Por: Imran Kamyana
O conflito entre Paquistão e Índia, no sul da Ásia, ainda não se acalmou completamente quando, no Oriente Médio, as chamas da guerra entre Irã e Israel voltaram a se acender. Trata-se, fundamentalmente, da continuidade da agressão descontrolada de Israel na região, durante a qual Gaza foi devastada e o genocídio contra os palestinos não cessa. Nesse contexto, as atuais tensões entre Irã e Israel vêm escalando intermitentemente desde o ano passado, até se transformarem em confrontos diretos, incluindo ataques mútuos com mísseis e drones.
Mas, desta vez, a intensidade do conflito é muito maior e sua gravidade, muito mais séria. Tudo começou no dia 13 de junho, com uma enxurrada de mísseis israelenses sobre o Irã — o maior ataque em solo iraniano desde a guerra entre Irã e Iraque. O ataque segue em andamento e, segundo autoridades israelenses, pode se prolongar indefinidamente. Vale destacar que esse ataque ocorreu justamente no momento em que estavam em curso negociações nucleares entre Irã e Estados Unidos. Trump havia reiterado que não queria uma nova guerra no Oriente Médio e que preferia resolver as questões com o Irã por meio do diálogo. No entanto, após o ataque israelense, a continuidade dessas negociações tornou-se praticamente impossível — exatamente como Netanyahu desejava.
O problema agora não está apenas na escala ou na intensidade do ataque, mas na natureza dos danos infligidos ao Irã. Nas primeiras fases da ofensiva, não só morreram a maioria dos altos comandantes militares iranianos — incluindo chefes das Forças Armadas e da Guarda Revolucionária —, como também foram assassinados cientistas nucleares chave. Instalações nucleares críticas e infraestrutura militar sofreram danos severos. Trata-se de uma humilhação ainda maior para o Irã do que foi o assassinato, em julho de 2024, do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, pelas mãos de Israel. Além disso, revela que a rede do Mossad dentro do Irã é muito mais extensa e eficaz do que se imaginava anteriormente. Enquanto isso, apesar da bravata e da retórica agressiva, o Estado iraniano se mostra internamente frágil e corroído, com seu aparato de contrainteligência demonstrando repetidas vezes sua ineficiência.
Essa vulnerabilidade não se deve apenas às sanções, pressões e sabotagens imperialistas, mas também a décadas de repressão interna, corrupção generalizada nas elites clericais e profundas contradições internas. (De fato, chega a ser questionável a confiabilidade dos sucessores dos comandantes militares assassinados.) No fundo, trata-se de uma crise ideológica do Estado iraniano, que agora se expressa de forma política e militar. Nessas circunstâncias, não se pode descartar a possibilidade de que o Estado iraniano desmorone sob o peso da intensa agressão e pressão externas.
Porém, a própria situação de Israel está longe de ser estável. Uma guerra prolongada ou um estado permanente de conflito — que depende em grande medida da capacidade de resistência do Irã — pode desencadear distúrbios internos significativos dentro do próprio Estado israelense. Netanyahu e sua camarilha podem se ver diante de um possível levante popular e, inclusive, potências imperialistas, já cansadas do aventureirismo desenfreado desse grupo, podem ser forçadas a tomar medidas drásticas.
Após o ataque israelense, o Irã levou quase 18 horas para recuperar a compostura, reorganizar suas capacidades militares e decidir sua resposta, apesar de que o ataque israelense era amplamente esperado. Ainda assim, não restou ao Irã outra opção senão retaliar contra Israel. Esse contra-ataque — ou série de contra-ataques — estava em andamento no momento em que este texto foi escrito, com relatos de que bases militares e aeroportos israelenses foram danificados. Apesar dos modernos e eficazes sistemas de defesa aérea de Israel, vários mísseis caíram na capital, Tel Aviv, provocando dezenas de feridos e múltiplas mortes.
Ainda que o último ataque do Irã não tenha sido equivalente, em eficácia e destruição, ao perpetrado por Israel, ele não deixa de ser extraordinário e sem precedentes. Além disso, o Irã ameaçou atacar bases dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais, caso intervenham diretamente. A situação, portanto, permanece fluida e evolui rapidamente, com o potencial de se transformar em uma catástrofe em larga escala.
