II Congresso da LIS: Documento sobre a situação mundial

Contribuição para o debate sobre a situação mundial: a caminho de mais crises, guerras e revoluções

A ordem mundial que emergiu da coexistência pacífica entre o imperialismo e a burocracia estalinista entrou em colapso há mais de 30 anos. O imperialismo estadunidense, um aparente vencedor dessa “guerra fria”, acreditava que rapidamente conseguiria construir uma nova ordem com uma hegemonia absoluta. Mas a realidade acabou se tornando muito mais complexa. Sem seu sócio contrarrevolucionário, em poucos anos, a globalização e o neoliberalismo, que haviam conseguido impor, começaram a rachar e o caos começou a instalar-se.

Estamos testemunhando um mundo em ebulição. Um mundo cada vez mais polarizado, rumo à mais e piores crises, guerras e disputas entre velhas potências decadentes e novas se preparando para lutar por seu lugar; lutas, rebeliões e revoluções em mais e mais partes do mundo.

Os de cima não podem mais governar como antes, mas os de baixo estão lutando com seus braços amarrados, por não terem direção para acompanhar os acontecimentos. Isto impediu uma definição conclusiva entre as duas classes sociais que lutam pelo poder há mais de um século, uma, conscientemente e a outra, inconscientemente, sem uma direção que a levasse à vitória.

Hoje, mais do que nunca, a alternativa para a humanidade é o socialismo ou a barbárie. Este material, como toda nossa atividade, está a serviço de continuar a avançar na construção da única ferramenta que pode proporcionar para nossa classe, a classe trabalhadora, a consciência necessária para enfrentar a luta final por uma outra sociedade, onde possamos viver em harmonia entre as pessoas e a natureza: um partido e uma internacional socialista revolucionária.

I. O capitalismo em sua crise mais profunda

O capitalismo está passando pela pior crise de sua história, uma crise sistêmica, maior do que todas as crises anteriores. Crises econômicas, políticas, ecológicas, sanitárias, ideológicas e de hegemonia global, combinam-se e alimentam uma crise civilizacional, sem saída possível dentro das margens do sistema.

A crise econômica global iniciada em 2008 é a maior desde a Grande Depressão dos anos 1930. A economia mundial ainda não havia conseguido se recuperar dela, quando a pandemia da Covid-19 paralisou e aprofundou sua crise, dando outro salto com a guerra na Ucrânia. Não há recuperação à vista; o FMI, a OMC e a OCDE preveem uma nova recessão global, ou algo muito próximo, provavelmente em 2023. Como a raiz da crise está na tendência de queda da taxa de lucro, o capitalismo não tem saída, a não ser, aumentar a exploração.

A pressão para tentar restaurar a rentabilidade leva os governos tradicionais, de extrema direita e reformistas a implementar ajustes contra os trabalhadores, precipitando rebeliões, revoluções e crises políticas de regimes em todas as regiões do mundo. A incapacidade dos governos capitalistas, de todas as cores, de resolver os problemas das massas, leva a uma polarização crescente e rebeliões recorrentes, que impedem os regimes de construir qualquer estabilidade, continuando a crise política. Tudo isso é alimentado pela crise ideológica que vem crescendo desde que o Consenso de Washington entrou em colapso com a crise de 2008. O capitalismo é cada vez mais questionado em escala de massa. O fato de que a crise de 2008 teve seu epicentro nos EUA, juntamente com o enfraquecimento militar e geopolítico, desde sua derrota no Iraque e no Afeganistão, somado ao crescimento econômico e geopolítico da China, geram uma crise de hegemonia global. Esta, se aprofunda com uma crescente disputa interimperialista por lucros que se reduzem, intensificando os atritos interimperialistas, trazendo novamente à tona a possibilidade de uma guerra mundial nuclear. O desespero para recuperar a rentabilidade também continua a aprofundar a catastrófica crise ecológica. Apesar dos relatórios anuais das próprias Conferências da ONU sobre Mudança Climática, que apresentam um quadro cada vez mais alarmante da probabilidade de cruzar um ponto sem retorno no aquecimento global, que ameaça a sobrevivência da espécie humana; apesar dos desastres ecológicos que se multiplicam ao redor do mundo, com incêndios, secas, inundações e outros eventos climáticos extremos; o capitalismo sustenta métodos de produção poluentes, destrutivos e emissores de gases de efeito estufa, muito além de qualquer plano que possa reverter a dinâmica destrutiva e é incapaz de fazer outra coisa.

A pandemia da Covid19 acrescentou outra dimensão à crise sistêmica do capitalismo. Por um lado, revelou que seu modo produtivo gera epidemias e pandemias letais. Por outro, demonstrou, com incontáveis milhões de mortes, a absoluta incapacidade do capitalismo em lidar com estas pandemias. A crise sanitária não terminou, apesar do relativo controle da Covid19, cujas causas ainda estão intactas. Trata-se de um aspecto permanente da crise do sistema capitalista.

Cada dimensão da atual crise sistêmica mostra, sem dúvida, o esgotamento do capitalismo, incapaz de desenvolver as forças produtivas ou, de impulsionar qualquer progresso para a humanidade. Ao contrário, perpetua uma destruição sem precedentes, tanto da natureza, quanto da humanidade, as duas principais fontes de riqueza, conduzindo a destruição do meio ambiente, ao ponto de pôr em perigo sua capacidade de sustentar a vida humana; o faz, gerando pandemias que não consegue controlar; aprofundando sua disputa pelo lucro que levanta novamente a possibilidade de guerras mundiais e holocausto nuclear, nos conduzindo ao precipício da barbárie e da extinção. Ao mesmo tempo, é incapaz de parar ou reverter esta dinâmica destrutiva, incapaz de agir contra a necessidade imperativa de recuperar a rentabilidade acima de tudo.

Aqueles que previram que, com a queda da URSS, o capitalismo atingiria uma nova etapa de expansão e desenvolvimento, foram desmentidos pela dura realidade. O capitalismo não tem nada além de miséria e destruição para oferecer à humanidade. Todo reformismo é utópico, todo possibilismo é uma ilusão.

