Por Raymar Aguado Hernández

Fidel Castro foi um manipulador perfeito. Poucas dúvidas permanecem sobre sua capacidade hipócrita de se posicionar sempre de acordo com as circunstâncias, onde nenhum jogo ideológico podia mais do que seus métodos para se manter no poder. Em tempos de pós-verdade, é comum tropeçar na fragilidade das palavras, sobretudo quando elas carregam o odor lamentável da conveniência. Mas Fidel foi um artista do disfarce, um camaleão que soube se valer do verbo oportuno no momento certo, sempre em troca de garantias que alimentassem sua pantomima de líder infalível. Jogou tantas cartas que, geralmente, teve o pôquer a seu favor. Por isso, avaliá-lo a partir de moldes tão vazios — embora não por isso estranhos — como aqueles que dominam o espaço político cubano, é um deslize inocente, porque a partir daí é impossível constatar o quanto ele encobriu por trás de seu discurso.

O vai-e-vem da narrativa castrista sempre manteve fundos com interesses econômicos e políticos muito marcados. Superficialmente, grande parte da esquerda encontrou em Fidel o “revolucionário antiimperialista que lutou pelas causas justas”, tanto quanto a direita via nele o “ditador comunista a serviço da URSS e inimigo da liberdade”, duas visões padronizadas e pouco profundas que serviram, de modo inexplicável, para sustentar ao longo do tempo o regime político que ainda governa Cuba. Poucas foram as análises que exploraram o fenômeno Fidel Castro a partir de suas incursões na realpolitik, afastando-se do padrão discursivo que o situou na zona favorável concedida pelo debate entre extremos em que seu nome se encontra. Compreender essa zona de ação, de onde Fidel expandiu seu regime político e sobretudo estético, possibilita análises mais complexas sobre uma figura essencial na história de Cuba e seu futuro cenário democrático.

Fidel não economizava quando se tratava de negociar para dar fôlego à sempre debilitada economia nacional: fascistas, genocidas, ditadores autoproclamados. Para garantir sua posição de autocrata vitalício, era capaz até de cortejar seus inimigos mais declarados. Nunca existiu uma “ética revolucionária” ou uma “teimosia ideológica”. Seu Ás na manga mudava de tal forma que, entre paus e espadas, raramente havia alguma diferença evidente. Essa característica condensou a mitologia em torno de sua imagem, ao ponto de ser admirado por muitos de seus detratores mais ferrenhos.

É claro que, para estadistas autoritários como Fidel, sustentar seu pragmatismo em posições inflexíveis — como às vezes lhe atribuem — nunca foi opção. Pelo contrário, um dos elos mais sólidos em sua cadeia de ditador foi a versatilidade de suas alianças, algo que, sem dúvida, garantiu a boa saúde de seu totalitarismo tropical. Um dos exemplos mais ilustrativos disso foi sua entrega a pactos econômicos com empresários e transnacionais israelenses, os quais, em grande medida, ajudaram o regime a corrigir a ruína econômica que Cuba sofreu nos anos posteriores à queda da URSS e do chamado “campo socialista” e consolidaram uma política econômica que durante décadas gerou cifras multimilionárias para o regime e abriu portas para novas linhas de investimento e mercados internacionais.

O Estado de Israel e a Revolução Cubana

Embora seja uma causa aberrante para a imensa maioria da extrema direita que se reconhece afim ao projeto sionista, o Estado de Israel nasceu de mãos de um partido e de um Primeiro-Ministro autopercibidos como “socialistas” e muito próximos do stalinismo soviético. Tanto é que a URSS foi peça-chave para o nascimento do novo Estado por meio de forte pressão diplomática dentro da Organização das Nações Unidas (ONU), favorecendo a ideia do projeto de partição da Palestina. Além disso, com envios via Tchecoslováquia e com o objetivo de contornar o chamado dos Estados Unidos para não enviar armamento ao Oriente Próximo, por ordem estrita de Iósif Stalin, a URSS se tornou o maior fornecedor de insumos bélicos para grupos paramilitares sionistas, como o Haganá, durante a chamada “guerra de independência” em 1948 e no posterior conflito contra os países árabes. Além disso, o autodenominado “sionismo socialista” representou a força política dominante em Israel por trinta anos, através do Partido dos Trabalhadores da Terra de Israel (Mapai) e depois do Partido Trabalhista.

