Significado e consequências do acordo tarifário entre EUA e UE. Por uma aliança internacional dos assalariados contra todos os imperialismos. Só uma revolução socialista pode dar à Europa uma nova perspectiva histórica.
Por: Partido Comunista dos Trabalhadores (PCL)
O imperialismo norte-americano descarrega seu declínio sobre os imperialismos rivais — a começar pelos “aliados”. O acordo tarifário entre Trump e Von der Leyen se inscreve neste marco geral.
A retomada do protecionismo em larga escala por parte da nova administração estadunidense visa objetivos combinados: arrecadar novos recursos que desonerem os capitalistas norte-americanos e, sobretudo, repatriar aos EUA a indústria manufatureira que migrou durante os anos dourados da globalização.
Trata-se de um plano para reativar as bases materiais do imperialismo estadunidense diante da ascensão da concorrência imperialista da China. “Tornar a América grande novamente” tem no protecionismo o seu credo.
A política protecionista dos EUA se estende por todo o globo, seguindo uma lógica de negociação sem escrúpulos. Abrange não apenas as Américas — via Canadá e México, sob o velho lema “A América para os americanos” — mas também a Ásia, onde nem mesmo os tradicionais aliados dos EUA, como Japão e Coreia do Sul, são poupados, apesar do interesse estratégico norte-americano em conter a China (o que levanta dúvidas ainda sem resposta sobre a hierarquia de prioridades do trumpismo).
É evidente, no entanto, que no tabuleiro planetário a União dos imperialismos europeus recebeu, por assim dizer, um tratamento especial por parte de Trump — semelhante ao reservado ao imperialismo japonês e mais oneroso do que aquele dispensado ao velho imperialismo britânico.
O acordo ainda está sujeito a interpretações variadas, mas sua natureza salta aos olhos: trata-se de um pacto escandalosamente desequilibrado, em favor dos capitalistas norte-americanos e do governo dos EUA.
A tarifa de referência de 15% atinge 70% dos bens europeus exportados aos EUA (que totalizam 531 bilhões de euros) e se soma à “tarifa informal” imposta pela desvalorização de 15% do dólar.
Paralelamente, a UE se compromete, durante os três anos restantes do mandato de Trump, a comprar 750 bilhões de dólares em produtos energéticos dos EUA (essencialmente gás e petróleo), a investir 600 bilhões de dólares nos EUA por meio de empresas europeias e a ampliar as compras militares da indústria bélica norte-americana, cujas ações dispararam nas bolsas.
A única “contrapartida” para a UE é a renúncia (temporária) dos EUA a elevar as tarifas para 30%.
Grande parte da imprensa burguesa europeia está desmoralizada: “para evitar a guerra, aceitamos a rendição”. Em especial, a postura submissa da presidenta da Comissão Europeia durante as negociações tem sido alvo constante de críticas e zombarias. Compreensível. Mas, para além da encenação superficial, é necessário ir ao fundo do ocorrido.
A CRISE DA UNIÃO EUROPEIA
A fraqueza negociadora da União Europeia reflete sua base material. Há um imperialismo norte-americano, um imperialismo chinês, um imperialismo russo. Não existe um imperialismo europeu. O que existe é uma união de Estados imperialistas nacionais, de diferentes tamanhos, há tempos penalizados na concorrência global, divididos por interesses divergentes e conflitantes. São imperialismos nacionais que disputam investimentos estrangeiros por meio de uma corrida ao rebaixamento da tributação sobre lucros; que operam com sistemas energéticos distintos; que competem nos mercados de aço, farmacêutico e de armamento continental; que se enfrentam ferozmente pelos fundos europeus para a agricultura e a indústria; que rivalizam por áreas de influência na Europa, nos Bálcãs, no norte da África e no Oriente Médio, assim como por projeções de mercado na China, na Índia e na América Latina.
A queda do Muro de Berlim, depois a grande crise de 2008 e, por fim, a concorrência agressiva de outras potências imperialistas (especialmente EUA e China) levaram os imperialismos europeus a primeiro constituir e depois preservar sua união. Mas nunca como hoje os diferentes interesses nacionais foram tão conflituosos.
A disputa entre Alemanha e França pela primazia na Europa, o conflito latente entre França e Itália no norte da África, a competição entre Itália e Alemanha nos Bálcãs e as intermináveis controvérsias sobre políticas orçamentárias (nacionais e comunitárias) são provas disso. A chamada “construção federal” da UE não ultrapassou o marco da moeda comum (em 2000) e está estagnada há mais de vinte anos.
O recurso excepcional ao endividamento comum como resposta à pandemia (2020) não teve continuidade. O atual plano de rearmamento, por sua vez, responde fundamentalmente — e não por acaso — às capacidades orçamentárias dos diferentes Estados nacionais, o que aprofunda suas divergências (a começar pela franco-alemã).
NEGOCIAÇÃO EUROPEIA, INTERESSES NACIONAIS
O acordo comercial entre UE e EUA, e seu desfecho, não podem ser compreendidos fora desse contexto geral. Formalmente, é a União Europeia, por meio da Comissão, quem conduz a negociação comercial. Mas por trás do palco continental agitam-se pressões nacionais diversas.