Todo projeto que propôs radicalizar a democracia, frear o neoliberalismo, redistribuir a riqueza ou, de qualquer forma, melhorar as condições para as massas sem destruir o capitalismo, terminou com um amargo fracasso. Todos os governos autodenominados progressistas ou nacionalistas acabaram aplicando as mesmas receitas de ajustes que os governos neoliberais. Grandes projetos de esquerda como SYRIZA ou PODEMOS, ou figuras radicais como Boric e Pedro Castillo, também se tornaram administradores dos ajustes quando chegaram ao governo.

Não só é impossível implementar grandes mudanças a favor das maiorias dentro do capitalismo, como nem mesmo as medidas mais moderadas são toleradas por um sistema que está se afundando com exploração, ajustes e repressão. Não há espaço para qualquer orientação Keynesiana, como alguns analisaram durante a pandemia, ou para concessões reformistas. Pela mesma razão, os projetos de direita e da extrema direita que chegam ao poder também fracassam e caem. Porque, da mesma forma, não estão à altura das expectativas de mudança e de soluções que prometem.

Hoje, nenhuma solução parcial ou fundamental para os problemas enfrentados pelas maiorias é possível sem derrotar a classe burguesa e seus Estados. O capitalismo deve ser destruído e o poder deve ser tomado para construir uma sociedade socialista onde as massas trabalhadoras determinem democraticamente seu destino.

II. Cresce o atrito entre as potências imperialistas

O relativo enfraquecimento da principal potência mundial, os EUA, o crescimento da China como potência econômica e militar e a intensificação da disputa global por mais-valia, desde a crise de 2008, têm aprofundado uma dinâmica de crescente atrito e conflitos interimperialista.

A queda da URSS significou para o imperialismo estadunidense a possibilidade de se tornar a única superpotência mundial. Entretanto, também o deixou sozinho na posição de absorver os efeitos da luta de classes mundial, o que levou a um rápido desgaste. O impasse das forças norte-americanas no Iraque e no Afeganistão desde os anos 2000 e sua derrota, o enfraqueceu consideravelmente em escala global. As potências subimperialistas ganharam maior espaço para operar regionalmente, enquanto a China começou a emergir como um concorrente global.

Os EUA permaneceram e claramente continuam sendo a principal potência imperialista do mundo. Mas a ânsia de outros países em ocupar os espaços criados por seu relativo enfraquecimento, combinada à determinação dos EUA em preservar e recuperar sua hegemonia, estão provocando um crescente atrito interimperialista.

A guerra na Ucrânia é o exemplo mais recente e agudo desta dinâmica. A Rússia, principal potência na região do Leste Europeu, procura recuperar o terreno perdido após a dissolução da URSS, enquanto os EUA e a OTAN procuram manter o terreno ganho e expandir sua própria esfera de influência. Esta tensão gerou uma situação particular na região após a decisão de Putin de invadir a Ucrânia que, por sua vez, provocou resistência por parte do povo ucraniano. A OTAN fornece assistência militar ao governo de Zelensky, mas evita o envolvimento direto. Tanto o perigo da situação, que ameaça escalar em um grande conflito entre potências nucleares, como a determinação da Rússia e da OTAN em evitar cruzar certas linhas vermelhas que escalariam o conflito de uma forma que, pelo menos por enquanto não seria de seu interesse, são evidentes.

Em escala global, o conflito mais importante é entre os EUA e a China. O gigante asiático já está competindo economicamente com os EUA. A China há muito ultrapassou os EUA como o principal parceiro comercial da União Europeia, África e América do Sul. Nos últimos anos, disputa a liderança nos setores de produção mais avançados tecnologicamente, o que levou à chamada “guerra comercial” entre os dois países.

A China também está buscando uma estratégia para se desenvolver como potência global. O projeto da Nova Rota da Seda envolve investimentos colossais de infraestrutura em dezenas de países; acordos de livre comércio; empréstimos de milhões de dólares com acordos que cede portos e outros setores de soberania à China e o estabelecimento das primeiras bases militares chinesas no exterior.

Por outro lado, os EUA não querem ceder nenhuma posição e, desde a posse de Biden, são agressivos em tentar se restabelecer como potência hegemônica global após o período de relativa confusão durante a presidência de Trump.

Na linha de frente dos planos de expansão da China, está a retomada de Taiwan e o estabelecimento de seu controle sobre o Mar do Sul da China. Tudo isso intensifica o atrito da China com os EUA e seus aliados. A recente visita da Presidente da Câmara dos EUA Nancy Pelosi à Taiwan é indicativo da agressão dos EUA. Entretanto, a relutância dos EUA em tomar medidas eficazes contra o avanço chinês e a recusa da China em apoiar abertamente a Rússia em sua invasão da Ucrânia são sinais de que, por enquanto, não é do interesse de nenhum dos lados escalar o conflito direto.

Alguns setores da esquerda ignoram ou minimizam a intensificação do atrito global interimperialista, deixando-os mal armados para responder aos conflitos. Outros o exageram, como se já estivéssemos no início de uma terceira guerra mundial ou enfrentando a iminência irreversível de um, geralmente a serviço de uma orientação campista, considerando um lado imperialista menos mau que o outro. Ou ainda, levantando equivocadamente o derrotismo em conflitos regionais, como a invasão russa à Ucrânia, que acaba beneficiando o imperialismo russo.

A realidade é que uma guerra mundial iminente ou de curto prazo não é o cenário mais provável para agora. O que existe é uma intensificação crescente das tensões entre os campos imperialistas. Nenhuma das potências ainda se vê em condições de enfrentar um conflito global. Nem os blocos e alianças existentes estão com base firme, como demonstrou a guerra na Ucrânia. As contradições entre os EUA e a União Europeia, que tem suas próprias relações comerciais e políticas tanto com a Rússia quanto com a China, mostram que os aliados da OTAN não têm todos os mesmos interesses. Mesmo dentro da Europa, como Brexit deixou claro, existem interesses conflitantes. Da mesma forma, a China, que vem aprofundando sua cooperação com a Rússia, vem tomando uma distância relativa desde a invasão da Ucrânia.