Quando, em 1959, triunfa a revolução, um dos primeiros Estados a reconhecer o novo governo de Cuba foi Israel, já que grande parte de suas esferas políticas identificou nos novos líderes aliados favoráveis. Assim, durante o verão daquele ano, o então Capitão José Ramón Fernández viajou ao Estado sionista para negociar a compra de armamento leve e artilharia, assim como para impulsionar a colaboração na área agrícola. Embora Israel tenha se recusado a vender armas, prestou assistência civil em várias áreas durante os dez anos seguintes. Também por essa época, quando Che Guevara visitava o Egito de Nasser, parte de sua comitiva, incluindo José Pardo Llada, visitou território israelense para transmitir as cordialidades da liderança cubana. Segundo a historiadora Margalit Bejarano, “aos olhos do governo israelense, o entusiasmo que cercava a revolução de Castro era semelhante à atmosfera do nascente Israel em 1948”.

Tanto parece ser assim que, durante aqueles anos, a então chanceler e futura Primeira-Ministra Golda Meir ofereceu alianças de cooperação em várias áreas, gesto que, segundo a perspectiva de Bejarano, não foi apenas uma ferramenta diplomática, “mas porque sentia uma afinidade ideológica com a revolução socialista cubana e estava comprometida com os países em desenvolvimento”. A isso soma-se a visita, em 1961, do embaixador especial Mordecai Arbell a Havana para a assinatura de vários acordos de cooperação agrícola e pecuária, que resultaram em acordos para a migração de judeus cubanos em “condições vantajosas”, favorecendo o crescimento de novos assentamentos de colonos. Essa busca se intensificou entre 1963 e 1965, quando o embaixador Haim Yari, com o apoio da União Sionista de Cuba, realizou múltiplos eventos para incentivar a emigração para Israel, promovendo voos charter da Cubana de Aviación destinados a esse fim.

Desde o nascimento de Israel, no final da década de 1940, uma figura-chave começou a desempenhar seu papel para estabelecer o vínculo entre o sionismo e o “socialismo” cubano. Este foi Ricardo Subirana Lobo, um cientista judeu alemão que se estabeleceu em Cuba após a Primeira Guerra Mundial. Nascido como Richard Wolf, depois de se comprometer com a cubana Francisca Subirana, decidiu adaptar seu nome ao clima caribenho. Em 1948, Lobo financiou a viagem de várias delegações de especialistas provenientes dos “kibutzim socialistas” israelenses, que criaram vínculos profundos com a “esquerda” da ilha, sobretudo a mais próxima do stalinismo. Após o início da luta armada contra o regime de Batista em 1956, o cientista, que acumulava considerável fortuna, tornou-se um dos principais gestores do Movimento 26 de Julho (M-26-7), dada sua afinidade com a figura de Fidel Castro.

Lobo defendeu e apoiou, de diferentes frentes, o processo insurrecional anterior a 1959, o que lhe valeu grande prestígio dentro do governo revolucionário, sendo proposto para ocupar o Ministério das Finanças, cargo que recusou para solicitar ser nomeado embaixador de Cuba em Israel. Subirana Lobo, já com mais de setenta anos quando triunfou a revolução, apresentou suas credenciais de embaixador a Meir e ocupou o cargo diplomático de 1961 a 1973, quando, durante a Cúpula de Argel, Fidel Castro anunciou a ruptura das relações bilaterais. Após essa data, abandonou suas funções diplomáticas e continuou sua vida como “sionista de esquerda” em Israel, onde fundou, em 1975, a Fundação Wolf, berço dos Prêmios Wolf, condecorações de grande relevância nas ciências e nas artes, que contribuíram significativamente para a legitimação e o branqueamento do Estado sionista perante a comunidade intelectual mundial.

