Reproduzimos abaixo o editorial da publicação do Movimento Revolucionário das e dos Trabalhadores do Equador (MRT), sobre as recentes eleições e o triunfo de Daniel Noboa. Desde a LIS, compartilhamos, em termos gerais, o balanço feito pelos companheiros, por isso acreditamos que é importante divulgá-lo e, assim, aprofundar o debate necessário que nos permitirá avançar no reagrupamento dos revolucionários diante da nova etapa que se abre no Equador.
A amarga descida do povo equatoriano
A imagem do Inferno de O Jardim das Delícias Terrenas de El Bosco ilustra bem a amarga descida do povo equatoriano à parte mais escura da noite. O triunfo do governo de direita de Noboa encerra o círculo de crises que estamos vivendo: insegurança, desemprego, violência de todos os tipos, submissão ao imperialismo e deterioração acelerada da democracia.
A derrota esmagadora da Revolução Cidadã nas mãos da Aliança Democrática Nacional, que venceu por 11%, tem várias explicações: Noboa utiliza o aparato da presidência para fazer campanha em todo o país, entregando recursos e prometendo obras, além de um enorme desperdício de recursos. Ele foi capaz de falar diretamente com as pessoas e se apresentar como um presidente que faz obras e se preocupa com os problemas do país. Ele deixou a campanha suja contra o outro candidato para as redes e trolls. A ADN executou uma campanha unificada e contínua, o que lhe permitiu seguir uma estratégia única. Noboa destacou a principal preocupação dos equatorianos, que é a insegurança, como um fator-chave em suas respostas.
Ele anunciou o retorno das bases militares dos EUA, o incremento da segurança marítima e a contratação de uma empresa de mercenários. Uma política completamente militarista, que condiz com o desespero das pessoas submetidas à violência do crime. Dessa forma, ele conseguiu penetrar nas áreas mais conflituosas e conquistar votos á RC.

O governo se apresentou como aliado de Trump, usando uma reunião informal com o presidente dos EUA para fingir que as tarifas de 10% eram uma concessão, reduzindo tarifas sobre carros americanos e permanecendo em silêncio sobre a questão das deportações de migrantes. Noboa descobriu que enterrar a cabeça na areia em problemas complicados funcionava para ele, como no caso do vazamento de óleo de Esmeraldas; seus ministros imediatamente declararam que se tratava de sabotagem. Noboa conseguiu apresentar e convencer uma parcela significativa do eleitorado de que o retorno da RC seria uma catástrofe que o Equador não poderia suportar; assim, segundo a ADN, estaríamos a caminho de nos tornarmos outra Venezuela, sairíamos da dolarização, nos isolaríamos das tendências internacionais onde predomina a direita. Quanto à Revolução Cidadã, raramente se viu um partido político que faça de tudo para perder, com uma vontade incrível de ser derrotado. Os erros se acumularam e eles foram levados pelo triunfalismo fácil. Declarações contraditórias, líderes independentes com suas próprias agendas políticas, uma campanha focada em insultos em vez de propostas, com o objetivo de confrontar Noboa em vez de abordar as principais preocupações dos equatorianos, que são a insegurança e a economia. A estratégia de captar votos da direita resultou em um fracasso. Acreditava-se que, dando um giro à direita, esses eleitores seriam atraídos e isso levaria à vitória. O movimento indígena foi declarado parte do problema, não da solução.
Os ataques aos líderes indígenas se multiplicaram, e o próprio Correa continuou a se envolver em confrontos constantes. Luisa González destacou sua filiação evangélica e sua política de negação de direitos sociais e reprodutivos, acreditando que esta seria uma arma eleitoral, além de sua posição ideológica. Um dos maiores erros foi a questão da dolarização. Parlamentares, ex-candidatos e setores da Revolução Cidadã propuseram o Ecuadólar como uma moeda digital e paralela que, apesar de todas as declarações, a população viu como uma saída para a dolarização por meio de um truque monetário. Por mais que a candidata tentou refutar essas alegações, o dano eleitoral já estava feito. A campanha da Revolução Cidadã se envolveu intensamente em todo tipo de ataque nas redes sociais, deixando-se levar pela dinâmica imposta por Noboa; mas não teve a capacidade de se dirigir ao povo com propostas eficazes sobre segurança e economia. As longas negociações de idas e vindas com a CONAIE se mostraram contraditórias e levaram a uma deterioração que afetou tanto o movimento indígena quanto a RC. No final, o acordo foi assinado, o que, como vimos, não contribuiu significativamente com votos para o progressismo. Pachakutik alcançou 5,27% no primeiro turno, escapando da polarização política dos dois partidos, ADN e RC. Este foi um momento significativo de resistência das bases, pois esse percentual também inclui setores significativos da população, radicalizados pelas lutas pela água e pelas revoltas e greves nacionais.
No entanto, Pachakutik explodiu politicamente. Cada dirigente, comunidade e organização assumiu sua própria posição, e a unidade não pôde ser mantida. Em meio à enorme dispersão de posições, o partido acabou se polarizando entre duas tendências: a favor da ADN ou a favor do acordo com a RC. Embora as negociações entre a direção do Pachakutik e a RC tenham sido longas, confusas e improdutivas, os líderes indígenas que se voltaram para a direita — em muitos casos apenas por oposição à RC e em outros porque essa é sua verdadeira ideologia — travaram uma campanha feroz e agressiva que, como visto nos resultados das eleições, teve um impacto significativo a favor de Noboa. Enquanto isso, a política de frente única, de unidade entre os setores populares, trabalhadores, povos indígenas e outros setores sociais, se destacou por sua ausência. A liderança indígena priorizou a aproximação com a Revolução Cidadã, abandonando qualquer possibilidade de consolidar uma alternativa popular diante da avalanche de direita que vivemos. A independência de classe foi posta de lado, e a maioria do movimento indígena se juntou à ADN ou foi para a RC. Um triste fim para os grandes dias de luta e para aquele posicionamento eleitoral fora da polarização. Claramente, essas eleições representam uma derrota significativa para o movimento popular, um retrocesso significativo que terá consequências dolorosas para o povo equatoriano, onde os ataques aos direitos dos trabalhadores serão a ordem do dia.
O caminho para a unidade por meio de uma frente única de todos os setores populares é a tarefa imediata e a preparação para a luta contra um governo que se tornará cada vez mais autoritário e tentará, por todos os meios, tomar o controle total dos poderes do Estado, destruir ou cooptar organizações sociais e reprimir mobilizações.