Por Ana-Marcela Montanaro [1].
Na Costa Rica, a letalidade da violência feminicida aumenta, tanto em frequência quanto em crueldade. A violência machista não é apenas um produto do patriarcado sem sobrenome; a violência feminicida é um problema que está ligado à mistura letal e imbricada do patriarcado, ao avanço das políticas neoliberais e às diferentes expressões da colonialidade. A violência feminicida destrói a vida das mulheres, especialmente as mais empobrecidas material e simbolicamente; ela nos despoja de nossos corpos-territórios e nos assassina.
Um grupo de organizações e ativistas apresentou um documento exigindo que o INAMU declare uma emergência nacional devido ao aumento de feminicídios e que os recursos e as políticas sejam priorizados. Além disso, exigem que a ministra se comprometa com as mulheres, atue com independência e não como um instrumento do Executivo. Que o Estado assuma a responsabilidade e garanta a proteção das mulheres.
O aumento do número de feminicídios na Costa Rica não é responsabilidade apenas de uma instituição, nem apenas de Cindy Quesada, a atual Ministra da condição da mulher e que trabalha lado a lado com a presidente do Instituto Nacional das Mulheres (INAMU), Yerlin Zúñiga Céspedes.
O INAMU, nem antes nem agora, tem buscado transformações feministas estruturais, mas sim, desde sua criação em 1998, tem colocado em prática remendos assistenciais dentro do marco do neoliberalismo crioulo e dos mandatos das organizações financeiras internacionais, limitando sua capacidade de gerar transformações feministas estruturais.
Desde a sua criação, no final da década de 1990, o INAMU tem se dedicado a desenvolver políticas públicas em questões de gênero, equidade de gênero, empoderamento e, mais recentemente, “empreendedorismo”: uma longa lista de políticas públicas destinadas a tirar as mulheres da pobreza e inseri-las no mercado e nos marcos de uma narrativa feminista de direitos humanos próxima ao neoliberalismo, um feminismo que chamo de feminismo da prosperidade, com o objetivo de que as mulheres entrem nas dinâmica neoliberal.
Quase trinta anos de INAMU e hoje na Costa Rica há uma abundância de políticas públicas e legislação sobre “questões de gênero” e leis contra a violência contra a mulher. Nem as políticas públicas nem as leis conseguiram deter o avanço da desigualdade e da exclusão social, nem freiaram a violência sistemática contra as mulheres. Essa realidade não é apenas resultado da incapacidade de uma ministra, mas da engrenagem estatal que sustenta e reproduz a violência estrutural.
Nas últimas semanas e a partir de alguns setores do ativismo, com o apoio das maiorias das frações legislativas do PLN, PUSC e Frente Ampla, foi votada uma moção exigindo a renúncia da ministra Quesada.
Repete-se que a senhora ministra está inapta para exercer o cargo e por alguma parte do ativismo, diz-se que “o Estado falhou e o INAMU também” em proteger a vida das mulheres; tudo isso é discutível.
É verdade que a ministra não tem uma sólida formação em feminismo, nem um percurso no ativismo. Entretanto, ela não é a primeira ministra da condição da mulher ou presidenta do INAMU a desconhecer as bases feministas e, quando as possuem, exerceram seus cargos de acordo com os postulados neoliberais de cada administração.
É verdade que a ministra Quesada, demonstrando sua ignorância, desqualificou as organizações que denunciam a situação da violência machista, qualificando-as como “radicais”, e se recusou a declarar uma emergência nacional, pois diz que não é responsável pelo que está acontecendo.
O INAMU faz parte do Estado; é uma instituição que responde aos governos de turno. Ao longo de sua história, suas presidentas e ministras da condição da mulher têm sido co-responsáveis pelo aprofundamento do neoliberalismo crioulo. A ministra Cindy Quesada, assim como suas antecessoras, responde às políticas violentas e classistas promovidas pelo governo de turno.
A atual ministra é apoiada pelo presidente Rodrigo Chaves, um homem misógino e violento, que pouco difere dos anteriores; este, no entanto, não esconde a violência nem mantém em seu discurso o politicamente correto. No entanto, essa ministra, como as anteriores, responde a mandatos do governo. Este e os governos anteriores são igualmente patriarcais, classistas, racistas e violentos, com seu crioulismo embutido. Todos eles – PAC, PLN, PUSC e agora Chaves – minaram os direitos sociais e a coesão social, aprofundaram a precariedade da vida e as condições necessárias para uma vida digna, o que tem impacto no aumento e na letalidade da violência feminicida.
Além disso, Rodrigo Chaves, em consonância com o autoritarismo crioulo e refletindo a tendência global do avanço da direita política autoritária, não apenas normaliza, mas também aprofunda a violência estrutural e o neoliberalismo, o que contribui para o aumento da violência feminicida.
A ministra diz que aqueles que exigem sua renúncia estão praticando violência política contra ela. Ela está equivocada. Violência política é a frase repetida quase como um mantra por mulheres em cargos políticos para evitar serem questionadas e para evitar o forte debate de ideias. Não, ministra Cindy Quesada, não se trata de violência política contra a senhora.
As exigências para a renúncia da Ministra Quesada refletem uma disputa política mais ampla. O que existe atualmente na Costa Rica com relação ao INAMU é uma disputa política sobre a hegemonia de uma instituição que se disfarça de ativismo feminista.
