A insurreição de abril de 2018 começou como resposta a reforma previdenciária que Ortega-Murillo pretendiam impor com o apoio do Fundo Monetário Internacional. Novamente, Daniel e Rosario mostraram sua cara mais pró-imperialista em detrimento da população nicaraguense, mostrando ser o oposto de um governo de esquerda.
As manifestações rapidamente mudaram de consignas, devido a violenta repressão governamental através da polícia; exigiam a renuncia de Prtega e Murillo do poder, iniciar um processo de aplicação da justiça para as vitimas, e a democratização profunda do Estado. A juventude nicaraguense foi a vanguarda dos protesto, com participação especial dos estudantes, que diante das balas disparadas pela Polícia Nacional, se organizaram em diferentes centros universitários, e levantaram barricadas junto com a população. O movimento camponês anticanal que vinha combatendo a política entreguista do partido governista desde 2013, realizou bloqueios de estradas em todo o território nacional. Em maio do ano passado, os setores sociais em resistência, juventudes e o campesinato junto com a população periférica e trabalhadora travaram 85% do país. Desde abril, os crimes de lesa-humanidade da ditadura tem deixado um saldo de mais de 500 assassinatos segunda a ANPDH (1). Ao menos 780 pessoas são presas políticas segundo números do Comitê Pró Liberdade de Presas e Presos políticos; milhares de pessoas feridas, um número indeterminado de desaparecimentos forçados e mais de 70 mil pessoas exiladas.
O diálogo da impunidade: nosso repúdio
Duas tentativas de diálogos nacionais se configuraram neste ano de resistência tentativa. O primeiro, de maio a junho de 2018. Nessa ocasião, Ortega estava contra a parede e pressionado pela mobilização popular massiva; o resultado foi nefasto: a ditadura se oxigenou e executou a “Operação Limpeza” preparada por Ortega e Murillo. Um operativa de escala nacional entre a Polícia Nacional e grupos paraestatais dirigidos pelo partido FSLN, que através de balas e terror esmagaram a mobilização, as massivas marchas, bloqueios, barricadas e o entrincheiramento das universidades e cidades. Apesar da clausura desta mesa, as relações entre empresariado e ditadura se mantiveram. Os grandes empresários que co-governam com Ortega desde 2007, tem sido o maior obstáculo na luta popular contra a ditadura assassina. Em fevereiro de 2019 se conheceram encontros entre os maiores empresários e a ditadura, que anunciaram a reabertura do diálogo, desta vez de portas fechadas, com maioria empresarial, e a presença do núncio apostólico do Vaticano; um espaço oposto aos setores oprimidos. O objetivo nesta ocasião é preparar uma transição pactuada com os criminosos do regime, boicotando a mobilização popular e atrasando prisões/sansões internacionais. A empresa privada através da Aliança Cívica pela Justiça e Democracia, junto ao Vaticano querem lavar o rosto do regime por meio da assinatura de acordos em papel molhado, onde a ditadura se compromete a respeita os direitos estabelecidos na constituição nicaraguense; para tentar evitar que a população se revolte massivamente nas ruas e termine acabando com o regime e os interesses dos poderosos. As presas e presos políticos levaram a pior parte da repressão, pois inúmeras denuncias de torturas inumanas saem das cadeias do regime. Mas elas e eles resistem, não os vão calar. Organizaram dentro da prisão, ações que escapam das grades para nos lembrar seu compromisso, para que não nos rendamos, para que não negociemos sobre suas liberdades, nem o sangue de nossas irmãs e irmãos assassinados. Como é o caso das 8 presas políticas que realizaram uma greve de fome de 27 de fevereiro até 13 de março de 2019. O motivo desta ação radial foi denunciar que estavam sendo “usadas” como moeda de troca nas negociações. As presas políticas, já tinham feito de tudo, apenas lhes sobrou suas saúdes para serem escutadas, para exigir sua liberdade imediata e para denunciar o novo pacto em processo, diante de nossos olhos. Também denunciaram ao núncio que pediu para as presas abandonarem sua greve porque “interrompeu as negociações”.
Retomar a mobilização e construir uma alternativa política
Não há diálogo possível com a ditadura e o setor empresarial para garantir todas as liberdades que a população nicaraguense demanda, assim como a aplicação de justiça real e integral para as vítimas do terrorismo do Estado e o início da refundação da Nicarágua. Não queremos diálogo para salvar o regime e preservar seus privilégios. A liberdade das nossas irmãs e irmãos prisioneiros políticos não são nenhuma moeda de troca, nem ponto de negociação. Tampouco iremos alcançá-las através de eleições antecipadas para escolher um novo governo que administre a pobreza, a miséria e a injustiça capitalista em nosso país. A transformação profunda da Nicarágua será possível através da mobilização massiva da população nas ruas, com eleições para uma Assembleia Constituinte Livre, Soberana e Democrática. Um espaço deliberativo onde o povo discuta tudo sobre novas bases econômicas, sociais e políticas; sem pactos de cúpulas, com o povo mobilizado e empoderado. É urgente construir um programa de ruptura com o FMI; que estabeleça condições reais de investimento para salários, acesso a educação e saúde de qualidade, terra para quem a trabalhe com reforma agrária; abertura dos arquivos da ditadura; acabar com seu aparato repressivo; implementar uma reforma judicial e política; com funcionários com mandato revogável e sem privilégios, onde os juízes e cargos diretivos sejam eleitos pelo povo; e separar a Igreja do Estado. A população em geral, e em especial as vitimas primárias dos crimes de lesa-humanidade, como são as presas e presos políticos, e as e os mortos, suas famílias, das quais muitas se encontram organizadas no Comitê Pró Liberdade e Associação Mães de Abril merecem uma justiça real, por meio de quatro pilares chaves: Memória, Verdade, Reparação Integral e Não Repetição de crimes de lesa-humanidade, nem terrorismo do Estado. E por isso é imprescindível o julgamento e condenação de Ortega-Murillo e demais criminosos de lesa-humanidade. Para toda esta agenda é fundamental uma Constituinte e uma saída de poder independente de capitalistas, repressões e o Vaticano. Nosso proposito tem que ser lutar por um governo de uma população trabalhadora, o campesinato e a juventude que colocaram os corpos e a vida nesta insurreição. Para isso, é imprescindível colocar de pé uma organização anticapitalista, feminista e internacionalista. Neste sentido, chamamos todo o ativismo juvenil, todos os movimentos sociais e territoriais na Nicarágua e o exilio a tomar todas estas medidas em suas mãos. Nossos jovens nicaraguenses, exilados e militantes da corrente Anticapitalistas em Rede levantamos esta estratégia para a Nicarágua, a região e o mundo.
Elmer Rosales / Ariana McGuire
Estudantes nicaraguenses, militantes Anticapitalistas em Rede
1. Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos