Por Manuel Velasco
Em 1945, a derrota do Eixo — primeiro na Europa e depois no Japão — libertou forças para que os povos do mundo se levantassem contra os governos burgueses no imediato pós-guerra. Mas o imperialismo ianque, em aliança com a burocracia soviética, conseguiu impor uma nova ordem mundial, que mais tarde seria quebrada com a queda do Muro de Berlim e que hoje volta a cambalear com o enfraquecimento da hegemonia dos Estados Unidos, reacendendo no presente alguns debates já colocados há 80 anos.
A barbárie capitalista mostrou sua face mais cruel com os enfrentamentos desencadeados pela Segunda Guerra Mundial. Os níveis de destruição da “Grande Guerra” (como foi chamada a Primeira Guerra Mundial) foram superados. O capitalismo deixou claro o salto em sua capacidade destrutiva, abandonando de vez a promessa de “progresso” aos olhos dos povos da Europa e do mundo. A diplomacia se mostrou insuficiente para resolver as disputas entre os países em conflito, o que levou a uma crise dos organismos internacionais. Em 1933, a Alemanha nazista se retirou da Liga das Nações e, no final de 1937, foi a vez da Itália de Mussolini.
A situação apocalíptica desencadeada no mundo foi consequência das disputas interimperialistas não resolvidas na Primeira Guerra, mas, desta vez, com um dos blocos ocupado pelo nazi-fascismo, que se propunha a liquidar a experiência revolucionária na Rússia soviética e eliminar as liberdades democráticas conquistadas pela classe trabalhadora europeia. Trotsky, em “A luta contra o fascismo: o proletariado e a revolução” (1933), já alertava para os objetivos militares do nazismo, afirmando que “se Hitler tomar o poder, uma guerra contra a União Soviética”.
A derrota definitiva do Eixo significou o início de uma reconstrução da ordem mundial que havia sido rompida no começo do século. No entanto, as tensões entre as potências permaneceram, agora com novos protagonistas. Por um lado, a hegemonia britânica foi definitivamente substituída pelos Estados Unidos no mundo capitalista. A potência norte-americana demonstrou sua superioridade técnica e militar com as bombas atômicas que levaram à rendição do Japão; mas, no plano econômico, sua dominação também foi categórica: seu PIB representava 50% do total mundial, detinha 80% das reservas globais de ouro, produzia metade das manufaturas mundiais e sua moeda tornou-se o pilar central do sistema monetário e comercial internacional a partir de Bretton Woods.
Por outro lado, a União Soviética ampliou seu prestígio ao derrotar o nazismo e, a partir daí, ensaiou uma nova divisão do mundo, como já havia tentado anteriormente com a Alemanha nazista no pacto Molotov-Ribbentrop — mas agora dividindo o controle com os Estados Unidos e a Europa nos acordos de Yalta e Potsdam, cujo objetivo principal era conter o ascenso das mobilizações que sacudiam o mundo do pós-guerra.
Entre guerras e revoluções
O fim da guerra, em 1945, marcou o início da etapa mais revolucionária da história. Assim como a Primeira Guerra Mundial foi o cenário para o desenvolvimento da Revolução Bolchevique de 1917, o pós-guerra impulsionou os distintos movimentos de trabalhadores e camponeses ao redor do mundo a se armarem — desta vez contra seus próprios governos.
Enquanto as elites europeias eram questionadas por sua colaboração com o nazismo, a perspectiva socialista ganhava popularidade devido ao papel central da esquerda na resistência. No entanto, a influência do stalinismo foi contra a radicalização revolucionária. Em seu lugar, os Partidos Comunistas apostaram na democracia liberal como saída.
Da mesma forma, no “terceiro mundo”, o processo de descolonização levou ao fim dos antigos impérios coloniais, resistindo a novas ocupações. Apesar da grande ausência do proletariado à frente de muitas dessas revoluções, a mobilização de massas impôs às distintas burocracias uma agenda socialista, conquistando expropriações e uma série de avanços históricos para os povos. Mais uma vez, a falta de uma direção revolucionária que integrasse e fortalecesse essas experiências acabou por estagnar o desenvolvimento da revolução mundial, permitindo ao capitalismo recuperar o fôlego nas décadas seguintes.
Um presente que repete o passado?
Atualmente, 80 anos após a guerra, a ordem do pós-guerra mostra sinais evidentes de esgotamento. As tensões na União Europeia, a ascensão da China e o agravamento dos conflitos militares são sintomas claros de um modelo em decadência. Nesse mesmo sentido, as primeiras manobras geopolíticas de Trump demonstram a disposição de um setor da burguesia ocidental de deslocar a Europa e voltar todas as armas contra a China.
Outro ponto central que conecta nosso tempo ao da Segunda Guerra Mundial é que a ultradireita voltou a influenciar amplas camadas das massas e, apoiada nessa popularidade, conquista locais de poder em países centrais. A burguesia tecnológica também aposta agora na nova direita, oferecendo não só apoio econômico, mas também respaldo político — embora com tensões internas.
A máquina de guerra capitalista apresenta hoje uma atividade comparável apenas à de 1945. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, voltamos a ver guerras na Europa; no Oriente Médio, Israel aprofunda seu papel de gendarme, reforçando seu aparato militar genocida; e o mais recente conflito entre Índia e Paquistão reacende o temor de uma guerra nuclear que, desde Hiroshima e Nagasaki, ronda o mundo — hoje agravado pelo fato de mais países possuírem armas nucleares do que naquela época.
A grande ausência do nosso tempo é o estalinismo e seu aparato contrarrevolucionário. Os novos processos de mobilização social já não são vigiados pelo gendarme internacional em que a URSS havia se degenerado, mas as distintas burocracias reformistas — políticas, sindicais e religiosas — continuam atuando em todos os países.
Socialismo ou barbárie
A Segunda Guerra Mundial terminou, mas o caos capitalista permanece. Embora as décadas tenham passado, está claro que as crises recorrentes do capitalismo nos conduzem a novos cenários de catástrofe, nos quais poucos se salvam (e lucram), enquanto a maioria agoniza entre guerras e miséria. Fenômenos como o nazi-fascismo voltam a ressoar hoje porque a xenofobia, o machismo e o anticomunismo encontraram uma nova síntese representada pelas ultradireitas, já espalhadas por todos os continentes. A violência de seus discursos ainda não se traduziu em mobilização armada de suas bases (não de forma generalizada), mas em todos os casos já esboçaram diferentes tentativas. Ainda que já governem diversos países, quem tem a vantagem nas ruas somos nós — os movimentos de trabalhadores e juventude que saímos em defesa de nossos direitos, da Palestina e contra o fascismo.
Todas as variantes nostálgicas do Estado de bem-estar são impotentes diante da encruzilhada em que nos encontramos, por sua visão limitada de compromisso reformista com um setor supostamente “progressista” da burguesia, na tentativa de salvar a democracia liberal de sua profunda crise. Somente com um programa transicional de ruptura com os interesses das burguesias e de independência frente a todos os imperialismos será possível pôr um freio à nova corrida armamentista.
Para deter o avanço da ultradireita, defender as liberdades democráticas e os direitos conquistados, é necessário levantar a bandeira do socialismo com uma alternativa política que una os milhões de ativistas que lutamos contra o capitalismo no mundo.