Subjacente à demanda pela renúncia da atual ministra do INAMU está uma disputa pelo poder de uma narrativa feminista e pela manutenção do status quo de muitas feminocratas que, em “nome dos direitos das mulheres”, aprofundaram a exclusão social, o neoliberalismo e a pobreza, corresponsáveis pelo aumento e pela letalidade da violência feminicida.
Feminocratas, como diz Hester Eisenstein, são mulheres feministas que ocupam altos cargos técnicos ou políticos em governos e em ONGs financiadas pelo Estado e pela cooperação internacional; especialistas em gênero, aquelas feministas afluentes que, em “nome dos direitos das mulheres”, dão poder à direita política, como bem aponta Sara Farris.
As feministas da prosperidade, do gênero empoderado e do punitivismo; As feministas que pedem mais prisão, que pedem segurança e não liberdade, mais punição para os agressores e não para a boa vida, as mesmas feministas que, como líderes do movimento LGTBI, aplaudem figuras como Ana Helena Chacón, Carolina Hidalgo, Laura Chinchilla, as ex-diretoras do INAMU e outras mulheres que falam sobre direitos humanos, gênero e feminismo, enquanto, ao mesmo tempo, fazem parte dos governos neoliberais e corruptos no poder, esvaziando o feminismo de sua força transformadora e convertendo-o em um feminismo institucional progressista aliado ao neoliberalismo crioulo; reduzindo-o a meras bandeiras de identidade, à “política de gênero”, a uma sororidade abstrata, um “feminismo da prosperidade” esvaziado de transgressão.
Há diferentes expressões feministas; há feminismos hegemônicos e feminismos aliados ao poder, mas também há feminismos periféricos, contra-hegemônicos e críticos. Perspectivas feministas daqueles de nós que consideram que o sistema não é apenas patriarcal, mas que o capitalismo tem sobrenomes: é um patriarcado-capitalista-colonial, não em uma multiplicidade de fragmentos, mas imbricados. Feministas que se concentram além do institucionalismo e do marco formal de direitos.
A crítica não deve se limitar à figura da ministra, mas à lógica institucional que prioriza a assistência superficial em detrimento de mudanças estruturais.
Pensadoras e ativistas como Silvia Federici, Nancy Fraser, Breny Mendoza, Silvia Rivera Cusicanqui, María Galindo, Françoise Vergès, Rita Segato, apontaram, a partir de diferentes perspectivas feministas, críticas como as que descrevo e destacaram a importância de articular lutas feministas que transcendam o institucionalismo e confrontem as raízes sistêmicas da violência contra as mulheres. Na Costa Rica, esta perspectiva é essencial para imaginar alternativas reais que não dependam unicamente do aparato estatal.
Questiono os discursos e a prática dos feminismos aliados ao poder neoliberal-colonial crioulo. Esses feminismos que buscam a “prosperidade das mulheres” que se revestem de progressismo neoliberal e de feminocracia.
Não estou desmerecendo o trabalho das funcionárias públicas do INAMU, conheço muitas delas e as considero trabalhadoras comprometidas, mas uma coisa é certa: do INAMU, das políticas públicas de equidade de gênero e atenção à violência, vivem muitas “feministas da prosperidade”, “femocratas” que vivem de consultorias muito bem remuneradas, de viagens, vinculadas a organizações de direitos humanos; feministas da prosperidade urbana, acadêmicas, “muito acadêmicas”, que vivem da história do gênero empoderado, próximo ao poder político, acadêmico ou econômico e com enorme presença em diferentes espaços sociais e com grande poder simbólico nos espaços acadêmicos e políticos.
As deficiências do INAMU não são novas, não são apenas responsabilidade desta administração e de seu pessoal pouco apresentável, mas são de longa data. A atenção do INAMU à violência está em retrocesso há algum tempo. Não, não é apenas responsabilidade do governo Chaves e de Cindy, é parte de um processo de debilitamento do Estado social de direito e das políticas que fazem algum sentido social.
Tanto Cindy quanto as ministras e presidentas executivas anteriores são e foram diretamente responsáveis pela deterioração das condições de vida das mulheres, pela exclusão social e pelo aprofundamento do neoliberalismo com sotaque crioulo. Elas e as feministas da prosperidade crioula contribuíram para o avanço da letalidade da violência feminicida.
A disputa pelo controle do INAMU, a “aposta na institucionalidade” e a renúncia de Cindy Quesada são insuficientes para enfrentar a violência machista e feminicida e, a longo prazo, são um erro.
A solução para a violência feminicida não está em mudanças de dirigentes ou reformas institucionais, mas na construção de movimentos sociais fortes, autônomos, com senso de classe e capazes de disputar o próprio sentido da justiça e de uma vida digna. Separando-se das narrativas feministas da prosperidade, que parecem ser as hegemônicas na Costa Rica. Outras narrativas devem ser construídas e disputadas. Necessitamos desmontar as estruturas que perpetuam a violência feminicida, a precariedade da vida das mulheres, o controle dos corpos-territórios e abrir espaços para outras formas de organização comunitária e política.
[1] Ana-Marcela Montanaro se define como uma Feminista Anticapitalista e Anticolonial. Doutoranda em Direitos Humanos. Este artigo foi enviado a nós para publicação pelo PRT da Costa Rica.




