Portugal: Governação PS/Costa e absorção da ‘geringonça’ levam a viragem à direita e crescimento exponencial da extrema-direita

Nos últimos dois anos, a perda de poder de compra da maioria da população portuguesa, a brutal subida dos preços da habitação e dos juros dos créditos, a consequência do abandono das necessidades dos serviços públicos que determinaram as grandes crises na Saúde (SNS) e da Educação, contrastaram com o brutal aumento dos lucros e poder dos banqueiros, da grande distribuição (Pingo Doce, Continente, Auchan e outros), dos monopólios da energia (Galp, EDP) e das telecomunicações.

Neste quadro de lucros milionários para ‘os de cima’ e empobrecimento para ‘os de baixo’ os ‘intermediários’ políticos da governação estiveram envolvidos em permanentes ‘casos’ e ‘escândalos’ de corrupção, favorecimentos e negociatas que abrangeram em especial as ‘famílias’ PS e também PSD, ou seja o chamado ‘centrão’.

Num mundo e numa Europa que não ultrapassou a crise económica de 2008, onde os regimes ‘democráticos’ são questionados por setores da burguesia que opta por saídas restritivas de direitos em favor de saídas ditatoriais de tipo neo-fascista, a desilusão popular pelos governos sociais-democratas e da direita ‘tradicional’, dá lugar ao fortalecimento da extrema-direita.

Em Portugal, perante a inexistência de uma alternativa política, pela esquerda, que fosse uma oposição permanente e anti-sistémica a estas políticas e pântano de corrupção, foi a extrema-direita que cavalgou esta realidade e se postulou como os do ‘contra esta situação e sucessivas governações’ responsáveis pela realidade actual.

É este ‘voto de protesto e mudança’ que explica o grande crescimento do Chega para mais de um milhão e cem mil votos (e ainda sem contar com umas dezenas de milhares da emigração). O Chega triplica os votos e tem mais 723.224 votos do que em 2022. Passa de 11 para 48 deputados.

É também como reação ao piorar da situação económica para os trabalhadores, às crises nos serviços públicos e à imagem da governação ‘corrupta’ que o PS perde 13% dos votos, desce de 41,68% para 28,66% obtendo agora cerca de 1.760.000 (menos 486.635 votos do que em 2022). Desce de 117 para 77 deputados, perde 40 deputados.

Mas a direita ‘clássica’ coligada na AD (PSD e CDS) também não ganhou poder relativo, de facto perdeu percentagem face a 2022, embora tenha ‘ganho’ 146.641 votos . A percentagem de votos obtidos pelo PSD e CDS em 2022 foi de 30,89% e agora em 10 de Março de 2024, foi de 29,49%, menos 1,4%. Em votos, valor absoluto, tem 1.664.386 em 2022 e 1.811.027 em 2024. Em deputados sobe de 76 em 2022, para 79 em 2024.

Mas desta vez foram votar, em todo o país, mais 750 mil eleitores.

E, tão pouco a nova ‘direita liberal’, a extrema-direita económica, da IL capitaliza com o descontentamento e práticamente mantêm a sua posição (passa de 4,98% para 5,09% , mantêm os seus 8 deputados e obtém 312.064 votos, mais 44 mil votos do que em 2022).

Nem o ‘hibrido’ PAN pode capitalizar a queda do PS. A sua aliança ao governo da direita madeirense e a predisposição oportunista de ser apoio do PSD ou do PS, consoante as conjunturas, enfraqueceram a sua posição no ‘nicho’ eleitoral em que se enquadraram: o da defesa dos direitos animalistas e ambientalistas, que satisfazem setores da chamada classe média urbana. O PAN obteve uma subida de votos para os 1,92% e alcançou 118.579 votos, continuando com uma única deputada, pelo círculo de Lisboa.

À esquerda verifica-se a continuidade do efeito ‘geringonça’ e da colagem a apoio a um governo PS.

O Bloco de Esquerda não tem qualquer crescimento apesar da hecatombe do PS. Mantém exatamente a mesma percentagem de 2022, os 4,46%, embora isso signifique um pequeno crescimento de votos (passa de 240.272 votos em 2022, para 274.029 em 2024). Em deputados fica igual, com 5 deputados. O BE passa ater um ‘novo’ e próximo concorrente eleitoral, o LIVRE que já o ultrapassou no principal ‘bastião’ do BE que é o distrito de Lisboa (o Livre fica em 5ºlugar e o BE em 6ºlugar). Tal realidade é um factor adicional de crise para um partido eleitoralista como o BE.