Embora nenhum dos dois seja a favor de uma escalada global hoje, a verdadeira disputa por mais-valia em meio à crise significa que a dinâmica é de um conflito crescente. Embora a perspectiva imediata não pareça ser de um confronto militar aberto entre as distintas potências mundiais, não podemos descartar que a dinâmica vá nessa direção no futuro. E devemos esperar que a instabilidade geral predomine e que mais guerras e conflitos locais ou regionais ocorram. Precisamos fazer análises e caracterizações tão precisas quanto possível da situação atual da disputa interimperialista, a fim de desenvolver a política e orientação mais apropriadas para intervir e nos construir na atual conjuntura.

III. Um ano da guerra na Ucrânia

As vítimas causadas pela invasão do exército russo chegam a milhões de desabrigados. A destruição da infraestrutura do país soma bilhões de dólares e a perda de empregos ultrapassa 5 milhões. A nível internacional, aprofundou a crise econômica e social, provocando o aumento dos preços dos alimentos e dos combustíveis, bem como desencadeou um crescimento da corrida armamentista nos países imperialistas, não visto há décadas, reintroduzindo a incerteza sobre um eventual desenlace nuclear com consequências imprevisíveis se as constantes ameaças de Putin a este respeito fossem levadas a cabo no futuro.

A integridade territorial da Rússia não era ameaçada quando Putin decidiu invadir a Ucrânia. A Rússia invadiu para subjugar a Ucrânia e acrescentá-la de volta à sua esfera de influência regional. Acreditou que alcançaria seus objetivos em poucos dias e que isso o fortaleceria não apenas regionalmente, mas também em seu relacionamento como um parceiro estratégico do nascente imperialismo chinês. Mas não contava com a resistência feroz e heroica do povo ucraniano. Putin não conseguiu chegar em Kiev, derrubar Zelensky e criar um governo fantoche. Está atolado há um ano e até agora, não conseguiu obter o controle total de nenhuma região. Sofreu a perda de dezenas de milhares de homens e uma quantidade significativa de armas, obrigando-o a recrutar centenas de milhares de novos combatentes, envolver Bielorrússia no conflito e receber ajuda material do Irã.

Antes da invasão, a OTAN estava enfraquecida e o papel dos EUA como imperialismo hegemônico estava em dúvida. Hoje, sem superar a crise, a OTAN e os EUA são mais fortes. Putin lhes deu a desculpa para se rearmarem, somar países à aliança e recuperar parte da autoridade política que os EUA haviam perdido entre seus aliados.

Para ter uma política correta, é necessário compreender os dois processos em ação neste conflito: a justa defesa do povo ucraniano de sua soberania e integridade territorial e, ao mesmo tempo, a crescente disputa interimperialista que existia antes e escalou perigosamente desde o início da invasão.

Grande parte da esquerda fracassou no teste deste conflito e acabou se alinhando com o imperialismo russo. A esquerda campista tradicional, acompanhada por várias correntes identificadas com o trotskismo que, com vários argumentos e concentrando-se exclusivamente na denúncia da OTAN, recusou-se a apoiar a resistência ucraniana e seu direito à autodeterminação, colocando-se assim na trincheira de Putin.

Nesse mais de um ano em que a guerra na Ucrânia vem ocorrendo, não houve nenhum confronto militar aberto entre a OTAN e a Rússia. É por isso que é completamente errado usar a palavra de ordem do derrotismo revolucionário levantado por vários setores, sendo funcional para Putin. O que existe até agora é uma guerra em território ucraniano provocada pelas aspirações imperialistas da Rússia contra um país semicolonial. Os EUA estão aproveitando esta situação para se fortalecer na Ucrânia, no Leste Europeu e internacionalmente. Até agora, nenhuma das vertentes do imperialismo parece estar pronta para cruzar certos limites e fazer o conflito evoluir para um confronto mundial. É por isso que os EUA e a Europa estão cortando a ajuda militar e não estão colocando os pés na Ucrânia, a Rússia não está avançando sobre os Estados membros da OTAN e a China, por sua vez, não se envolveu diretamente na guerra além de algumas declarações. Estão todos brincando com o fogo e colocando a humanidade à beira de um holocausto.

A respeito da ajuda econômica e militar dos EUA e da Europa ao governo Zelensky, é importante ser o mais objetivo possível. Começou tarde, quando ficou claro que a resistência do povo trabalhador ucraniano impediu qualquer negociação apressada. Foi importante para sustentar a defesa das posições do exército ucraniano, enquanto permitia ao imperialismo ocidental limpar cinicamente seu rosto como um “defensor das causas justas”. Mas em nenhum momento serviu para definir a guerra a favor da Ucrânia. Nunca enviaram armamentos de última geração, de longo alcance, e nunca o farão.

Nós da LIS nunca nos unimos ao apelo de armas ao imperialismo ocidental e nos opomos à corrida armamentista desencadeada no mundo, mas também não apoiamos as ações de boicote ao carregamento de armas para a Ucrânia promovidas pelos amigos de Putin.

Desde o início, temos apoiado o direito do povo ucraniano de se defender contra a invasão de seu território com todos os meios à sua disposição. Exigimos a retirada incondicional do exército russo, a dissolução da OTAN e a retirada do imperialismo ocidental de todo o Leste Europeu. Levantamos uma política independente de Zelensky e advertimos contra as intenções colonialistas da OTAN.

Defendemos a paz, mas sem as anexações da Rússia. Defendemos o direito à autodeterminação para aquelas regiões ucranianas que o solicitarem, desde que possa ser exercido livremente, sem a bota da oligarquia russa.

A abrangência desta política se baseia nos ensinamentos do leninismo, leva em conta a combinação das tarefas estabelecidas e serve para militá-la na classe trabalhadora e na juventude de todos os países, sejam eles imperialistas ou dependentes, em combate contra os burgueses e as forças do campismo.

Apoiar a resistência ucraniana significa defender a derrota da Rússia neste conflito. A fim de alimentar o moinho de vento de Putin, os campistas afirmam que uma vitória da Ucrânia fortaleceria os EUA e a OTAN. A pergunta que nós revolucionários devemos nos fazer é: o que mais fortaleceria nossa classe, a classe trabalhadora ucraniana, russa, bielorrussa e de toda a região? Não temos dúvidas: a derrota e expulsão do exército russo pela resistência ucraniana revigoraria a classe trabalhadora, libertaria as forças e seria, muito possivelmente, o início de um processo revolucionário em toda a região. Na Ucrânia, um fim vitorioso da guerra provocaria os trabalhadores a enfrentarem com força renovada os ataques contra a classe trabalhadora que o governo Zelensky aproveitou na guerra para implementar. Na Rússia e na Bielorrússia, a possibilidade da derrubada revolucionária dos governos autoritários Putin e Lukashenko poderia se abrir, levando a uma cadeia de convulsões sociais e políticas. Enquanto uma vitória russa fortaleceria os regimes e governos repressivos que hoje esmagam qualquer expressão de resistência.

As possibilidades de avançar na construção de alternativas revolucionárias na Europa Oriental também estão intimamente ligadas à evolução da guerra. Devemos pressionar pela mais ampla unidade de ação possível contra a guerra e em apoio à resistência ucraniana, ao mesmo tempo em que nos diferenciamos fortemente da OTAN e do imperialismo ocidental.

Infelizmente, a orientação caudatária do campismo ao imperialismo russo e as confusões de seus aliados circunstanciais estão impedindo a formação de um movimento de massas por trás de uma política correta e isto joga a favor da continuação da guerra. Isto nos obriga a redobrar nossas iniciativas e desenvolver uma campanha permanente para alcançar a mais alta visibilidade possível de nossa política.

IV. Polarização, crise do regime e oportunidades à esquerda

Estamos testemunhando um mundo cada vez mais polarizado social e politicamente, sociedades divididas e em conflito. A crise tem prejudicado todos os regimes e os partidos tradicionais burgueses e conciliadores. Cada vez mais as massas percebem a ação direta e não os mecanismos das instituições estabelecidas como a possibilidade de resolver seus problemas. Estamos testemunhando um período de grandes convulsões sociais, greves, rebeliões e revoluções.

A enorme dimensão da crise que estamos atravessando e o fracasso dos governos nacionalistas, populistas e de centro-esquerda, que nos primeiros anos do novo século geraram grandes expectativas no movimento de massas, abriram as portas para o crescimento das forças conservadoras e de direita em praticamente todos os países. Os meios de comunicação de massa têm desempenhado um papel muito importante neste desenvolvimento.

Os direitistas no poder também não conseguiram estabilizar a situação econômica e a implementação do programa que haviam se proposto. Na maioria dos casos, falharam frente à resistência do povo trabalhador. Isto, em alguns casos, permitiu que velhas forças de centro-esquerda voltassem ao governo sem as mesmas antigas expectativas por parte do movimento de massas e, em outros casos, surgiram novas formações do mesmo tipo. Esta alternância de um novo bipartidarismo, não baseado em partidos burgueses sólidos ou socialdemocratas como no passado, mas sim em coalizões com pouca estrutura e controle social, é parte da etapa atual que estamos vivendo.

A crise da democracia, discutida em círculos cada vez mais amplos da intelectualidade ocidental, reflete a erosão dos regimes democrático-burgueses e dos partidos tradicionais após décadas de frustração e deterioração do padrão de vida das massas. Embora o imperialismo, dominante em geral, continue a apostar na democracia burguesa, porque ainda a considera a manobra mais eficaz para canalizar a mobilização das massas, a crescente descrença nos mecanismos institucionais os força a apelar cada vez mais para a repressão e o autoritarismo.

A crise dos mecanismos de dominação está abrindo espaços cada vez mais amplos para disputar estratos de massas. A extrema direita está aproveitando para se posicionar entre os setores mais conservadores e retrógrados do movimento de massas. Os socialistas revolucionários devem empregar com ousadia todas as iniciativas, orientações e táticas à nossa disposição para começar a capitalizar o espaço que também existe para a extrema esquerda e que tenderá a crescer com o agravamento da crise. Para capitalizar sobre isso, além de estarmos na vanguarda das lutas, devemos levantar propostas de fundo, não apenas contra os governos, mas também contra os regimes, as direções traidoras e fazer propaganda para o sistema pelo qual lutamos, além da necessidade de reagrupar os revolucionários.

Não podemos perder de vista que, ao mesmo tempo, há um grande número de novos Estados capitalistas, agrupando bilhões de pessoas, onde a democracia burguesa nunca foi institucionalizada. Em outros, foi abandonada há muito tempo. China, Rússia, Irã, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Síria e dezenas de países árabes e africanos têm regimes autoritários com pouco espaço para a concessão de liberdades democráticas e para a permanência no poder. É por isso que desencadearam uma repressão brutal quando o movimento de massas entra em revolta. Nos processos de mobilização que ocorrem em alguns desses países, devemos participar ativamente e não ceder ao campismo que sempre procura desacreditar as ações das massas e justificar a repressão “para não fazer o jogo do imperialismo“. Apoiar expressões genuínas de descontentamento com uma política que se diferencia tanto da direita como do imperialismo e de governos capitalistas autoritários disfarçados de esquerda é crucial para disputar a vanguarda e os setores das massas nestes lugares. Um exemplo de como devemos agir em relação a estes processos foi a bem-sucedida Campanha internacional e a Caravana pela liberdade dos presos políticos na Nicarágua que promovemos a partir da LIS e que nos permitiu demonstrar na prática que Ortega e seu regime nada têm a ver com a esquerda ou com o socialismo. Esta Campanha foi decisiva para conseguir a posterior libertação dos presos políticos. Outro exemplo é o desenvolvimento de nosso grupo na Ucrânia com base em uma posição correta diante da invasão e das diferentes vertentes imperialistas.

