Por Alejandro Bodart e Vince Gaynor
Desde que assumiu seu segundo mandato em 20 de janeiro, Trump lançou uma ofensiva reacionária, autoritária e imperialista. Desta vez ele está acompanhado pelo establishment, com o respaldo de um Partido Republicano alinhado por trás dele, o apoio explícito dos principais magnatas capitalistas e o posicionamento permissivo dos democratas e da burocracia sindical.
Esta última certamente colaborou para que não surgissem as grandes mobilizações oposicionistas que o receberam em 2016, mas a crescente polarização social e política também alimenta a radicalização de um setor disposto a lutar para impedi-lo, e seu programa reacionário não passará sem provocar resistência.
Os revolucionários terão um papel fundamental nas lutas que estão por vir e na organização dos lutadores que as encabeçarão.
Um processo global
O ascenso da extrema direita é um fenômeno mundial. Várias expressões deste setor governam em sete países da União Europeia (Itália, Países Baixos, Hungria, República Tcheca, Croácia, Eslováquia e Finlândia), estão prestes a formar governo na Áustria e estão em ascensão na França, Alemanha e Reino Unido.
Algumas de suas expressões mais extremas e extravagantes, como o presidente argentino Milei e o mandatário salvadorenho Bukele, são promovidos como exemplos a seguir internacionalmente. O bolsonarismo se mantém como uma força de peso no Brasil, apesar de ter perdido o governo.
O regime fundamentalista de Modi, na Índia, e o autoritário de Putin, na Rússia, compartilham características centrais com a extrema direita ocidental. Mesmo além dessas expressões políticas, predomina no mundo uma tendência geral para regimes mais autoritários e repressivos em todo o espectro político capitalista.
A extrema direita global não é homogênea, há setores mais radicais ou mais próximos da direita clássica, mais nacionalistas ou neoliberais. Mas, além da variedade, eles constituem a ponta de lança de uma decidida guinada global à direita da burguesia, que tem fortalecido um setor reacionário da sociedade.
Um produto da crise sistêmica
A crise sistêmica que o capitalismo atravessa desde 2008 só é comparável com as duas guerras mundiais do século passado. A destruição e concentração de capital dessas guerras permitiu à burguesia recuperar a rentabilidade necessária para superar aquelas crises. Não estando hoje em condições de enfrentar, por enquanto, uma nova guerra mundial, tentam recuperar a rentabilidade aumentando a exploração.
Pela profundidade da crise, não basta ter acabado com o Estado de bem-estar social e a maior parte das conquistas obtidas no segundo pós-guerra, nem com a flexibilização do neoliberalismo. Eles precisam acabar com os direitos mais elementares das massas trabalhadoras e nos reduzir a trabalhar até que o corpo colapse, pelo mínimo necessário para sobreviver e continuar trabalhando. Conscientes de que isso prejudica a imensa maioria, gera oposição e provoca resistência, precisam reduzir os mecanismos democráticos ao mínimo e fortalecer os dispositivos repressivos ao máximo.
O fato da extrema-direita expressar com maior clareza essa necessidade do conjunto da burguesia imperialista explica, em grande parte, sua rápida aceitação e assimilação por parte dos regimes e partidos políticos burgueses e contribui significativamente para sua ascensão global.
Por sua vez, o fenômeno da extrema direita faz parte de um processo global de polarização que também provoca mobilizações em massa, rebeliões e revoluções, incluindo greves importantes que têm reanimado alguns dos setores operários mais poderosos do mundo. É um processo desigual, porque apesar das gigantescas lutas e da radicalização à esquerda de importantes setores, não surgiu uma expressão política neste polo, como surgiu no outro.
No entanto, como não conseguiram esmagar a vontade de resistir, o que predomina é a instabilidade. E enquanto as massas lutarem, nós revolucionários teremos o dever de impulsionar suas lutas e a oportunidade de organizar os combatentes mais determinados, o que permite construir e fortalecer nossas organizações revolucionárias.
2025 não é 2016
Este triunfo de Trump faz parte do fenômeno global de ascensão da extrema direita, alimenta-se dele e, por sua vez, fortalece todas as suas expressões. Esta retroalimentação explica, em grande medida, a confiança com que Trump e seus parceiros assumiram e lançaram uma ofensiva tão abrangente e profunda.