Berlim tentou sobretudo proteger sua indústria automotiva. Roma buscou defender sua indústria agroalimentar e farmacêutica. Paris se sente ameaçada por um acordo que prejudica setores-chave de sua indústria militar e energética e protesta (“a hora sombria da submissão”).
Von der Leyen negociou por todos e por ninguém. Assim, agora todas as diferentes cadeias nacionais e/ou setoriais lamentam a distância entre os resultados e suas expectativas — entre o resultado e o “mandato” recebido, majoritariamente nacional.
Por outro lado, uma negociação comercial nunca é apenas comercial — e menos ainda no atual contexto. As relações de força gerais no plano do poder imperialista pesam decisivamente.
Nestes meses, o imperialismo norte-americano colocou sobre a mesa sua primazia militar (OTAN), a força de seu setor energético e o peso de seus grandes monopólios tecnológicos.
Os compromissos europeus de comprar armas, gás e petróleo dos EUA e investir massivamente em território norte-americano são fruto da pressão material do imperialismo dos EUA — e, hoje, particularmente da guinada nacionalista de sua nova direção política.
Chama a atenção o “compromisso” europeu de gastar 750 bilhões em gás e petróleo dos EUA, quando toda a exportação norte-americana nesse setor soma 141 bilhões; assim como surpreende o compromisso de investir 600 bilhões nos EUA por parte de empresas europeias — sendo essas, afinal, decisões privadas, pouco previsíveis ou quantificáveis.
É possível que a cifra inclua, na prática, a compra de títulos do Tesouro norte-americano — hoje em dificuldade, entre outras razões, pela ameaça de desinvestimento parcial da China. Mas, para além de incógnitas e contradições, permanece o fato essencial: a união dos imperialismos europeus se curvou diante da pressão do imperialismo dos EUA.
PELA INDEPENDÊNCIA DE CLASSE DOS ASSALARIADOS EUROPEUS
Agora todas as burguesias do continente exigem “compensações”. Em outras palavras, uma nova montanha de bilhões para indenizar os capitalistas europeus pelos custos das tarifas estadunidense.
Os mesmos capitalistas que, em resposta a essas tarifas, estudam transferir sua produção para os EUA.
De um lado, as entidades patronais exigem dinheiro de seus governos, apresentando a conta dos prejuízos (22,6 bilhões, segundo apenas a Confindustria italiana) e reivindicando exceções às normas europeias sobre ajuda estatal. De outro, recorrem diretamente à UE, pedindo a suspensão do Pacto de Estabilidade e até um novo recurso ao endividamento comum (ao qual a Alemanha segue se opondo).
Em todos os casos, levanta-se a bandeira do suposto interesse comum entre patrões e trabalhadores.
Seja com o discurso nacionalista do “interesse nacional” contra uma Europa “madrasta”, seja com a narrativa liberal-europeísta do “interesse europeu” diante da arrogância de Trump.
Essa operação fraudulenta deve ser rejeitada. Não devem ser os assalariados a pagar os custos da concorrência entre capitalistas, seus Estados e suas uniões.
Diante das deslocalizações anunciadas, é preciso exigir a nacionalização sem indenização e sob controle operário das empresas afetadas. Diante de novas operações de endividamento, é necessário reivindicar uma taxação extraordinária e progressiva sobre os grandes lucros e patrimônios, junto à anulação da dívida pública com os bancos.
Diante de novos cortes nos gastos sociais (eventualmente para financiar gastos militares, seja europeus ou norte-americanos), impõe-se um grande plano de investimento público em saúde, educação, serviços sociais, restauração ambiental e reconversão energética — esta última inclusive traída formalmente pelo compromisso de compra de gás e petróleo dos EUA — tudo isso às custas dos capitalistas.
Frente a qualquer pretensão de interesse comum entre as classes, é preciso afirmar e construir uma aliança internacional dos assalariados europeus — e destes com o proletariado norte-americano, igualmente golpeado pela combinação mortal de inflação e cortes sociais.
POR UMA FEDERAÇÃO SOCIALISTA EUROPEIA
O ocorrido exige também uma reflexão estratégica mais ampla sobre o futuro da Europa e seu papel no mundo.
Hoje o declínio histórico dos EUA se descarrega sobre a Europa, cada vez mais reduzida à condição de vaso de barro entre as grandes potências globais.
Os setores burgueses liberais que clamam por uma unidade europeia com base federal, inspirada na antiga federação americana, ignoram as contradições nacionais insolúveis entre os diferentes Estados imperialistas do velho continente: sua união não apenas foi erguida contra os trabalhadores europeus, como representa um projeto estagnado e fracassado.
Os setores soberanistas que defendem a dissolução da União Europeia e/ou a aliança com o imperialismo russo ou chinês propõem, na prática, uma nova subordinação da Europa — embora em direção diferente — a outras potências imperialistas emergentes. Nada disso corresponde aos interesses dos assalariados europeus.
Só uma revolução socialista pode unificar a Europa sobre bases progressistas. Só um governo das trabalhadoras e trabalhadores, em cada país e em escala continental, pode dar à Europa uma nova perspectiva histórica.
Por uma federação socialista europeia! Pelos Estados Unidos Socialistas da Europa!
Esta é a consigna da Liga Internacional Socialista, da qual o PCL é a seção italiana.