A presença do compromisso com o “sionismo socialista” em grande parte dos grupos revolucionários cubanos foi sintomática da enorme propaganda proveniente de Israel e de comunidades sionistas ao redor do mundo. O movimento dos kibutzim desempenhou papel fundamental, sobretudo dentro da esquerda que buscava exemplos de equidade e autogestão diante da ofensiva do capitalismo imperialista do pós-guerra, embora grande parte se afiliava ao modelo soviético. Em Cuba, personalidades relevantes como Fernando Ortiz, Juan Marinello, Carlos Rafael Rodríguez, Ofelia Domínguez e Angel Alberto Giraudy, com forte influência dentro do bloco autêntico, comunista ortodoxo e outras correntes próximas à “esquerda”, foram alguns dos principais porta-vozes sionistas. Embora o “mais firme aliado da causa sionista em Cuba” — segundo o acadêmico sionista Arturo López-Levy [i] — tenha sido Eduardo Chibás, que, desde a criação do Partido do Povo Cubano (Ortodoxo) em 1947 e com apoio de outros nomes de relevância, como Manuel Bisbé e Pardo Llada, abraçou as linhas do sionismo com sua filiação ao Comitê Pró-Palestina Hebraica. Das fileiras ortodoxas emergiu grande parte do núcleo do M-26-7, com especial relevância de Fidel Castro, que, segundo relata o ativista Moisés Asís no documentário Havana Naglia (1995) de Laura Paul, serviu ocasionalmente como orador para o Comitê Pró-Palestina Hebraica e, em maio de 1947, proferiu um discurso no campus universitário durante um ato de “solidariedade com a criação de Israel”.

As relações do governo revolucionário com Israel atingiram seu “clímax histórico” entre 1959 e 1967, período em que, como aponta López-Levy, “foram extraordinariamente positivas”. Ainda assim, após 1967, quando aumentaram as tensões entre Israel e os países árabes e, durante a Guerra dos Seis Dias, o Estado sionista ocupou ilegalmente os territórios sírios das Colinas de Golã, a península egípcia do Sinai e assumiu o controle militar de Gaza e da Cisjordânia — territórios palestinos conferidos pela ONU pela resolução 181 de 1947 — o governo cubano, apesar de certas tensões, manteve seus vínculos diplomáticos com Tel Aviv. Na época, apenas Cuba e Romênia, dentro do bloco “comunista”, não romperam laços com o autoproclamado estado “hebraico”. Essa posição adotada por Fidel Castro gerou disputas com aliados do governo cubano que exigiam um posicionamento. Segundo Bejarano, Shlomo Levav, chefe da missão diplomática israelense em Cuba, relatou que Subirana Lobo havia informado sobre a recusa de Fidel às pressões soviéticas para romper relações[ii]. O próprio Castro declarou ao jornalista K. S. Karol que “os países socialistas não mantiveram o princípio de romper relações com países agressores. Se assim fosse, já teriam rompido relações com os agressores norte-americanos no Vietnã”[iii]. Algo semelhante ocorreu em 1963, quando, após a morte do presidente Itzjak Ben Zvi, Fidel decretou três dias de luto oficial, decisão mal recebida pelo então Primeiro-Ministro da Argélia, Ben Bella, que questionou a medida, provocando o cancelamento de um voo programado de Castro à nação árabe. Segundo Levav, antes da Guerra de 1967, Fidel Castro estabelecia paralelos entre “a luta de Cuba contra o isolamento norte-americano e a situação de Israel no Oriente Médio”[iv].

A “ruptura” das relações diplomáticas e a mudança de paradigma

A postura do castrismo não podia durar muito, pois seus principais aliados comerciais e geopolíticos exigiam um posicionamento. Assim, após um lobby pouco explorado, intensificou-se em Havana o discurso anti-sionista, que não desmoronou o marco de cooperação nas áreas agrícola, pecuária e da piscicultura, embora Israel tenha interrompido a compra de açúcar cubano para não provocar os Estados Unidos, seu principal aliado após a Guerra dos Seis Dias, que desde 1962 mantinha um bloqueio econômico contra Cuba. Essa nova etapa foi marcada pela resolução de divergências com a URSS após a morte do cada vez mais antiestalinista Che Guevara e o período tenso da microfração. Além disso, a entrada de Cuba no Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME) em 1972 representou uma mudança substancial em suas relações econômicas internacionais, integrando o “bloco socialista” liderado pela URSS e pelos países do Leste Europeu. Isso permitiu ao governo da ilha receber créditos em condições vantajosas, importar bens de consumo e tecnologia, além de contar com assistência técnica e científica para o desenvolvimento econômico e industrial. Além disso, a adesão proporcionou a Cuba tratamento preferencial por sua condição de país menos desenvolvido dentro do bloco, impulsionando sua industrialização e incorporação à divisão internacional do trabalho. No entanto, implicou forte dependência econômica e política em relação à URSS e aos demais países “socialistas”.