V. Avanços e limitações da extrema direita

Como expressão política da polarização social global, em muitos países, não apenas as forças de direita, mas também de extrema direita estão crescendo. A profundidade da crise que o capitalismo está atravessando e o recuo dos tradicionais sistemas bipartidários permitem que apareçam como uma alternativa político-eleitoral aos setores médios, populares e até mesmo da classe trabalhadora. Em diversas variantes, esse discurso combina posições neoliberais, anti-imigrantes, anti-islâmicas e anti-muçulmanas, racistas, antidireitos de gênero, negacionistas de desastres ambientais, populistas e pela “liberdade”, os nativos do país e a juventude.

As derrotas de Trump e Bolsonaro enfraqueceram globalmente este setor, mas mostraram uma base social significativa e ligações com setores religiosos, judiciais e militares. É um fenômeno político não-transitório, que veio para ficar. Na Europa, estão em todos os parlamentos e governam em vários países como Itália, Hungria, Polônia e Eslovênia. Já sendo um Estado contrarrevolucionário, a extrema direita sionista também venceu em Israel.

Em todos os continentes, o reformismo exagera o poder da direita e da extrema direita para tentar justificar sua estratégia de conciliação de classes sob a eterna desculpa do “mal menor”. Sua armadilha são pactos políticos e eleitorais e/ou apoio aos governos burgueses, que não devem ser confundidos com a unidade de ação necessária para promover a mobilização contra as forças neofascistas e mais extremistas.

A propaganda de que a única coisa que avança no mundo é a direita e o fascismo também é alimentada por setores céticos da esquerda marxista que, com esta visão desequilibrada da realidade, acabam caindo no oportunismo do que é “possível” ou então em um sectarismo testemunhal.

Os revolucionários devem questionar qualquer superestimação da extrema direita, sem cometer o erro oposto de minimizá-la. Sua evolução deve ser acompanhada com muito cuidado, pois constitui um perigo presente e potencial.

Apesar de alguns elementos em comum, as forças de extrema direita atuais diferem do fascismo clássico e do nazismo, na medida em que até agora, atuam dentro dos limites da institucionalidade democrático-burguês. Ainda não há setores importantes da burguesia imperialista que decidiram usar a extrema direita para ir contra a classe trabalhadora e o povo com métodos de guerra civil. Mas, em vários países, as ações violentas diretas estão crescendo, promovidas pelos discursos reacionários deste setor ou, organizadas diretamente por eles, por exemplo, contra os migrantes ou a esquerda radical.

Alguns governos de direita e, até mesmo de “centro-esquerda”, adotam um rumo autoritário para impor seus planos de ajuste e aumentar seus orçamentos repressivos e militares, algumas vezes, até com traços ditatoriais. Consequentemente, haverá confrontos mais duros com o movimento de massas e, ao mesmo tempo, ao lado das exigências econômico-sociais, é necessário manter a defesa dos direitos, liberdades e garantias democráticas. Onde quer que a juventude se organize para enfrentar culturalmente os bandos neofascistas, nossa juventude deve participar.

VI. A rebelião avança e amplia; Pontos fortes e fracos do ascenso; O papel estratégico da classe trabalhadora.

Há vários anos temos testemunhado um aumento constante na luta de classes a nível internacional. Na atual conjuntura, o ponto mais alto está sendo disputado pelas massas empobrecidas no Peru e pela classe trabalhadora na França e no Reino Unido. Desde 2018 temos visto greves gerais, mobilizações de massas, semi-insurreições e rebeliões em um grande número de países. Isto, e não o crescimento da direita, é o que há de mais dinâmico na situação mundial.

2018 acompanhou a irrupção dos coletes amarelos na França, a rebelião dos jovens na Nicarágua, as lutas das mulheres começam a inundar as ruas e uma revolta no Sudão foi recebida em 2019, ano em que a ascensão deu um salto espetacular: o Chile e o Líbano se levantaram e as mobilizações se tornaram massivas em Hong Kong, Iraque, Equador, Haiti, Porto Rico, Bolívia, Colômbia, Honduras.

Em 2020, embora o início da pandemia tenha desacelerado parcialmente o ascenso, não impediu grandes mobilizações nos EUA após o assassinato de George Floyd, que reativou o movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] em nível internacional. Na Bielorrússia, uma revolta contra a fraude eleitoral colocou o ditador Lukashenko no limite. Houve novas revoltas no Líbano e Iraque, greves gerais na Índia, Myanmar e protestos no Irã, Argélia, Bolívia e o Fora Bolsonaro tomou as ruas no Brasil.

Em 2021 a rebelião se espalhou pela Colômbia, houve grandes mobilizações em Cuba, Paraguai, Rússia. 2022 começou com uma revolta no Cazaquistão, a organização de uma resistência massiva do povo trabalhador ucraniano para enfrentar a invasão russa, greves nacionais no Equador e Panamá, uma semi-insurreição no Sri Lanka e terminou com greves na Europa e a revolução que ainda está ocorrendo no Peru.

Embora o epicentro da ascensão tenha sido a América Latina e Oriente Médio, houve processos e rebeliões em todas as latitudes, mostrando que estamos entrando em uma nova etapa mundial. A onda de greve no Reino Unido é muito importante, mostra uma mudança qualitativa após algumas décadas condicionada pela derrota de Margaret Thatcher à heroica luta dos mineiros e também, o processo de mobilização na França contra a reforma da previdência.

A contradição mais importante desta etapa continua sendo a ausência de direções revolucionárias com experiência suficiente no movimento operário para influenciar o resultado das lutas e das semi-insurreições ocorridas. Esta é a explicação de fundo de por que a maioria destes processos não consegue triunfos categóricos, são desviadas pelos mecanismos da reação democrática ou derrotados pela repressão estatal.