Trump foi uma das primeiras expressões da extrema direita, quando assumiu seu primeiro mandato em 2016. Na época, não era a principal aposta da burguesia, que via mais riscos do que oportunidades em seu governo. Enfrentou grandes mobilizações contra ele e a oposição ou falta de colaboração de grande parte do establishment. Não conseguiu implementar muitas de suas iniciativas e perdeu a reeleição em 2020. Foi até mesmo julgado e condenado por vários crimes. Porém consolidou uma base social radicalizada, minoritária, mas importante; enquanto as expressões políticas tradicionais continuaram a se desintegrar.
O governo democrata de Biden, que sucedeu Trump, manteve algumas de suas principais políticas, como a política migratória e os cortes de impostos para corporações e ricos, interrompeu greves e apoiou descaradamente o genocídio sionista em Gaza; além de reprimir os estudantes que se solidarizaram com a Palestina. Colaborou com essa decepção a capitulação de Bernie Sanders e dos Socialistas Democráticos da América, que haviam criado expectativas nos anos anteriores e passaram a apoiar, sem cerimônias, a reeleição do “Genocida” Joe, e depois de Harris. Consequentemente, os democratas perderam cerca de quatro milhões de votos.
Enquanto isso, Trump se fortaleceu nas fileiras republicanas como o opositor mais consistente, como figura radical e perseguida pelo establishment e, fundamentalmente, como expressão da extrema direita, que avançou internacionalmente durante esses quatro anos.
Ao contrário de 2016, o Partido Republicano se alinhou atrás de sua candidatura e construiu uma coalizão com mais de 100 organizações de direita radical e um ambicioso programa reacionário, detalhado no Projeto 2025 da Heritage Foundation. A grande burguesia, que esteve dividida durante seu primeiro mandato, agora está claramente invertida, expressada com clareza pelo apoio público dos magnatas da tecnologia e os homens mais ricos do mundo como Musk, Zuckerberg e Bezos, que tinham uma imagem muito mais progressista até agora.
O governo Trump também tem uma maioria conservadora na Suprema Corte, uma Trifeta no Congresso -maioria republicana nas duas câmaras- e uma dirigência democrata mais colaboradora do que opositora.
Todos esses elementos mostram que a classe dominante imperialista tem um maior nível de unidade sobre a necessidade de adotar uma orientação mais reacionária. Avaliando que o primeiro mandato de Trump fracassou porque não avançou mais decididamente, apoiam o plano atual de tentar impor mudanças mais profundas, mais rapidamente. Uma dinâmica similar também levou a burguesia de outros países a dar seu apoio à extrema direita, por exemplo, na Argentina.
Em consequência, Trump e seus sócios chegaram à Casa Branca cheios de confiança. Mas o seu apoio real é minoritário no conjunto da sociedade. Trump ganhou a eleição por uma margem de apenas 1,5% e a abstenção de um terço do eleitorado significa que só um terço o elegeu. Não se pode perder de vista esta fraqueza estrutural do governo, por trás da sua confiança aparentemente ilimitada atual.
A dimensão da ofensiva
Desde que assumiu, Trump lançou uma bateria de ataques em todas as frentes, medidas contra trabalhadores, oprimidos, direitos democráticos e regulamentos ambientais e declarações de agressão imperialista.
Em uma de suas primeiras medidas, Trump perdoou os manifestantes condenados pelo ataque ao Congresso de 6 de janeiro, vários deles fascistas declarados. Seu gabinete constitui o governo mais oligárquico e reacionário desde o século XIX. A situação do magnata Elon Musk, com poderes extraordinários sobre o orçamento, é indicativa disso.
Independentemente de quão realista seja seu objetivo declarado de cortar mais de um quarto do orçamento nacional, já demitiu dezenas de milhares de funcionários públicos e impulsiona a aposentadoria “voluntária” de mais dois milhões. Mudou a categorização da estrutura estatal para assumir o poder de demitir sem impedimentos milhões de trabalhadores, antes considerados não-políticos. Travou toda a assistência social nacional e internacional, provocando uma crise global de acesso aos medicamentos para o HIV, entre outros problemas.
