O cenário de crise nacional transita por realidades diferentes. Em meio a isso, no próximo 7 de setembro serão realizadas as eleições correspondentes às eleições na Província de Buenos Aires. Elas já se transformaram em um debate e disputa nacional, com todos os atores políticos interferindo, na véspera das eleições nacionais de outubro. Oportunidades e desafios da Frente de Esquerda e as propostas do MST.
Por Santiago Ledesma
A imensa e disputada Província de Buenos Aires
Um primeiro elemento a considerar neste cenário eleitoral é que, com o desdobramento das eleições nacionais, esta será uma eleição muito desigual, onde cada seção se tornará uma trincheira aberta, sendo um espaço de disputa para a reconfiguração do parlamento bonaerense, com a eleição de deputados e senadores provinciais. E também de disputa nos Conselhos Deliberativos de cada município.
Enquanto as turbulências se agitam, a lógica política argentina começa a ser atravessada pelo calendário eleitoral e em particular pelas eleições na Província de Buenos Aires, o principal distrito do país. Onde votam 13.361.359 eleitores, sendo a Primeira Seção Eleitoral que terá mais eleitores habilitados com um total de 4.732.831, superando a Terceira Seção Eleitoral, que chega a 4.637.863. Ambas as seções acumulam 70% do total do padrão de Buenos Aires e possuem uma diferença substancial com os outros. A Quinta Seção será a mais próxima, com 1.290.948 eleitores qualificados.
A figura de Cristina Fernández de Kirchner como candidata na Terceira Seção Eleitoral, foi também uma tentativa de seu setor do peronismo de “nacionalizar” a eleição provincial, centralizando em sua figura frente a Javier Milei. Tentativa que se frustrou com a justiça ilegalizando sua candidatura e estar agora em prisão domiciliar pela chamada Causa Vialidad, decisão judicial que denunciamos, desde nossa posição crítica e oposta às posições e ao projeto capitalista da CFK e do PJ. Mesmo sem ela como candidata, a eleição de Buenos Aires também foi nacionalizada, com Milei atacando fortemente o governo provincial de Kicillof (PJ) enquanto ele tenta responder em uma mistura de resposta nacional e privilégio a questões provinciais que são de seu interesse eleitoral nesta disputa.
Crise e desgaste do oficialismo libertário
Hoje na Argentina, Milei e seu governo estão longe de desfrutar de tranquilidade. Ao cenário de apatia eleitoral das eleições anteriores, onde como sintoma do descontentamento geral em torno da metade da população não está indo votar, agora se somam novos dados da crise econômica-social em curso e seu reflexo nos condimentos de crescente polarização e desaprovação do oficialismo libertário. Uma recente pesquisa da consultora Zuban Córdoba mostra uma desaprovação de 56,8%, contra uma aprovação de 42,8%, com apenas 0,4% se abstendo de dar uma opinião.