Temos que parar e analisar as fraquezas do ascenso e discutir como combatê-las. Na maioria dos processos mais agudos, a classe trabalhadora não tem participado de maneira forte e organizada. As semi-insurreições que temos visto têm uma composição popular, onde os trabalhadores intervêm atomizados e não por suas organizações sindicais. Estas, em sua maioria, controladas por burocracias pró-burguesas e conciliatórias, trabalham para impedir que a classe trabalhadora se torne a protagonista. Até agora não temos assistido a nenhum questionamento significativo das bases contra antigos dirigentes. Ao mesmo tempo, as greves e mobilizações gerais que são forçados a chamar, são usadas para descomprimir e não para aprofundar a luta. Como a classe operária não é a vanguarda, a necessidade emergencial de organizações democráticas e a coordenação dos diferentes setores em luta não é facilitada.

A rebelião que abala o Peru tem todas estas fraquezas. No entanto, vem ocorrendo há dois meses e não conseguiram impedi-la. As massas camponesas, os povos nativos, a juventude e o povo pobre estão liderando uma verdadeira revolução. Enquanto o governo ilegítimo de Dina Boluarte, junto ao Congresso corrupto, aprofundam a repressão. Setores da direita, da centro-esquerda e da burocracia da CGTP se unem na convocação de eleições antecipadas para desviar a rebelião para as urnas. A vara e a cenoura, ou seja, ameaças de punição e promessas de recompensas, são usadas para tentar manter um regime morto e um sistema desmoronado.

No Peru, a palavra de ordem de uma Assembleia Constituinte é muito sentida no movimento de massas, como foi na rebelião chilena. Mas temos que alertar o movimento de massas que, sem derrotar o governo e desmantelar a institucionalidade criada pelo fujimorismo, algo que só pode ser alcançado através do aprofundamento da mobilização, uma eleição constituinte pode se transformar em uma armadilha, como acontece no Chile. É por isso que esta palavra de ordem não pode ser o centro da política dos revolucionários. O central é a continuidade da mobilização, exigir que a central operária convoque uma greve geral até que o governo caia, chamando as organizações dos setores em luta para tomar o poder. Esta é a única forma de tomar as medidas mais urgentes a favor do povo e convocar uma assembleia constituinte livre e soberana para reorganizar o país a partir de uma nova estrutura.

Devemos tirar conclusões dos processos nos quais estamos participando. Para fazer análises precisas e objetivas, que é a única maneira de termos políticas corretas para intervir e para nos construirmos, ganhando os melhores lutadores para nossos métodos organizacionais e o nosso programa.

Hoje, os capitalistas não são suficientemente fortes para infligir derrotas históricas às lutas que se desenvolvem e, embora os problemas de direção de nossa classe e dos setores populares não lhes permitam resolver a crise capitalista a seu favor, a luta contra os ataques aos padrões de vida e o crescente autoritarismo continuará. É por isso que a perspectiva que vislumbramos é a de um aprofundamento do ascenso, com mais greves, mobilizações e rebeliões recorrentes.

Nosso desafio é aproveitar esta nova etapa em cada país para educar nossos quadros mais jovens, para nos estruturar social e politicamente na classe trabalhadora e nos setores mais dinâmicos do movimento de massas e para dar saltos em nossa construção, estando conscientes de que estamos apenas no início de um processo que tenderá a se aprofundar e nos dará múltiplas oportunidades de avançar.

Somente se avançarmos na construção de organizações socialistas revolucionárias fortes nesta fase e conseguirmos dirigir setores de nossa classe, seremos capazes de nos transformar em um fator objetivo que enfrentará as fraquezas dos processos, ajudará o movimento operário a desempenhar o papel estratégico necessário e disputará o poder nas próximas rebeliões e revoluções. Só assim poderemos garantir que a situação pré-revolucionária não acabe regredindo, que evolua à revolucionária para que possamos mudar a história.

VII. O ecossocialismo como uma contribuição para a revolução

A catástrofe socioambiental provocada pela matriz de produção, consumo e regime de propriedade privada monopolista do capitalismo é possivelmente um dos desafios mais imponentes de nosso tempo histórico: ativar uma verdadeira operação de resgate para nossa civilização, arrancando do capital e da burguesia imperialista todas as alavancas da economia e reorganizar tudo sobre uma nova base. Longe de todas as recomendações cientificamente irrefutáveis sobre a necessidade de uma urgente transição energética após a fóssil, o mundo está testemunhando um salto na petrodependência e na re-carbonização. A guerra na Ucrânia, ao limitar o abastecimento, apenas incentivou o investimento nas formas mais prejudiciais de geração de energia e no aumento do aquecimento global. Grandes corporações estão implantando, em escala global, uma nova ofensiva do imperialismo extrativista: mega mineração, agronegócios e até mesmo o asfaltamento nos principais enclaves urbanos do mundo. A irracionalidade do capital, alimentada pela lei do lucro, está por trás dos eventos climáticos extremos que vemos na Austrália e no Sul da Ásia, na Europa Ocidental, América do Sul ou Caribe, com consequências terríveis para as massas pobres.

Ao mesmo tempo, estamos passando por uma dura luta ideológica frente a este cenário. Os negacionistas de direita defendem absurdos. Desempenham um papel confuso que temos que combater. As variantes do capitalismo verde propõem “incentivar” os próprios capitalistas poluidores para uma reconversão ecológica: utopia reacionária. Outra quimera insustentável se espalha pelo reformismo: o Green New Deal promovido pela ala esquerda dos Democratas nos EUA, como uma espécie de Keynesianismo verde, que, no final, promove a falsa ideia de que, sem tocar a propriedade privada dos grandes monopólios de hidrocarbonetos, coexistindo com o capital poluidor, o desastre pode ser revertido. Uma falsidade.

Há também debates na esquerda marxista. Desde correntes dogmáticas que se recusam a assumir a necessidade de repensar medidas programáticas e enriquecer a bagagem do socialismo revolucionário, até o revisionismo verde, que romantiza novos temas e afasta a classe trabalhadora como eixo articulador e o partido revolucionário mundial para a ação como estratégia. Com um certo peso no ativismo, há dois autores que contribuem com elementos de análise, enquanto propõem soluções que não compartilhamos: o “comunismo de descrescimento” de Kohei Saito ou a lógica de sabotagem e resistência civil de Andreas Malm, oposto à expropriação, ao planejamento democrático e ao desmantelamento do Estado burguês.