Em setembro de 1973, durante a IV Cúpula do Movimento de Países Não Alinhados (MNOAL) em Argel, Fidel Castro anunciou a ruptura das relações diplomáticas de Cuba com o Estado sionista. Após vários anos de constantes atritos entre a postura de Castro em relação a Israel e as exigências do bloco soviético e dos países árabes aliados, a Cúpula de Argel se apresentou como o cenário mais favorável para uma mudança de política em relação a Tel Aviv. Sob a pressão de líderes como Muammar Gaddafi e Hafez al-Assad, assim como o gradual desgaste dos interesses israelenses na ilha, condicionado pelos Estados Unidos, a ruptura era inevitável. Fidel aspirava à presidência do MNOAL e sabia que suas cordialidades com Israel eram vistas por seus aliados como um risco aos interesses das nações membros. Um país que mantivesse relações com um Estado considerado inimigo latente pela organização não poderia assumir a presidência. Por outro lado, a decisão de Fidel também respondeu ao interesse do governo cubano em continuar recebendo combustível da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que, para frear o apoio ocidental a Israel às vésperas da Guerra do Yom Kippur, decidiu cortar o fornecimento de petróleo a países que ainda mantivessem relações com Israel e não reconhecessem seu status de agressor.

Desde a presidência do MNOAL, o governo cubano buscaria se posicionar como país intermediário entre os diferentes blocos regionais em disputa, ao mesmo tempo em que modelava novas formas de reconhecimento no novo ordenamento econômico, usando pressão diplomática a partir de uma posição privilegiada que garantisse vantagens. Para isso, um de seus objetivos era acessar o Conselho de Segurança da ONU e, assim, contornar as sanções do governo dos Estados Unidos e da Organização dos Estados Americanos (OEA). Por isso, em Argel, era necessário jogar bem suas cartas. Assim, depois que Gaddafi interpelou publicamente a delegação cubana, questionando a natureza de seus posicionamentos e seu servilismo à URSS após a proposta do bloco árabe da tese dos “dois imperialismos”, Fidel mudou o tom “moderado” de sua primeira intervenção para um discurso incisivo e de ruptura absoluta com o Estado sionista, o que gerou aplausos e um abraço simbólico entre Fidel e o governante líbio. Segundo López-Levy, “a ruptura se deveu às aspirações cubanas de liderança multilateral em contextos onde os inimigos de Israel atuavam como atores com poder de veto”, acrescentando mais adiante que a decisão “careceu de reciprocidade”. Uma nota publicada no Granma em 16 de setembro do mesmo ano indicava que “em resposta às demandas das nações representadas em Argel”, Cuba rompia seus laços com o Estado sionista.

Tudo indica que, além de resguardar interesses centrais para a manutenção de apoios vitais à economia cubana, a decisão de ruptura surgiu no calor do momento durante a Cúpula e não foi uma estratégia planejada como resposta à colonização sionista na Palestina ou à escalada bélica em Oriente Médio. O próprio embaixador Ricardo Subirana Lobo mostrou-se desconcertado ao receber a notícia e declarou que, embora os vínculos políticos não fossem muitos, as relações econômicas sempre gozaram de boa saúde e a dinâmica entre ambos os governos era harmoniosa. Embora, segundo dados do período entre 1959 e 1965, o intercâmbio comercial nunca tenha ultrapassado os dois milhões de dólares para ambas as partes, valor que mudaria radicalmente nos anos de “ruptura”[v].

Após Argel, o governo cubano assumiria uma postura completamente distinta em relação ao Estado de Israel e ao sionismo, se compararmos com os anos anteriores a 1973. Durante a Guerra do Yom Kippur, enviaria tropas e equipamentos à Síria. Aproximadamente entre 800 e 4.000 efetivos cubanos participaram do conflito, equipados com tanques soviéticos T-54 e T-55. Os confrontos ocorreram principalmente nos Altos do Golã contra as forças israelenses, em apoio à Síria, em um contexto militar estratégico para Fidel Castro. A contribuição incluiu pilotos de helicópteros, operadores de comunicações, oficiais de inteligência e contrainteligência — um contingente preparado para operar diretamente no terreno. O governo manteve a operação em segredo, sem declarar oficialmente guerra a Israel, embora as tropas cubanas permanecessem na Síria até 1975. Durante as décadas de 1970 e 1980, a postura de Cuba em relação ao Estado israelense foi firme, e se não fosse por toda uma história de oportunismo precedente, poderia até parecer um ato de coerência e dignidade política por parte do governo cubano diante de uma entidade colonizadora e genocida. Mas os duplos padrões do castrismo nunca se fizeram esperar, e durante a década de 1990 a história mudaria exponencialmente.

