O dia 15 de maio de 1948 é marcado pela Nakba, a “catástrofe” para o povo palestino, que se traduz na realidade como um processo de limpeza étnica através do qual mais de 700.000 palestinos foram expulsos, mediante violência [i], das suas próprias terras para dar lugar à criação do Estado de Israel. Este evento histórico não foi um simples conflito: foi a materialização do projeto colonial sionista, apoiado pelas potências imperialistas, Grã-Bretanha e, posteriormente, Estados Unidos, que buscavam estabelecer um enclave de dominação no Oriente Médio.
Por Camilo Parada, Movimento Anticapitalista
Hoje, enquanto Israel perpetra um genocídio em Gaza, matando mais de 50.000 pessoas, a Nakba não é uma história passada: é um crime contínuo e sistemático que busca continuar massacrando e deslocando as populações indígenas da Palestina, impedindo a entrega de ajuda humanitária e destruindo a infraestrutura palestina. Neste sentido, é essencial começar a chamar as coisas pelos seus nomes: o regime sionista israelense, não contente em cometer um genocídio, é também um regime de apartheid, com campanhas incessantes de destruição de povoados palestinos, impunidade face aos numerosos ataques racistas de colonos judeus, estabelecimento de assentamentos ilegais em territórios ocupados e leis como a Lei de Deportação de Famílias de Terroristas, que permite a retirada da cidadania israelense ou da residência em Jerusalém a familiares de pessoas detidas por alegado “apoio ao terrorismo” ou condenadas por crimes de segurança, o que constitui uma forma de punição coletiva; ou a Lei de Nacionalidade e Entrada em Israel, que categoriza as pessoas de acordo com sua origem.
Mas não basta recordar. O exercício da memória, certamente importante, deve sempre ser projetado para uma conjugação combinada entre presente e futuro, isto é, para escapar ao reducionismo da derrota. Os deslocamentos forçados que marcam a Nakba, os massacres, a destruição de aldeias como base para a criação do Estado de Israel, não são um acontecimento isolado nem cristalizado em 1948: são a própria estratégia do sionismo. A Nakba não é apenas um evento histórico, mas um processo contínuo de colonialismo de povoamento, limpeza étnica e o que o historiador israelense Ilan Pappé chama de “genocídio crescente”, uma política sistemática de eliminação gradual do povo palestino [ii].
Comemorar a Nakba é um ato de resistência contra o esquecimento que o revisionismo histórico sionista busca impor. Da nossa perspectiva socialista, deve ser também a reafirmação do direito inalienável à autodeterminação, a defesa do direito do povo palestino de existir e a problematização dor uma saída baseada numa Palestina única, democrática, laica e socialista, como o nosso lembrado camarada internacionalista Pablo Vasco desenvolveu em múltiplos artigos para a Liga Internacional Socialista: uma Palestina nos seus territórios históricos.[iii]
A construção da narrativa sionista afirma que a criação do Estado de Israel foi um “milagre” para um povo sem terra. Omite, portanto, que essa mitologia fundadora está escrita no sangue do povo palestino: com a expulsão violenta da população nativa, com crimes de guerra e constantes violações dos direitos humanos. Ilan Pappé (historiador judeu[iv]) e Walid Khalidi (historiador palestino[v]) refletem em suas pesquisas sobre o fato de que a Nakba foi planejada por meio de operações militares como o Plano Dalet, que buscava esvaziar a Palestina de sua população árabe originária.
A fundação do Estado de Israel foi lançada entre 1947 e 1948, quando centenas de aldeias e cidades palestinas foram destruídas. Exemplos como os de Haifa, Jaffa e Acre são conhecidos por todas e todos, assim como o massacre de Deir Yassin em 1948, onde milícias sionistas assassinaram mais de 100 civis, semeando o terror para forçar o povo palestino ao êxodo.
A Nakba não termina em 1948. Israel continua suas políticas de desapropriação, que se aceleraram sob o governo de extrema direita de Netanyahu, embora não sejam exclusivas deste período: ocupação da Cisjordânia e de Gaza; expansão de assentamentos ilegais; leis discriminatórias contra cidadãos palestinos de Israel; bloqueio permanente de Gaza, um verdadeiro campo de concentração a céu aberto, etc.
Como Pappé ressalta, o “genocídio crescente” envolve não apenas assassinatos em massa, mas também um sistema de apartheid que nega direitos básicos e apaga a identidade palestina.
Desde o Movimento Anticapitalista, seção chilena da Liga Internacional Socialista, defendemos o direito de todos os povos oprimidos de resistir. A libertação nacional é inseparável da luta de classes. Israel não é apenas um estado colonial, mas também um braço armado do imperialismo no Oriente Médio, um aliado dos EUA, da Europa e da OTAN.
A autodeterminação palestina não pode ser reduzida a um “estado” fragmentado na Cisjordânia e em Gaza sob controle israelense. Como denuncia o acadêmico Edward Said, os Acordos de Oslo (1993) transformaram a Autoridade Palestina em administradora da ocupação, enquanto Israel continua a colonizar terras.
A verdadeira autodeterminação requer:
- Fim da ocupação e desmantelamento do apartheid.
- Direito de retorno dxs refugiadxs palestinxs (resolução 194 da ONU).
- Descolonização do território palestino.
- Liberdade para todos os presos políticos presos em masmorras israelenses.
- Pelo desmantelamento do Estado de Israel.
Dado o fracasso dos “estados separados” e o atual apartheid, a solução deve ser um estado palestino único, socialista e democrático, onde muçulmanos, judeus e cristãos vivam com direitos iguais. Essa visão foi defendida pela OLP em suas origens e mais tarde traída pela mesma organização com os Acordos de Oslo. Hoje, está a ressurgir entre os movimentos que defendem o direito do povo palestino à existência, como o Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS).[vi]
Como escreveu Mahmoud Darwish: “A ocupação divide os povos, mas a luta une os oprimidos”.
A Nakba não é o passado: é o presente. Envolve não apenas o povo palestino, mas toda a humanidade e todos os povos que lutam pela emancipação. Cada casa demolida em Jerusalém Oriental, cada criança assassinada em Gaza, cada lei racista em Israel é a continuação da Nakba.
A solidariedade internacionalista com a Palestina deve ir além de declarações: ela implica um boicote ao apartheid israelense, apoio à resistência popular e a defesa de um horizonte revolucionário: uma Palestina livre, democrática, laica e socialista. E todas as organizações socialistas revolucionárias devem lutar em seus respectivos países para pressionar e exigir que seus governos rompam com o estado genocida.
“Não lutamos para morrer, lutamos para viver”, ensina Leila Khaled.
A memória da Nakba é um chamado à luta permanente contra o imperialismo e pela libertação de todos os povos do mundo.
[i] https://unrwa.es/actualidad/sala-de-prensa/75-aniversario-de-la-nakba-se-cumplen-75-anos-de-la-expulsion-de-palestinos-y-palestinas-de-sus-hogares-aun-sin-solucion-justa-ni-definitiva-a-su-situacion/
[ii] https://claroscuro.unr.edu.ar/index.php/revista/article/view/16/9
[iii] https://lis-isl.org/es/2023/10/unica-laica-no-racista-democratica-y-socialista-palestina-cual-es-la-salida-de-fondo/
[iv] https://www.observatori.org/paises/pais_53/documentos/E_PAPPE.pdf
[v] https://openlibrary.org/works/OL1671353W/All_That_Remains
[vi] https://www.bdsmovement.net/es