O PCP é outro grande derrotado nesta luta eleitoral. Perde 2 deputados (passa de 6 para 4 deputados, o mesmo número que o Livre alcançou). Em percentagem perde mais de um por cento, e agora tem 3,3% dos votos e obteve 202.325 votos (menos 34.320 votos do que em 2022). É significativo que o PCP fique abaixo do Livre e do BE nos principais distritos de Lisboa, Porto, Braga e Aveiro. Só no  distrito de Setúbal o PCP fica acima dos outros da esquerda parlamentar mas elege o mesmo que eles (todos elegem apenas 1 deputado, em Setúbal). Um significado simbólico desta derrota eleitoral do PCP é a perda de representação parlamentar no Alentejo (histórico ‘bastião’ do PCP) onde existe uma visível deslocação de votos do PCP para o Chega.

Quer o PCP, quer o BE, continuam com a sua imagem totalmente associada à governação da ‘geringonça’, ao papel de apoio ao PS e ao facto de não terem promovido oposição sindical e social durante seis anos de geringonça.

Esta realidade, associada à sua total institucionalização como esquerda parlamentar com ‘sentido de Estado’ coloca-os como aquilo que são: parte do sistema e do regime.

Contraditoriamente, o LIVRE que é programática e politicamente mais ‘geringoncista’ do que os que integraram a ‘geringonça’ não foi afetado pela colagem à governação PS pois, na realidade não participou no acordo da geringonça, e conseguiu uma imagem de ‘novo’ protagonista de futura ‘união das esquerdas’, sem o lastro do passado.

Neste sentido foi o partido de esquerda que capitaliza o descalabro da ‘maioria absoluta’ do PS. O Livre quase triplica a sua votação, sobe de 1,28% para 3,26% (alcançando o PCP) e obtém 199.888 votos (sem emigração), e sobe de 1 para 4 deputados.

Resultados eleitorais indicam um provável governo instável

Nestas eleições ficou claro o regresso a uma situação de ‘tripartidismo’ como existiu em 1985 com o PSD, PS e PRD. Apesar das diferenças, particularmente nos partidos e no seu previsível futuro (o PRD desapareceu rápido, o que não indica ser o caso do Chega), há uma semelhança no que se refere à instabilidade governativa. No provável caso de governo AD, este terá um apoio minoritário no parlamento, pois não é previsível que o Chega passe a votar favoravelmente sem estabelecer acordo público com a AD. Um governo minoritário, a braços com efeitos de uma crise económica mundial, com uma política belicista de aumento de orçamento para a guerra, confrontado com diversos sectores sociais e laborais que vão exigir o cumprimento de promessas e reivindicações, parece ter vida curta, e no horizonte próximo estarão novas eleições legislativas, para as quais também nos devemos preparar para intervir.

O que faltou nestas eleições

A extrema-direita do Chega foi a grande vencedora destas eleições, com todos os perigos que essa situação acarreta, se à esquerda, não se conseguir erguer uma oposição anti sistémica e representativa das lutas de resistência dos trabalhadores e de movimentos sociais pelos serviços públicos, pela habitação e pelos direitos democráticos atacados.

A representação política dos grandes movimentos laborais e sociais, particularmente a grande mobilização dos trabalhadores da educação, mas também de outros setores que se mobilizaram por fora as organizações e sindicatos do sistema, não teve referência política nestas eleições de 10 de Março.

Uma representação política anti sistémica, em defesa dos serviços públicos e contra o desbaratar de recurso para as mãos dos ‘privados’, em defesa dos salários e direitos dos trabalhadores e pensionistas, e contra os privilégios dos políticos que nos governam. Em defesa de um funcionamento democrático e contra a governação de falta de transparência e permissão da corrupção e dos favores. Uma alternativa política anti sistémica que colocasse um programa capaz de satisfazer as grandes reivindicações das centenas de milhares que se mobilizaram nas combativas lutas de 2023, era uma necessidade para fazer frente à demagogia da extrema-direita.

Infelizmente, tal alternativa não foi possível de erguer para as eleições de 10 de Março de 2024 e a extrema-direita teve ‘mãos livres’ para concorrer com todos os ligados a governos de direita ou ligados a governos ditos de ‘esquerda’.

Erguer essa alternativa, para as lutas e para as eleições, é o que está colocado aos revolucionários e a todos os ativistas das lutas.

CE do MAS

12 de Março de 2024

Artigo original publicado em MAIS