Federação Nacional de Estudantes de Jammu e Caxemira (JKNSF)
As estradas da Caxemira controlada pelo Paquistão transformaram-se em campos de batalha da resistência. O que começou como uma mobilização pacífica em torno de uma pauta de 38 reivindicações converteu-se em uma insurreição popular contra a elite governante. A polícia local, junto com a Polícia de Islamabad, a Polícia de Fronteira, a Polícia de Punjab e os Rangers, foi enviada à Caxemira para reprimir as manifestações. Desde 28 de setembro, foi imposto um apagão total e um toque de recolher digital, com bloqueio completo da internet. Segundo relatórios, até o momento onze manifestantes foram mortos e dezenas ficaram feridos em diferentes partes da Caxemira sob controle paquistanês.
O Comitê Conjunto de Ação Awami de Jammu e Caxemira (JAAC) — uma ampla coalizão de trabalhadoras, massas populares, comerciantes, estudantes e transportadores — convocou uma greve geral e bloqueios no dia 29 de setembro em apoio ao conjunto de 38 demandas. As reivindicações incluíam a abolição dos assentos destinados a refugiados na assembleia, isenções fiscais, acesso gratuito à saúde e à educação, oportunidades de emprego justas para a juventude local e o fim dos privilégios obscenos de que goza a elite política, burocrática e judicial. A greve paralisou a vida cotidiana na Caxemira controlada pelo Paquistão, com forte participação popular. Quando o governo desdenhou o chamado, considerando-o insignificante, o JAAC redobrou a aposta e anunciou uma marcha prolongada até Muzaffarabad, capital da Caxemira paquistanesa, para 30 de setembro.
A resposta do governo foi o uso de força bruta, o bloqueio de internet e a tentativa de criminalizar a mobilização. Em 1º de outubro, confrontos em Palak, Dadyal, Dhirkot e Muzaffarabad deixaram ao menos onze mortos e dezenas de feridos. No momento em que este informe é escrito, continuam a chegar notícias de mais pessoas martirizadas. Esses assassinatos seguem-se a dias de repressão sistemática, incluindo ataques armados a manifestantes por grupos fundamentalistas alinhados ao establishment. Desde 28 de setembro, o bloqueio total das comunicações isolou a população do resto do mundo.
Essa rebelião não pode ser reduzida a uma disputa por subsídios. Em sua essência, trata-se de uma revolta contra a exploração estrutural de seus recursos. A energia hidrelétrica é gerada na região, mas seus benefícios fluem para o Paquistão continental, enquanto políticos, burocratas e juízes paquistaneses usufruem de privilégios desmedidos. O peso dos impostos recai sobre pequenos comerciantes e trabalhadoras, enquanto a corrupção e o clientelismo dominam o governo. Todo o aparato estatal opera sob o Artigo Colonial 74 da Constituição paquistanesa, que não pode ser emendado sem aprovação do Governo do Paquistão — deixando o povo da Caxemira sob domínio paquistanês sem voz nem soberania.
Entre as 38 reivindicações está o fim dos 12 assentos reservados na assembleia legislativa para refugiados que migraram de Jammu e Caxemira para o Paquistão entre 1947 e 1948. Esses assentos são um mecanismo deliberado de controle, pois diluem a representação local e asseguram que as instituições políticas da região permaneçam subordinadas.
As denúncias levantadas pelo movimento expõem as contradições de um sistema projetado para extrair riqueza ao mesmo tempo que nega qualquer prestação de contas. A indignação popular não se dirige a um político ou instituição específica, mas a todo o aparato de exploração — a aliança da elite governante composta por políticos, burocratas, juízes e interesses militares que lucram com o domínio colonial. A repressão violenta das manifestações pacíficas revelou, mais uma vez, a natureza do Estado que, como disse Engels, não é mais que “uma força coercitiva especial”.
O programa de 38 pontos representa o despertar político de um povo a quem durante muito tempo foi negada qualquer agência. De um lado, está a classe dominante compradora sustentada pelo Paquistão, cuja própria existência depende da dominação colonial e da preservação do status quo; de outro, estão trabalhadoras, pequenos comerciantes, camponesas e jovens desempregados que exigem o fim do governo extrativista, a soberania popular e o controle sobre os recursos do Estado.
O apagão imposto à Caxemira paquistanesa não é apenas uma medida técnica: é uma tentativa de impedir que as notícias da violência estatal cheguem à classe trabalhadora internacional, espalhem solidariedade e desmontem a propaganda oficial. A mídia corporativa já retratou o movimento como uma “greve fracassada” ou até o rotulou de “agenda estrangeira”. Mas, sobretudo, o apagão visa impedir qualquer possibilidade de solidariedade de classe. Centenas de milhares de trabalhadoras migrantes e famílias no exterior seguem isoladas de seus parentes, e sua única fonte de informação são relatos dispersos de assassinatos e prisões.
Com a decisão do JAAC de seguir com a marcha a Muzaffarabad, a confrontação tende a se aprofundar. Se Islamabad se recusar a abolir os assentos de refugiados, pôr fim aos privilégios da elite e atender às reivindicações, a escalada será inevitável. As trabalhadoras e trabalhadores da Caxemira controlada pelo Paquistão já demonstraram disposição para desafiar os toques de recolher, resistir aos apagões e enfrentar as balas. Somente um recuo reformista das lideranças — ou o recurso do Estado aos assassinatos em massa — pode impedir a vitória das massas, mas nem mesmo isso conterá por muito tempo a maré que se levanta. Esse movimento não recuará fácil nem pacificamente, pois o povo já testemunhou as insurreições no Nepal e em Bangladesh, e comparações desse tipo já circulam abertamente nas ruas.
Os caxemires no exterior já começaram a organizar protestos diante de consulados e embaixadas do Paquistão em várias partes do mundo. Para a esquerda internacional, a solidariedade com esse movimento é uma necessidade urgente. As forças de esquerda devem amplificar as vozes das massas oprimidas da Caxemira sob controle paquistanês e exigir o fim imediato dos assassinatos e do bloqueio de comunicações em Jammu e Caxemira, bem como o atendimento das reivindicações do JAAC.
Do mesmo modo, as massas trabalhadoras do Paquistão seguem sendo a fonte mais poderosa de solidariedade. Como afirmou um dos principais dirigentes do JAAC, Sardar Amaan Khan: “Esta também é a sua luta. Unamos nossas mãos pela vitória!”




