Palestina: Genocídio, resistência e trégua

Nas últimas horas, foi anunciada uma trégua de quatro dias entre o governo israelense e o Hamas com a troca de reféns israelenses, mantidos pela organização de Gaza, por palestinos presos pelo regime sionista. Esse breve cessar-fogo, obtido por meio da mediação do Egito e do Catar, é produto da resistência heroica e da solidariedade internacional.

Por Gustavo Giménez

A trégua, que entrou em vigor a partir de quinta-feira, 23/11, às 8 GMT, tem como objetivo facilitar a troca de prisioneiros. Os palestinos libertarão 50 reféns, incluindo crianças e mulheres, em lotes ao longo de quatro dias, e o opressor israelense libertará 150 prisioneiros palestinos. Como parte do acordo, não haverá movimentação de tropas israelenses ou veículos blindados dentro da Faixa, e não haverá movimentação de aeronaves e drones. A entrada de 300 caminhões de ajuda humanitária por dia também será facilitada, permitindo a entrada do combustível necessário para o funcionamento da eletricidade e dos serviços básicos.

Após 46 dias de ataques assassinos contra a Faixa de Gaza, com bombardeios genocidas e invasões terrestres, esse cessar-fogo momentâneo modificou o que parecia ser uma decisão fechada do governo de Netanyahu de não interromper o curso de sua escalada de guerra contra a população palestina. Há limitações para o que foi acordado: os palestinos expulsos pelo bombardeio para o sul da Faixa não poderão voltar para suas casas no norte, e Israel não trocará prisioneiros acusados de atacar israelenses. Embora ambos os lados afirmem que continuarão com suas ações, a interrupção momentânea do ataque sionista é uma conquista da resistência palestina e da solidariedade mundial.

Ao contrário das mensagens conciliatórias, como a de que a trégua poderia ser estendida se o Hamas libertasse 10 reféns israelenses todos os dias, a verdade é que o gabinete de guerra continua com seus bombardeios e ataques até o último momento, mesmo que a trégua tenha sido acordada a partir da quinta-feira. Na quarta-feira, dia anterior, um novo bombardeio causou 50 vítimas da mesma família no campo de refugiados de Jabalia, outras entre a população civil do campo de refugiados de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, acrescentando ao bombardeio do campo de refugiados de Tulkarem, na Cisjordânia ocupada, que totalizou cerca de 100 palestinos mortos nas últimas 24 horas antes da trégua. A escalada sionista já matou “um total de 14.128 pessoas, com mais de 5.840 crianças que perderam suas vidas pelos bombardeios pesados. Além disso, mais de 6.800 pessoas, incluindo pelo menos 4.500 crianças, continuam desaparecidas sob os escombros, mergulhando a população em uma crise humanitária sem precedentes” [1].

Os ataques israelenses deixaram um enorme rastro de destruição que tornou a maioria dos hospitais inoperantes – nesta semana, os soldados de ocupação desocuparam o Complexo Médico Al Shifa, deixando dezenas de bebês prematuros em situação desesperadora. O bombardeio devastador destruiu total ou parcialmente 83 mesquitas, 3 igrejas, 100 prédios governamentais, 266 escolas e 67 instalações de agências da ONU, afetando parte da infraestrutura essencial da Faixa.

Na Cisjordânia, onde ocorreram fortes confrontos no campo de Jenin, 218 palestinos foram mortos pelo exército israelense desde 7 de outubro. Uma das vítimas favoritas do ataque sionista tem sido o jornalismo: 60 jornalistas já foram mortos. Os dois últimos foram mortos no Líbano, em um ataque planejado. Também foram mortos no bombardeio 108 trabalhadores da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA).

Apesar dessa devastação e genocídio, o exército sionista não conseguiu obter vitórias militares definitivas contra a resistência das milícias palestinas que, com muito menos poder de fogo, infligiram baixas às tropas sionistas. Ações no estilo de guerrilha, apoiadas pelo conhecimento do terreno e por uma rede de túneis que não pode ser substancialmente liquidada externamente, com bombas que penetram no concreto até 30 metros e outros dispositivos de detenção sofisticados, resistiram ao avanço israelense.