As turbulências econômicas, sociais e políticas corroem cada vez mais um governo que busca fortaleza na homogeneidade libertária e ultradireitista que voltou a impulsionar e mostrar no recente evento da Direita Fest em Córdoba. Lá, o presidente, apoiado no conforto dos lambe-botas, se sentiu encorajado e afirmou que “muitos vão se surpreender com os resultados de outubro”. De qualquer forma, sua ameaça hoje não passa de ser apenas isso, embora o prognóstico eleitoral permaneça aberto, porque a deterioração oficialista se dobra, como outro elemento, à ruptura de milhões com os velhos partidos que já governaram anteriormente. Neste contexto, o governo vem perdendo a par do descontentamento social, também aliados dentro do parlamento, o que o levou a sofrer sucessivas derrotas políticas durante o último mês.
Antes de outubro, o presidente deve medir suas forças em setembro, em um quadro onde o dólar azul oscila pelo teto da faixa, uma das razões que forçou o governo a ter que tomar dívida através da contratação de três novos empréstimos por um total de US$ 1,5 bilhões com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BM).
Estruturação econômica que lhe ganhou até mesmo um aviso de um Fundo Monetário Internacional que vinha sendo muito permissivo com as metas não cumpridas do governo. “As reservas internacionais líquidas permanecem criticamente baixas e os spreads da dívida soberana, embora tenham diminuído drasticamente, continuam elevados”, afirmou Kristalina Georgieva, titular do organismo. Ainda assim, preocupados que o governo não continue se desgastando na pré-eleição, o FMI estaria habilitando uma nova partida de dinheiro, que em algo tira do aperto o governo.
Tensões para baixo e para cima
Como dissemos, ao mesmo tempo o governo também perde controle em suas disputas parlamentares. É assim que as últimas sessões no Senado trouxeram uma forte dor de cabeça para o Executivo, que hoje segue analisando a forma de anular as leis que trazem melhorias para aposentadorias, emergência em deficiência e fundos provinciais. Enquanto a sessão estava em andamento, se evidenciou ainda mais a ruptura sem retorno com a vice-presidente Victoria Villarruel, a quem direta e publicamente, da presidência lhe chamam “a traidora”.
No entanto, o controle que o governo perde não é apenas no Parlamento, mas também da temperatura da rua. Com enormes lutas como a de Garrahan, que acaba de protagonizar uma enorme mobilização para a Praça de Maio onde recebeu um forte apoio social de diferentes setores, enquanto as pessoas aposentadas continuam cada quarta-feira mobilizadas em frente ao Congresso. Nesses processos e em outros em diferentes lugares do país, a classe trabalhadora ativa seu descontentamento, levanta suas reivindicações e demonstra sua capacidade de reação diante dos embates da extrema-direita.
Em síntese, o governo transita curvas sinuosas e, por mais poses de fortaleza que queira estruturar, a realidade o leva a um cenário onde combate certa erosão que vai deixando no passado as promessas do fim da inflação e colocando no presente o problema de salários e aposentadorias miseráveis, ao mesmo tempo em que se acumulam frentes não resolvidas, como o caso $LIBRA (fraudes relacionadas à criptomoeda promovida por Milei), entre outros.
Crises libertárias em Buenos Aires
Por outro lado, o fechamento das listas em Buenos Aires, se transformou em um elemento de tensão e crise do chamado “triângulo de ferro”, formado pelos irmãos Milei e Santiago Caputo. Karina Milei se apoiou no armador Pareja e o clã Menem para a montagem das listas, deixando de lado os servos de Caputo e provocando tensões que perdurarão no tempo.
As colisões internas também o impediram de absorver a totalidade da estrutura do PRO, sendo que vários intendentes amarelos provocaram um êxodo de último momento, mesmo tendo aceitado uma subordinação quase total, onde não se expressava o conteúdo do PRO nem no nome da aliança nem sequer nas cores das cédulas. O que resultou no fortalecimento de outro exército eleitoral, SOMOS Buenos Aires, junto com a UCR e a Coalizão Cívica.
Karina Milei sintetizou contra os dissidentes dentro da frente libertária: “A pessoa que questiona os candidatos do presidente está questionando o presidente”.
Os candidatos mais fortes que apresenta a Aliança La Libertad Avanza são Diego Valenzuela na primeira seção eleitoral, e Guillermo Montenegro na quinta seção. Ambos, ex-membros do PRO, radicalizaram seu perfil e se assimilaram às “forças do céu”. Além disso, ambas as candidaturas serão testemunhais, uma vez que nenhum dos dois deixa o cargo que ocupa atualmente.
Na populosa Terceira Seção, o candidato é Maximiliano Iván Bondarenko, que foi comissário inspetor da Polícia de Buenos Aires. É de Florencio Varela e em seu histórico na política registra uma passagem pelo PRO, e além disso foi candidato de Facundo Manes.

O oficialismo peronista na província
A que a priori parecia uma escolha um pouco mais tranquila para o peronismo, acabou sendo muito complexa e à beira da ruptura, ao ponto que tiveram que cortar a luz para forçar uma prorrogação na apresentação das listas de candidatos, o que igualmente não fechou sua crise, embora tenha definido uma mais que trabalhada lista comum.
Há várias razões que levam a que hoje o peronismo esteja perdido sem bússola. Algumas delas podemos encontrá-las na decepção que foi o último governo, que teve Alberto Fernández à frente no quadro de um acordo com o FMI, e onde tinham uma posição de poder aqueles que hoje acreditam ter a solução para os males do nosso país: Massa, Kicillof, Máximo Kirchner e a própria CFK.