Em 1978, o governo ordenou o fechamento dos locais da União Sionista de Cuba devido à proximidade da Cúpula dos Países Não Alinhados, realizada no ano seguinte em Havana, quando Castro assumiu a presidência. Antes, em 1975, patrocinou a resolução 3379, que declarava “sionismo igual a racismo”, a qual só seria revogada em 1992, sendo Cuba o único país não árabe a se opor. Curiosamente, segundo Jack Rosen, do American Jewish Congress, durante sua visita a Cuba em 1999, Fidel Castro lhe confessou desconhecer a postura adotada pela delegação cubana, a qual atribuiu à irritação diante do fato de que “Israel vota consistentemente ao lado dos EUA e contra Cuba em todas as questões discutidas na ONU”. As posições de Cuba nesse período em relação aos Estados Unidos e, por transitividade, ao seu principal enclave em Oriente Médio, Israel, foram mais frontais do que as da grande maioria dos países árabes ou islâmicos, que já buscavam novos aproximações ao Estado sionista. Assim, como indica López-Levy, Cuba se posicionou em uma zona mais acalorada em relação a Israel do que Turquia ou Jordânia e se opôs aos Acordos de Camp David com maior firmeza do que membros da Liga Árabe, como Marrocos, Arábia Saudita ou o Iraque de Hussein, chegando a propor, embora sem sucesso, a expulsão do Egito do MNOAL durante a Cúpula de Havana.

Ainda assim, os contatos políticos entre Cuba e organizações israelenses não cessaram. O Partido Comunista de Israel participou de congressos do Partido Comunista de Cuba (PCC), assim como grupos da “esquerda” sionista, como o MAPAM, visitaram a ilha. Na década de 1990, a história mudaria significativamente. Em 1990, em razão da visita de Dov Avital, chefe do departamento de América Latina do MAPAM, a imprensa oficialista cubana refletiu, pela primeira vez após a “ruptura”, a presença de um político israelense de filiação sionista na ilha. Dessa forma, os contatos de Cuba com a esquerda sionista foram reativados com convites a eventos, congressos e conferências. Após o colapso soviético e a crise consequente, a política externa cubana mudou drasticamente, centrando esforços em atrair investidores estrangeiros e novos parceiros comerciais. Isso possibilitou o início de um novo processo nas relações bilaterais entre Cuba e Israel, que durante aquela década favoreceu o estabelecimento de empresas e capital israelense na ilha, principalmente nos setores agrícola, têxtil, turístico e imobiliário.

O apoio israelense após o colapso soviético

No final do século, o vínculo se tornaria cada vez mais forte, dando início a um processo descrito por Mónica Pollack, chefe de relações internacionais do partido de esquerda sionista Meretz, da seguinte forma: “O fim da Guerra Fria libertou Castro da camisa de força anti-israelense”[vii]. Acrescentou que o governo cubano demonstrou interesse em restabelecer relações e em publicizar a liberdade de emigrar para Israel aos judeus cubanos, como gesto aos de outras regiões. Isso foi feito por meio da retomada do programa da agência judaica de emigração, pelo qual, entre 400 e 600 judeus da ilha foram autorizados pelo governo cubano e apoiados por Israel a se estabelecer em assentamentos ilegais de colonos nos territórios palestinos ocupados. Esse movimento, desenvolvido entre 1995 e 1999, foi chamado Operação Cigarro, e viabilizado através dos escritórios diplomáticos do Canadá em Havana. O acordo entre a Agência Judaica para Israel e o governo de Castro permaneceu em segredo por anos. Em dezembro de 1998, Fidel visitou a Sinagoga do Patronato do Vedado, onde ajudou a acender as velas de Hanucá. Atualmente, as fotos desse dia são exibidas nas paredes do Patronato.

