Argentina: abre-se um novo cenário político com Milei. O que faremos à esquerda?

O triunfo de um candidato de extrema direita e negacionista [1] criou preocupações entre milhares de trabalhadores e jovens. Não é de surpreender. O teor de suas propostas e ideias reacionárias chocam frontalmente contra os direitos sociais e democráticos mais elementares que nós, da esquerda, defendemos.

Por Cele Fierro e Sergio García

A primeira posição política, e inequívoca, é estarmos na oposição aberta desde o primeiro dia do governo de Javier Milei. Não de forma discursiva, mas na prática diária, confrontando cada uma de suas medidas de austeridade e possíveis tentativas de cortar direitos ou conquistas coletivas, como a lei do aborto, entre outras. Como símbolo e mensagem direta contra um governo negacionista, nesta quinta-feira estivemos na Plaza de Mayo acompanhando a ronda de Las Madres, para que o próximo governo saiba que, ao querer perdoar pelo genocídio, ou falar sobre “excessos”, onde definitivamente houve genocídio, não passarão!

Se as primeiras declarações de Milei já apontam para um forte ajuste e planos de privatização, nossas primeiras tarefas são denunciar esses planos e começar a organizar todas as lutas. É por isso que nos solidarizamos com os trabalhadores da imprensa e apoiamos o início de sua luta contra a privatização da TV Pública, da Rádio Nacional e da Telam. Estaremos ao lado dos trabalhadores do Estado se eles não quiserem pagar o décimo-terceiro salário ou atacarem os trabalhadores terceirizados, cortando os orçamentos da saúde, da educação e de diferentes ministérios. Construiremos todas as lutas necessárias, desde o primeiro dia, contra o governo de Milei e Villarruel. Não facilitaremos para esses retrógrados antidireitos.

Uma convocatória para construir algo novo

A chegada de Milei ao governo é claramente um subproduto do desastre causado pelo governo peronista nos últimos quatro anos. Seus candidatos, líderes e funcionários podem inventar qualquer tipo de desculpa, mas a realidade é uma só: deveriam ter governado para acabar com o pior do Macrismo, mas passaram quatro anos administrando o modelo de ajuste de Macri, com o FMI e sua dívida ilegal incluídos [2]. Pela mesma razão, não serão eles que enfrentarão Milei. Como em outros momentos, haverá imobilidade e negociações, que já começaram com reuniões em um clima de cordialidade para a mudança de governo.

Portanto, agora que uma nova etapa política está começando, é hora de convocar milhares de trabalhadores e jovens a não desperdiçarem mais um dia sequer apoiando projetos do PJ ou ligados a esse partido repleto de fracassos. É hora de ousar fazer outra coisa, algo novo e diferente. Mas só será diferente e alternativo se for com a esquerda, que é o único setor político verdadeiramente comprometido com os interesses da classe trabalhadora e do povo e sem qualquer responsabilidade pelos desastres cometidos até agora.

Juan Grabois disse há alguns dias que não devemos nos resignar e que pessoas muito melhores voltarão. Não, Juan! Essa história já foi repetida várias vezes e sempre termina como uma história de terror! Aqueles que foram embora ajustando contra as pessoas e amarrando o país ao Fundo não voltarão melhores. É necessário construir por fora dessas estruturas velhas e estagnadas que são cúmplices das grandes corporações capitalistas. Aqueles que dizem que estão lutando por um país diferente, soberano e independente, sem o FMI, precisam romper com o PJ ou continuarão a ser cúmplices também. Não há outro caminho se quisermos ser coerentes.

Presente e futuro da FIT-U

A Frente de Esquerda e de Trabalhadores – Unidade (FIT-U) é uma conquista política da unidade da esquerda que, não por acaso, tem o apoio de centenas de milhares de trabalhadores e jovens e reflete o apoio dos setores da vanguarda e do ativismo. Reivindicamos o lugar que conseguimos conquistar e onde somos protagonistas. Ao mesmo tempo, criticamos muitas de suas formas e limites autoimpostos por visões ligadas ao eleitoralismo e ao hegemonismo.

O fato de não termos uma política comum nas urnas mostra, na prática, os limites da nossa frente e a falta de canais de debate e participação real com a militância e nossos apoiadores, para tratar dessas questões de grande importância. Predominou posições mais pelo voto branco, por parte do PO e do PTS, e outra da IS, de capitulação a Massa, e perdeu-se a oportunidade de ter uma política comum que sintetizasse um papel ativo contra Milei, dos que queriam sua derrota sem cair no apoio político para Massa, como defendemos no MST.

Com o novo cenário, também chegou a hora de a FIT-U modificar e se aperfeiçoar. A FIT-U deve assumir sua tarefa de se posicionar como uma alternativa, lutando de verdade e com unidade em todas as áreas da luta, ou o tempo a enfraquecerá. Se quisermos melhorar qualitativamente, não há mais espaço para posturas hegemonistas ou para um curso de adaptação eleitoral. Ainda há tempo se abrirmos um debate claro, profundo e democrático entre todos os militantes da frente, para discutir e tentar chegar a um acordo sobre as tarefas políticas necessárias diante do novo governo.

Para isso, devemos abrir a possibilidade de convocar atividades e grandes assembleias da militância. Convocar simpatizantes e amigos. Convocar milhares de trabalhadores e jovens decepcionados com o peronismo para que venham com a esquerda fortalecer essa alternativa. Devemos abrir canais reais para todos aqueles que queiram fazer parte de nossa frente. Devemos construí-la com uma posição sólida em cada questão e em cada luta, acompanhando nosso programa anticapitalista e socialista para um governo dos trabalhadores. Tudo isso é muito necessário para que a frente realmente tenha um futuro.

Lhe fazemos um chamado: organize-se conosco!

Milei venceu e, em setores importantes da população, deixou preocupação, raiva, indignação e receio sobre o que virá. Compartilhamos esse sentimento e, ao mesmo tempo, o transformamos em ação militante, em rebelião, em luta organizada em todos os campos. Nossa tarefa é nos prepararmos completamente e com todas as nossas forças para os grandes confrontos sociais.

Por isso, você que nos acompanhou em agosto e outubro com seu voto, você que não quis Milei como presidente, você que vai defender seus direitos em cada local de trabalho, estudo e bairro popular, o convidamos para se organizar conosco. Precisamos de um partido socialista e revolucionário maior e mais forte para intervir na luta de classes e continuar a levar adiante uma luta de ideias dentro da FIT-U. Para travar essas batalhas, convidamos você a somar conosco. Temos a oportunidade de mostrar que, contra Milei, estamos na linha de frente e, para isso, precisamos ser milhares e estarmos organizados, ser muito melhores. Transforme sua raiva em luta política organizada. Isso é decisivo para o futuro.

Notas:

[1] Milei nega o genocídio cometido pela última ditadura militar (1976-1983), minimizando os crimes contra a humanidade e questionando que o número de pessoas desaparecidas pela ditadura seja de 30.000, que é amplamente reconhecida. Sua vice-presidente vai além, defendendo as ações da ditadura e trabalhando para libertar os genocidas presos.

[2] O líder de direita Mauricio Macri governou de 2015 a 2019. Durante seu mandato, pediu o maior empréstimo do FMI na história do Fundo, que foi inteiramente destinado à fuga ilegal de capitais pelos amigos empresários de Macri. O peronista Alberto Fernández ganhou a presidência em 2019 com uma campanha focada na reversão do modelo neoliberal de Macri e havia denunciado especificamente esse empréstimo como ilegal. No governo, reconheceu a dívida e cumpriu com seus pagamentos.