Por outro lado, cresce o movimento de ativismo com vitalidade internacional desde 2018, com as conhecidas greves climáticas, mas que tem importantes expressões regionais em todo o mundo, onde até mesmo, embora incipientemente, setores orgânicos da classe trabalhadora estão começando a desempenhar um papel com seus próprios métodos. Embora por enquanto o peso predominante seja da juventude, mas com uma simpatia generalizada e crescente em outras franjas do movimento de massas. Nossa responsabilidade como socialistas revolucionários e internacionalistas é sermos os melhores ativistas militantes nestas lutas, nos ligarmos ao melhor de sua vanguarda, intervir em eventos internacionais, regionais e nacionais sobre o assunto, propondo nossa saída antissistêmica, revolucionária, ecossocialista e internacionalista, tentando recrutar os melhores elementos para a construção da LIS e suas seções. Neste caminho estratégico, a tática de construir uma poderosa corrente ecossocialista de ideias e ação militante no movimento socioambiental, como um agrupamento da LIS e suas seções nacionais, é uma hipótese de intervenção e construção que teremos que explorar de acordo com as condições específicas de cada país ou região.

Nossos eixos programáticos propõem a expropriação dos contaminadores; reconversão industrial, energética e profissional dos próprios trabalhadores, para uma produção que visa garantir valores de uso social necessário, com controle da produção pelos trabalhadores, com planejamento democrático nacional, regional e internacional, abolindo a propriedade privada, fronteiras nacionais e apostando na estratégia de uma colaboração sem assimetrias imperialistas entre os povos do mundo. A reeducação social-cultural do consumo de massa, não para uma “ética da privação” mas para o desfrute consciente e não alienado de toda a riqueza produzida pela classe trabalhadora, será uma tarefa a ser enfrentada no marco de uma revolução social global com o apoio da inovação tecnológica para estes fins e não para substituir o trabalho humano pela rentabilidade privada. Marx disse que o capitalismo havia fraturado o metabolismo entre a civilização e a natureza ao esgotar as duas principais fontes de criação de riqueza: a força de trabalho e os ecossistemas. Nossa tarefa estratégica é restaurar esta dialética sob outra racionalidade social, com outra lógica humana e universal: o socialismo mundial com democracia e consciência dos limites físicos da natureza.

VIII. gênero: refluxo da onda, lutas e debates

De 2015 a 2019, com desigualdades por países e região, ocorreu um ascenso do movimento feminista e, em menor grau, do movimento LGBT. Entre outros, seus principais motores foram a mobilização contra a violência machista e o direito ao aborto, com as conquistas mais recentes na Argentina, Irlanda e outros países.

Esta onda não continua em crescimento, está em certo refluxo. Algumas conquistas da luta, a pandemia e a contraofensiva reacionária contra os direitos levaram ao impasse atual. Isto não implica que os processos de luta não surjam, mas não atingem a magnitude e a radicalidade do período anterior.

O ponto alto do último período foi o processo de mobilização das mulheres no Irã contra o uso obrigatório do véu islâmico, iniciado com o assassinato de Mahsa Amini pela polícia religiosa, que por sua vez detonou o descontentamento popular acumulado, em uma verdadeira rebelião contra o regime teocrático e capitalista ditatorial dos mullahs.

A restrição dos direitos ao aborto nos EUA é parte de uma contraofensiva político-religiosa reacionária. Assim, estamos em uma verdadeira luta entre cortar direitos versus defendê-los ou expandi-los. Ao tentar reverter sua crise sistêmica, o capitalismo está atacando todos os direitos: econômicos-sociais, trabalhistas e sindicais, previdenciários, humanos, democráticos e civis, ambientais e também os direitos das mulheres e das pessoas LGBT e não-binárias. Em resposta, há lutas e é fundamental intervir nelas como age a vanguarda juvenil radical, que rapidamente faz a experiência com as instituições e partidos do sistema, rompe e está aberta às ideias revolucionárias. Dentre as principais organizações e ideologias concorrentes, podemos destacar:

  • O reformismo de todos os tipos, cujos aparelhos ainda possui influência relativa e cuja linha é retardar e desviar os processos progressivos de luta e organização aos canais institucionais.
  • O feminismo “radical” ou radfem, que coloca o patriarcado e o homem-macho fora da estrutura de classe social como o principal inimigo, sendo assim, funcional ao capitalismo.
  • A política de identidade que, ao dar prioridade política e organizacional às diferenças existentes (raça, gênero, migrantes, etc.) leva ao divisionismo, enfraquece as lutas e é a corrente mais antipartido revolucionário.
  • O mandelismo, que postula um movimento feminista “autônomo” e considera o movimento operário em posição semelhante aos movimentos LGBT, ambientalistas ou antirracistas, diluindo o papel de direção da classe.

Diante destas posições erradas, defendemos um feminismo socialista militante e revolucionário. A opressão patriarcal é intrínseca à exploração capitalista, já que o trabalho doméstico gratuito das mulheres produz benefícios econômicos para a burguesia. Evitamos também a abstenção sectária diante dessas lutas: com mais de 40% de mulheres, mais os gays, sofrendo maior desemprego, precariedade e renda mais baixa, as questões de gênero fazem parte da vida cotidiana da própria classe trabalhadora.

IX. A importância da juventude

A juventude é particularmente afetada pela crise do capitalismo em todas as suas expressões. O desemprego entre os jovens em todo o mundo excede em muito, muitas vezes dobra o da população em geral. São os mais afetados pelo trabalho precário e pela instabilidade. As políticas de ajuste restringem o acesso à educação pública e degradam sua qualidade. Em todo o mundo, a proporção de jovens que não estudam nem trabalham está aumentando, são criminalizados, perseguidos e muitas vezes mortos pelos aparelhos repressivos dos Estados burgueses. O capitalismo não oferece nada aos jovens, deixa-os sem oportunidades, sem um projeto, sem esperança e sem futuro.