Apesar da propaganda sionista de que as tropas dominaram o norte da Faixa e a Cidade de Gaza, a verdade é que o exército israelense está enfrentando forte resistência. Fala-se na perda de 30 tanques Merkava de última geração e há as declarações do jornalista israelense censurado que afirma ter visto dezenas de cadáveres de soldados no hospital em Tel Aviv.

Apesar da traição das burguesias árabes e das declarações do líder do Hezbollah libanês, que atua em união com o Irã, de que não quer se envolver em uma guerra prolongada com Israel, o conflito ameaça ampliar regionalmente. Durante a semana, houve o sequestro de uma embarcação israelense no Mar Vermelho pelos rebeldes Uthies do Iêmen e os EUA sofreram bombardeios em uma base militar na Síria, forçando-a a responder ao ataque. Isso se soma à troca de tiros na fronteira com o Líbano.

As razões para a mudança israelense e o cessar-fogo

Vários fatos convergem para o acordo. Por um lado, a enorme e heroica resistência palestina que, apesar do genocídio da população civil, não desistiu e, por outro lado, a enorme mobilização da solidariedade internacional pelaa Palestina, que age sobre os governos e pressiona suas posições.

Há 77 países na região árabe, na América, na Europa e na Ásia onde ocorreram mobilizações de solidariedade. No último sábado, 11 de novembro, o povo britânico deu o recado, quando uma mobilização estimada em um milhão de pessoas atropelou as proibições e ameaças do governo imperialista. Na Argentina, diferentes ações de solidariedade e, nos últimos dias, as declarações do músico Roger Waters confrontaram as ameaças sionistas.

Cada vez mais governos estão exigindo o fim do genocídio: além do rompimento das relações com a Bolívia e da retirada de embaixadores de vários países, esta semana houve declarações duras dos países do BRICS. Os EUA, que são os principais apoiadores políticos e militares do governo israelense, desempenharam um papel importante na obtenção dessa trégua.

De acordo com relatos da mídia, Netanyahu, que tem sofrido considerável pressão das famílias dos reféns para implementar o atual acordo de cessar-fogo, está enfrentando forte descontentamento dos partidos de ultradireita que compõem sua coalizão governamental, que veem um grave erro nessa trégua momentânea.

Alguns analistas, como Zoran Kusavac, da AlJazzera, argumentam que Israel também está ficando sem bombas inteligentes e mísseis e precisa se reabastecer com os EUA: “há relatos confiáveis que escapam da rede de sigilo militar de que a Força Aérea Israelense (IAF) está ficando sem bombas inteligentes”, “só resta 10 dias de estoques” [2].

A mídia especula que a implementação dessa trégua poderia ser estendida, dando origem a um cessar-fogo mais longo, desacelerando a ofensiva atual e dando fôlego aos setores, como os EUA e as burguesias árabes, que estão buscando uma solução política para o conflito em um acordo com a ANP e diferentes governos da região, para evitar que o conflito atual se aprofunde e se transforme em uma guerra regional.

De qualquer forma, além das variantes táticas do imperialismo, a resistência palestina está passando por um teste difícil que, se for mantido, pode trazer uma derrota política para o governo do assassino Netanyahu, para seus capangas sionistas e toda a estratégia imperialista na região. Mais do que nunca, a solidariedade internacional deve abraçar o heroico e oprimido povo palestino!

Notas:

[1] “Restricted access to humanitarian aid is used as a weapon of war against the population of the Strip” [Acesso restrito à ajuda humanitária é usado como arma de guerra contra a população da Faixa de Gaza], Kaosenlared 22/11/2023.

[2] “Analysis: How Israel could benefit from a pause in the Gaza war” [Análise: Como Israel poderia se beneficiar de uma pausa na guerra de Gaza], ALJAZZERA 21/11/2023.