Nenhum expressou um caminho alternativo e suas conclusões foram, em grande parte, responsabilizar a população de que Milei crescesse. Dois anos depois, e tendo passado muita água sob a ponte, a cúpula peronista acabou deixando correr medidas do programa da extrema-direita e não enfrentou nem sindical nem politicamente o plano de ajuste e motosserra de Milei. Ao contrário, na Província de Buenos Aires geriu com sua própria marca o ajuste geral. Um peronismo que fala de ser um escudo contra Milei e que na realidade não impede nada dos planos libertários.
Ou seja, acaba sendo uma oposição que não consegue nem mesmo unificar seus próprios votos para disputar parlamentariamente e está absorvida em uma interna que cada dia perde mais peso. Hoje disputam a caneta Kicillof, com o Movimento Direito ao Futuro; Máximo Kirchner, com La Cámpora; e Sergio Massa, com a Frente Renovadora.
A disputa tribal dentro do peronismo não só levou à necessidade de fazer um show para adiar a entrega das listas, mas trouxe fricções e comunicados de última hora entre as facções, onde, por exemplo, o Movimento Direito ao Futuro exigia que a Frente Renovadora abrisse as listas em Tigre ou em municípios onde o peronismo apresenta várias listas.
Não tendo Cristina como opção para, a partir da Terceira, arrastar provincialmente, o PJ deverá ser medido seção por seção. Para isso, usará candidaturas testemunhais como a de Verónica Magario e Gabriel Katopodis, na Terceira e Primeira respectivamente, ambos bispos do governador que tentarão obter votos nas áreas mais populosas do país.

Eles não são os únicos candidatos testemunhais da Força Patria, mas no interior das listas há outros como a intendente de Quilmes, Mayra Mendoza, ou o prefeito de La Matanza, Fernando Espinoza.
Em um cenário onde prima certa apatia eleitoral, veremos como se traduz que haja tantos candidatos a quem não interessa realmente assumir o cargo para o qual se candidatam. Esta estratégia, que foi feita em outras eleições, pode ter outros resultados perigosos pelas características particulares desta eleição e a própria crise do regime político.
A Frente de Esquerda, potencialidade e desafios
As dificuldades das forças patronais para poder conduzir o armado de suas listas se desprendem e são sintomas de uma profunda crise do regime bipartidário que quiseram reciclar com o kirchnerismo e o PRO. Regime que colide sem ainda ter um rumo claro em seu futuro, porque nem o governo derrotou a classe trabalhadora, nem nós a ele.
Esse vazio e descontentamento social crescente, encontrou como canalizador o absenteísmo, e foi assim que vimos que nas últimas eleições provinciais os números mal ultrapassam 50% de participação, números realmente baixos em nosso país. Essa situação dificilmente mudará diante das próximas eleições provinciais, já que nenhuma força desenvolve uma proposta que entusiasme a população.

Nesse sentido, a Frente de Izquierda y de los Trabajadores–Unidad será apresentada novamente em toda a província, dando batalha no conurbano bonaerense, assim como também no interior da província, e levando como candidatos Alejandro Bodart na Primeira Seção, junto com Romina Del Plá, assim como também Ana Paredes Landman e Guillermo Pacagnini na Terceira, junto com Nicolás del Caño e Leonel Acosta na Oitava, entre outras e outros candidatos ao longo de toda a província.

A esquerda tem o potencial e a oportunidade de capitalizar em certa medida o descontentamento que hoje se manifesta por outros canais, e a Frente de Esquerda Unidade tem a responsabilidade de tentar, lutando para conseguir novas bancas de deputados e vereadores em Buenos Aires, e acima de tudo tentando organizar politicamente milhares e convocando trabalhadores e jovens para integrar suas fileiras. A nova apresentação de suas listas é um passo valioso e ao mesmo tempo não suficiente face às tarefas apresentadas.

Como propomos desde o MST, é preciso avançar para uma mudança profunda em nossa frente, em uma lógica política que não seja limitadamente eleitoral, como lamentavelmente e erroneamente vem imprimindo forças como PTS ou PO há anos. Precisamos transformar nossa frente em algo muito superior, com seu programa anticapitalista e socialista e ao mesmo tempo aberto e convocando intelectuais, referentes sociais e organizações amigas e votantes de nossa frente.
Para impulsionar esta necessária organização política de milhares e o debate coletivo de toda a militância, podem-se realizar Congressos, fóruns ou conferências abertas da nossa frente. Até mesmo discutir a possibilidade de formar um partido unificado com tendências democraticamente organizadas dentro dele, que não só aja eleitoralmente, mas que possa intervir em conjunto na luta política e de classes e nos fatos que impactam a realidade política diária.
Esse rumo, importante e necessário, é o que pode dotar a Frente de Esquerda da vitalidade necessária para poder ser realmente uma alternativa de poder além das próximas eleições e diante de um cenário de crise política crescente e rachadura do regime político. Desde o MST vamos impulsionar a fundo esta campanha eleitoral, ao mesmo tempo que continuaremos apresentando estas propostas de fundo e estas perspectivas, desafios e oportunidades que temos pela frente.