Desencadeou uma invasão massiva da ICE, a polícia migratória, prendendo milhares de pessoas e transferindo dezenas para os campos de detenção e tortura de Guantánamo. Ele assinou decretos que tiram os direitos das pessoas trans, criminalizam ativistas pró-Palestina e eliminam programas contra a discriminação racial e de gênero.
Anulou as normas ambientais que Biden tinha implementado, retirou o país dos Acordos de Paris e da Organização Mundial da Saúde.
Algumas dessas medidas foram freadas judicialmente, mas as chances de muitas delas serem ratificadas, em vez de anuladas, são maiores dado o ambiente político e a composição da justiça atual.
Também há muitos anúncios de medidas pouco realizáveis, mas que tonificam a base social reacionária. Da mesma forma, a saudação nazista de Elon Musk, embora ele logo tenha negado de que foi, é uma mensagem poderosa para o setor de direita radicalizada da população, em que este governo procura apoiar-se para enfrentar a inevitável resistência à implementação de seu programa.
Essa ação busca “inundar o campo” com tantos ataques escandalosamente reacionários, mas inviáveis, para que seja impossível responder a todos e que aqueles que pretendem se concretizar pareçam menos terríveis ou passem despercebidos. Mas isto também faz parte de uma batalha cultural pelo “senso comum”. Busca ampliar radicalmente as atitudes e ações racistas, machistas, xenófobas, homofóbicas e geralmente reacionárias, que são consideradas aceitáveis, e os direitos que são considerados “privilégios” ou diretamente crimes.
Essa batalha não é menor, cujo objetivo é fortalecer e motivar a ação dos setores mais extremistas, violentos e diretamente fascistas que constituem o núcleo duro da base social da extrema direita; e enfraquecer e desmoralizar os trabalhadores e oprimidos em geral e os ativistas dispostos a enfrentar esses ataques.
A Doutrina Trump
Uma das facetas centrais da crise sistêmica do capitalismo em curso é a crise de hegemonia imperialista. Os EUA, ainda sendo a principal potência mundial, está em claro declínio, enquanto se fortalecem potências regionais e surge a China como concorrente global.
Em 2016, grande parte da burguesia se opôs às tendências protecionistas e isolacionistas de Trump e, desde 2020, Biden tentou recuperar a orientação anterior. Agora parece prevalecer a conclusão de que a estratégia multilateral já não serve mais, com a qual o imperialismo americano domina o mundo há longas décadas, e que é necessário uma mudança importante para recuperar o poder global pela força.
Portanto, a mudança brusca que impulsiona o novo governo para um forte protecionismo comercial e um nacionalismo expansionista mais agressivo conta com o apoio do establishment.
Trump começou anunciando novas tarifas comerciais contra o México, Canadá e China e declarou sua intenção de retomar o controle do Canal do Panamá, anexar a Groenlândia e colonizar Gaza. Embora as últimas sejam geralmente consideradas inviáveis, e as tarifas para o Canadá e México logo foram negociadas, os anúncios serviram como uma declaração de intenção.
Desde então, os EUA têm aumentado as tarifas comerciais com praticamente todo o mundo, o que despejou parte da crise no resto do mundo, fortalecendo os lucros das empresas americanas, às custas das demais. Isso agrava a crise econômica de todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos, incluindo aliados históricos, como a Europa e Taiwan, e países onde governam outros líderes de extrema direita, como a Argentina. Portanto, isso gerará maiores atritos diplomáticas e políticos entre eles e vai acirrar o conflito interimperialista com a China e a Rússia.
Trump também está intensificando uma intervenção política internacional mais agressiva e unilateral. Ele desempenhou um papel central e visível na imposição do cessar-fogo em Gaza, para depois propor a mais rápida expulsão de toda a população palestina. Agora abriu negociações com Putin para acordar a entrega de território ucraniano à Rússia, nas costas do povo ucraniano.
No entanto, a tentativa de se fortalecer pela força também tem um elemento de desespero e traz um grande risco. Fortalecer-se econômica e geopoliticamente às custas do resto, incluindo seus aliados históricos, aprofunda a crise e a instabilidade econômica e política em todo o mundo. Essa desordem e os conflitos, guerras, rebeliões e revoluções que cultiva é, por sua vez, o maior perigo para os planos do imperialismo.