Esses temores já se refletem na alta dos preços do petróleo nos mercados internacionais e na queda das bolsas de valores. É evidente que, se a guerra se prolongar ou se expandir, a economia mundial — que já atravessa uma crise — pode mergulhar em uma recessão profunda. As condenações e os apelos de cautela das grandes potências não param de chegar. No entanto, a chamada “comunidade internacional” — incluindo as Nações Unidas, China e Rússia —, na prática, atua como espectadora impotente ou, sobretudo no caso das potências ocidentais, como cúmplice e facilitadora das ações israelenses.
Por trás da agressão desenfreada de Netanyahu se escondem várias forças: seus desesperados esforços para garantir sua própria sobrevivência política, a crise interna do sionismo e o rápido desgaste da imagem global de Israel. Mas igualmente importante é a crise histórica do imperialismo estadunidense e seu controle cada vez mais frágil sobre seus próprios aliados e títeres. Isso fica evidente mais uma vez nas declarações vagas — e, por vezes, contraditórias — feitas por autoridades dos Estados Unidos após o ataque israelense. Essa confusão não é apenas expressão da habitual hipocrisia dos EUA; reflete uma fragmentação mais profunda e um desarranjo interno crescente dentro do próprio Estado estadunidense — um caos que só se intensificou no segundo mandato de Trump.
Há anos a situação chegou a um ponto em que, em cada momento crucial, os Estados Unidos são forçados a seguir os passos de Israel e justificar suas ações — mesmo quando não estão dispostos a fazê-lo. Trump, no fundo, é um sujeito narcisista, grosseiro, volátil, imprudente e absolutamente inconfiável, que muda de posição a cada poucas horas. Gosta de bravatas, mas quando se vê diante de uma oposição mais forte ou de ameaças sérias, recua rapidamente. Nessas condições, não é difícil imaginar o grau de desconfiança que até seus próprios aliados e subordinados depositam nele.
Mas se hoje as rédeas do império econômico e militar mais poderoso da história da humanidade estão nas mãos de uma figura desse tipo, isso não é apenas um fracasso individual — é o reflexo da profunda crise de todo o sistema imperialista vigente. A história está repleta de exemplos de sistemas decadentes que, em seus momentos finais, colocaram no poder figuras incompetentes, bufões, que só aceleraram o colapso do próprio sistema que representavam.
A atual devastação do Oriente Médio tem raízes históricas profundas, enraizadas em séculos de saque colonial, de divisão artificial da região e de sua fragmentação em Estados fictícios — projeto arquitetado, principalmente, pelo imperialismo britânico e francês. A criação de Israel, em 1949, como posto avançado do imperialismo ocidental, foi uma continuação desse legado de dominação e exploração. O Estado sionista, artificial, foi alimentado como um executor brutal e implacável, para garantir o controle imperialista estrangeiro sobre essa região rica em petróleo. Enquanto existir, a região não poderá conhecer estabilidade nem prosperidade.
No entanto, o Estado teocrático do Irã — nascido de uma sangrenta contrarrevolução em 1979 — também não tem qualquer caráter progressista. Conceder-lhe legitimidade política ou apoio sob o pretexto de que seria “anti-imperialista” é um crime ideológico flagrante. As mãos desse regime religioso e sectário também estão manchadas com o sangue de incontáveis inocentes — dentro e fora do Irã —, incluindo dezenas de milhares de comunistas, trabalhadores e mulheres. Só na última década e meia, o Irã foi palco de pelo menos dez grandes levantes e protestos, todos brutalmente esmagados. No entanto, o direito de decidir o futuro do Irã pertence exclusivamente ao seu povo — e somente ele, por meio da unidade de classe e da ação revolucionária, poderá enfrentar e derrubar esse Estado teocrático opressor.
Um Estado fundamentalista, imperialista, implantado artificialmente como Israel jamais poderá ser libertador do povo iraniano, nem tem qualquer direito de intervir ou lançar “ataques preventivos” contra qualquer país da região. Estrategicamente, todo golpe desferido contra Israel é bem-vindo. Contudo, a situação atual também deixa claro que Israel não poderá ser derrotado com base em motivações religiosas, ideológicas ou econômicas de tipo capitalista. Tampouco se trata de uma mera questão militar. Esse câncer — cujas raízes também estão entranhadas nos regimes árabes reacionários e servis — exige uma cirurgia revolucionária para ser erradicado.
Está claro que essa tarefa histórica está diretamente vinculada ao desmantelamento do capitalismo imperialista em toda a região — incluindo o Irã. E essa é uma missão que só poderá ser cumprida pelas massas trabalhadoras do Oriente Médio.