Essa demonstração de aproximação do castrismo com a comunidade judaica de Cuba, que sempre manteve em sua maioria firmes posicionamentos sionistas, mais do que um gesto de tolerância religiosa por parte do governo, significou uma janela de oportunidades e garantias diante do cada vez mais presente e próximo mercado israelense, que desde o início da década havia se enraizado em vários setores econômicos da ilha. No mesmo ano de 1999, realizou-se o congresso da União Interparlamentar, ao qual se apresentou uma delegação israelense numerosa, presidida pelo ministro Meir Sheetret e por Zeev Boim, vice-presidente do Parlamento Israelense (Knesset) e deputado pelo partido de extrema direita Likud, atualmente no poder com o criminoso de guerra Benjamin Netanyahu.

Ainda naquele ano, a juventude do Meretz participou do Festival Internacional de Solidariedade, patrocinado pela União de Jovens Comunistas (UJC). Da mesma forma, durante a visita do Grande Rabino Ashquenazi de Israel em 1994, este insinuou trazer mensagens do então Ministro de Relações Exteriores, Shimon Peres, para Fidel Castro, provavelmente relacionadas à possibilidade de reassentar cubanos em Israel em troca de benefícios para alguns setores de interesse. A então diretora do Departamento de Assuntos Religiosos do PCC, Caridad Diego, comunicou ao Rabino Lau que “Cuba” aceitava com beneplácito as abordagens referidas e considerava com grande empatia as ajudas fornecidas por Israel.

Em 1997, a visita do Vice-Ministro da Indústria Pesqueira de Cuba, Enrique Oltuski Osaki, a Israel, por convite do político de direita e Ministro da Agricultura Rafael Eitan, abriu novas oportunidades entre Havana e Tel Aviv em diferentes áreas econômicas, que se estenderiam ao setor esportivo com a visita do Presidente do Comitê de Esportes israelense, visando a assinatura de novos acordos de colaboração esportiva entre aquela instância e o Instituto Nacional de Esportes, Educação Física e Recreação (INDER).

A década de 1990 foi a porta larga para investimentos israelenses em Cuba, principalmente no setor agrícola, onde especialistas se deslocaram a Havana para iniciar investimentos conjuntos no plano de cultivo de cítricos em Jagüey Grande. Ao mesmo tempo, cerca de quinhentos técnicos cubanos viajaram a Tel Aviv para receber orientação e treinamento, assim como para se reunir com o então Ministro da Agricultura, Ya’akov Tsur. Esse impulso foi conduzido por uma figura de enorme relevância na história de Israel: Rafi Eitan, ex-chefe de Operações do Mossad e posteriormente Ministro de Segurança Social de Ariel Sharon pelo partido Gil-Gimla’ey Yisrael LaKnesset de aposentados até 2009.

Eitan, junto a outros investidores israelenses ou judeus sionistas, estabeleceu em Cuba a empresa GBM Inc. Consulting & Trade Company, que reportou cifras multimilionárias para o castrismo e ajudou de forma significativa a enfrentar a situação durante o Período Especial. Ao mesmo tempo, o grupo israelense impulsionou negócios imobiliários que culminaram na criação da Inmobiliaria Monte Barreto S.A., empresa mista junto à estatal Cubalse S.A., responsável pela construção dos edifícios multipropósito do Miramar Trade Center. Nessa nova aposta da GBM, uma peça chave foi o argentino-israelense Enrique Rottenberg, artista visual que também é acionista e proprietário do segundo andar da Fábrica de Arte Cubano (FAC). Calcula-se que, desde 1993, os negócios em Jagüey Grande tenham gerado mais de seiscentos milhões de dólares, assim como o aluguel do complexo de escritórios do Miramar Trade Center, cerca de quatro milhões apenas em 1998, quando nem sequer estava concluída a metade de sua construção.

A GBM e o capital israelense dominaram a economia cubana no final do século para, posteriormente, se consolidarem como parceiros indispensáveis da gestão castrista. Seu poder foi tal que rapidamente se expandiram para o setor de telecomunicações, chegando ao ponto de administrar toda a infraestrutura informática. O governo cubano concedeu a essa empresa o primeiro lugar entre todas as que operavam no país na época. Nas palavras de Eitan: “graças à confiança que depositam em nós, nossa honestidade e nossa contribuição à economia do país”. Segundo diversas fontes e o próprio testemunho de Rafi Eitan sobre a GBM: “fora do setor do turismo, durante anos fomos a segunda maior empresa estrangeira em Cuba em termos do alcance de nossas atividades ali”.Mas para essa parte, precisaremos de uma nova entrega.