Como enfrentá-lo
A ofensiva do novo governo Trump abre uma nova situação política, marcada por um ataque capitalista reacionário, qualitativamente superior ao anterior e que vai mudar a dinâmica da luta de classes notavelmente.
Ainda que não pretendam sair das margens gerais das instituições democrático-burguesas e eliminar completamente as organizações sindicais e políticas não burguesas, o salto autoritário e repressivo que procuram impor é profundo. Implica cortes drásticos nos direitos democráticos e um aprofundamento da perseguição estatal e da violência paraestatal contra os oprimidos e o ativismo sindical e de esquerda.
Os democratas, que ameaçaram durante as eleições que, se Trump ganhasse, o fascismo viria, agora minimizam os riscos que até recentemente exageravam. Quando as próximas eleições se aproximarem, eles se lembrarão de como Trump é perigoso para se apresentar como a única alternativa. Mas é imediata a necessidade de enfrentar Trump e lutar para deter seus planos.
Longe disso, os democratas se esforçaram para garantir uma transição tranquila e agora procuram maneiras de colaborar com o novo governo. Eles querem evitar que surjam movimentos de mobilização que depois exigem tempo e recursos para desmobilizar e canalizá-los em direção ao lobby e às eleições.
Nós, revolucionários, temos que agir de forma diametralmente oposta. Não podemos minimizar o perigo que os ataques do novo governo representam, nem tampouco super estimá-los. Além da caracterização que fazemos, devemos estar na linha de frente de denunciar as medidas deste governo, transmitindo a urgência de se organizar para enfrentá-las e chamar a unidade mais ampla para travar essa luta, com a maior força possível.
Ao mesmo tempo, temos que expor os democratas que falam do perigo de Trump para pedir votos, mas não para enfrentá-lo quando mais importa. Explicar sua responsabilidade em abrir a porta, em desarmar os movimentos que poderiam enfrentá-lo com mais força e a necessidade de construir uma alternativa política independente dos capitalistas e seus interesses.
Devemos continuar as lutas econômicas e sociais que temos dado por salários e o direito à organização sindical; contra o racismo institucional e a violência policial; em defesa dos imigrantes, do direito de decidir, da identidade e todos os direitos de gênero, entre outras. Estas vão se intensificar. Assim como lutamos para estabelecer que as vidas de pessoas negras importam, teremos que lutar para defender as vidas de pessoas trans, migrantes e mulheres.
Mas as lutas democráticas, em particular, vão ganhar um novo protagonismo. Temos que tomar com afinco as tarefas de organizar a autodefesa diante dos setores fascistas que agirão com maior confiança, de enfrentar a perseguição e repressão, de defender política e fisicamente o direito de manifestar-se e todos os direitos democráticos, de uma forma que não é feita há muito tempo.
A vontade de lutar
A desmoralização acumulada durante o mandato de Biden, a desativação dos movimentos dos últimos anos por parte dos democratas e sua definição de não organizar protestos nacionais para a posse de Trump, explicam em grande parte porque, desta vez, não houve manifestações em massa como em 2016.
No entanto, há uma vanguarda que vê a necessidade e a urgência de organizar a resistência. São milhares de jovens radicalizados pelo movimento de solidariedade à Palestina, trabalhadores ativados nas greves da Amazon ou UAW, ativistas mulheres, LGBT+, imigrantes, negros que viram seus movimentos serem desativados pelos democratas e compreendem a necessidade imediata de organizar uma luta séria, contra um perigo muito real.
A ofensiva de Trump, inevitavelmente, irá provocar resistência no país e em todo o mundo. A força e as possibilidades que terá, dependem, em grande parte, do nível de organização e da orientação política que tem essa vanguarda radicalizada. Isso apresenta aos revolucionários uma tarefa para hoje, um desafio em que não importa o que fazemos ou não fazemos, o que conseguimos ou não.
Hoje é possível e necessário organizar milhares de ativistas e trabalhadores politicamente radicalizados e dispostos a lutar em um projeto revolucionário, para influenciar o curso das lutas que vêm e para estabelecer as bases de um partido revolucionário que represente a classe trabalhadora e lute pelo socialismo nos Estados Unidos e no mundo. E pode ser feito a partir de um trabalho de reagrupamento dos revolucionários no país e internacionalmente, como promove a Liga Internacional Socialista.