequena e não pode ser comparada em tamanho e potencial com a ajuda americana, que, aparentemente, está chegando ao fim.
Em suas análises, a Liga Internacional Socialista (LIS) repetidamente apontou que o fator decisivo na luta do povo ucraniano por seu direito à autodeterminação e ao desenvolvimento independente não é o fornecimento de armas por parte do imperialismo ocidental, mas a resistência heróica do povo ucraniano à agressão imperialista russa. Neste contexto, a Ucrânia já ganhou sua guerra pela existência, apesar das traições de seus chamados «parceiros» e «aliados» imperialistas. Na situação atual, os trabalhadores ucranianos devem abandonar decididamente todas as suas últimas esperanças de “ajuda americana”.
• Não às “negociações” inter-imperialistas entre os EUA e a Rússia pelas costas da Ucrânia!
• Nenhuma confiança nos países imperialistas ocidentais e seus blocos, que nesta guerra perseguem exclusivamente seus próprios interesses!
• Viva a resistência do povo ucraniano à agressão imperialista russa!
• Viva o direito do povo ucraniano à autodeterminação e ao seu próprio desenvolvimento independente!
• Viva a solidariedade internacional dos trabalhadores!