Não é por acaso que são os jovens que frequentemente chegam à conclusão de que não têm nada a perder, que estão na vanguarda das rebeliões e revoluções que varrem o mundo e assumem posições mais radicais. Os jovens são a vanguarda da luta de classes nos últimos anos. Levantaram e mantiveram a linha de frente das rebeliões no Chile e na Colômbia; estiveram na vanguarda da rebelião Black Lives Matter nos EUA e das revoltas no Líbano, Irã e Iraque; estão hoje à frente das greves gerais e mobilizações massivas na França e da insurreição no Peru. Em geral, estão na vanguarda de todos os processos de mobilização, rebeliões e revoluções, bem como entre as camadas mais ativas e militantes no movimento operário, nas greves e nos processos de renovação sindical.

De maneira mais destacada, a juventude é propulsora dos movimentos e das lutas em defesa do meio ambiente, pelos direitos da mulher e do movimento LGBT, temas que preocupam e comovem especialmente a juventude. Embora nestes anos não tenha havido grandes movimentos estudantis reivindicativos, a defesa e a luta pela educação pública é também um tema importante e sensível para a juventude.

Por tudo isso, a juventude sempre foi e ainda é, nesta situação de crise sistêmica do capitalismo e ascensão da luta de classes, um setor estratégico para a construção de partidos revolucionários. Só juntando-se com os jovens radicalizados que compõem a vanguarda dos processos de mobilização e ganhando-os para a saída estratégica da revolução socialista mundial, poderemos construir nossos partidos e nossa internacional com o melhor da vanguarda da luta de classes mundial.

X. Construamos partidos com influência de massas e um polo de reagrupamento internacional

A dinâmica da crise capitalista nos diz que a única possibilidade de interromper o curso acelerado rumo à barbárie e à extinção que a classe dominante nos conduz, é com o triunfo da revolução socialista mundial. As massas estão fazendo a sua parte, ano após ano, há rebeliões e revoluções em todas as regiões do mundo. Mas em nenhuma, até agora, houve uma organização revolucionária com o acúmulo, influência, capacidade e intenção de disputar e ganhar a direção desses processos a fim de conduzi-los à revolução socialista. Isso continua sendo o problema dos problemas.

Temos visto todas as tentativas de combater ou evitar este problema fracassarem. As teorias autonomistas que floresceram após a queda da URSS, de que o mundo poderia ser mudado sem tomar o poder, foram repetidamente refutadas pela realidade. Sempre que o poder esteve nas mãos da burguesia, a burguesia o usou para esmagar todos os movimentos que a desafiaram.

Hoje, alguns questionam a validade da construção de partidos revolucionários, questionando se o objetivo estratégico de tais partidos é possível. Se a revolução não for planejada, uma organização cuja razão de ser é dirigi-la, torna-se inútil. Se o único objetivo é lutar por melhorias democráticas e sociais dentro do sistema capitalista, é melhor limitar-se a construir partidos amplos com um programa limitado a estas exigências.

Essa perspectiva é errada, cética, possibilista e reformista. A única coisa que impede o triunfo da revolução socialista atualmente é a ausência de organizações revolucionárias estruturadas no movimento operário com o peso de disputar a direção dos processos revolucionários que estouram um após o outro e que continuarão a acontecer. Consequentemente, nossa tarefa estratégica é construir estas organizações revolucionárias, leninistas, baseadas na formação de quadros profissionais e um regime democrático e centralizado para a luta pelo poder.

Como não pretendemos construir seitas testemunhais, mas ganhar influência de massas e captar o melhor da vanguarda, temos que estar abertos para participar de certas experiências anticapitalistas amplas quando estas captam a simpatia de importantes faixas de trabalhadores e jovens que giram à esquerda. É por isso que, sem nunca perder nossa independência política e organizacional, fazemos parte da ala esquerda do PSOL no Brasil. Mas não podemos confundir estas ou outras táticas, como a FIT-U na Argentina, com nossa estratégia, que é a de construir partidos bolcheviques. Estas táticas são úteis na medida em que nos ajudam a construir o partido revolucionário, mas a experiência mostra que não duram para sempre. Devemos estar preparados para o momento em que deixarem de ser progressivos e a realidade nos obrigue a delimitação.

Todas as nossas organizações, desde as maiores às menores, devem ter uma orientação para construir nos setores mais dinâmicos da classe trabalhadora e dar particular importância ao proletariado industrial. Tanto para ser uma referência nacional à vanguarda, como para ter um impacto em períodos de luta de classes em ascensão e, ainda mais, quando há rebeliões como as que estamos testemunhando em alguns países. É fundamental liderar setores de nossa classe. O trabalho e o crescimento da juventude, que é fundamental para a formação de quadros, tem que estar a serviço estratégico de nos estruturarmos mais na classe operária.

Uma ferramenta fundamental para a construção de nossos grupos e partidos nacionais tem sido a existência e o dinamismo que nossa Liga Internacional Socialista, a LIS, vem adquirindo. Ao mesmo tempo, este crescimento que estamos alcançando em nível internacional mostra que no mundo existem condições cada vez mais favoráveis para avançar no reagrupamento de revolucionários.

A força da LIS reside em seu projeto, que tenta unir na mesma organização, camaradas provenientes de diferentes tradições, não apenas a partir de bases programáticas principista, mas também, fundamentalmente, a partir de um método saudável de respeito mútuo, sem imposições de qualquer tipo, profundamente democrático, para tentar avançar em direção a uma nova tradição que supere as existentes.

Ampliar o projeto LIS em cada um de nossos países e promover fortemente campanhas e iniciativas internacionais, pode, não apenas nos permitir transformar nosso agrupamento mundial em um polo de atração, mas também, nos ajudar a dar saltos qualitativos em nossa construção.