Por Douglas Diniz – Jornalista (RSF), membro da Direção da Revolução Socialista (RS) e da Liga Internacional Socialista (LIS), Coordenador do Portal Info.Revolução
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Belém, PA – O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (1º/10) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que definirá o futuro da Ferrogrão, um megaprojeto ferroviário de 933 km que se tornou o símbolo da disputa entre a expansão do agronegócio e a preservação da Amazônia.
Com investimento privado estimado em R$ 12 bilhões, a ferrovia é vendida como uma solução logística que ligará Sinop (MT) aos portos do Arco Norte, no Pará, mas é veementemente condenada por movimentos sociais e lideranças indígenas, que a veem como um “atentado contra os povos da floresta”.
A paralisação da obra, que já dura mais de quatro anos por ordem do STF, escancara uma série de violações legais e ambientais, incluindo a invasão de uma unidade de conservação e o desrespeito à Consulta Prévia, Livre e Informada dos povos da floresta que serão impactados.
O custo da violação ambiental e social
O projeto da Ferrogrão é defendido por políticos e pelo setor produtivo devido à sua capacidade de reduzir em até 40% o custo do frete de grãos e otimizar o escoamento da produção do Centro-Oeste para os portos do Pará e, de lá, para os mercados asiáticos e europeus. No entanto, os custos ambientais e sociais desse suposto ganho de eficiência são considerados inaceitáveis por todos que defendem um projeto ecossocialista para o planeta, em contraponto à crise climática.
Com a realização da COP 30 em Belém do Pará, principal cidade da Amazônia, o embate entre ambientalistas, ecossocialistas e defensores de um capitalismo verde — que tem como eixo a ideia de um suposto “desenvolvimento” capitalista “sustentável” — estará no centro de todas as discussões.
Ameaça ao Parque Nacional e ao Xingu
O traçado original da ferrovia atravessa o Parque Nacional do Jamanxim. Em março de 2021, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a Lei nº 13.452/2017, que alterava os limites do Parque para permitir a obra.
A suspensão se deu justamente para proteger a área de conservação e coibir o que o STF reconheceu ser uma ameaça à integridade ambiental da região.
A obra não só gera preocupação com a fragmentação ecológica e o desmatamento ao longo de seu percurso, mas também ameaça bacias hidrográficas vitais, podendo até mesmo partir ao meio a bacia do Rio Xingu.
Desrespeito aos Povos Indígenas e Tradicionais
A ferrovia afeta diretamente ao menos seis territórios indígenas, incluindo o território Munduruku, além de inúmeras comunidades tradicionais de pescadores e ribeirinhos. A principal denúncia é a ausência de consulta adequada.
A Consulta Livre, Prévia e Informada é um direito dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, garantido pela Convenção 169 da OIT, que assegura a obrigação de serem consultados antes da adoção de medidas legislativas ou administrativas que possam afetar seus territórios ou modo de vida.
O traçado da Ferrogrão, que acompanhará a BR-163 até a cidade de Trairão (Pará) e, a partir daí, seguirá até Miritituba (Pará), percorrerá a margem do rio Tapajós, afetando a porção leste de sua bacia e aproximando-se perigosamente da bacia do Xingu.
Em escala regional, o impacto é devastador:
- Terras Indígenas: O projeto afetará diretamente seis terras indígenas e ameaçará a sobrevivência de três povos em situação de isolamento voluntário.
- Áreas Protegidas: Serão impactadas 17 áreas preservadas, incluindo Unidades de Conservação, Resex (Reserva Extrativista) e Flonas (Floresta Nacional), essenciais para a biodiversidade.
- Comunidades Rurais: A ferrovia atravessa um grande número de assentamentos rurais, colocando em risco o sustento de milhares de famílias que sobrevivem da agricultura familiar. Só no município de Itaituba (PA), há 17 assentamentos; ao longo de todo o trajeto, contam-se 26 assentamentos rurais no raio de 10 km da ferrovia.
Ambientalistas reforçam que a Ferrogrão não é apenas uma rota de escoamento de grãos, mas uma porta aberta para a destruição sistêmica da floresta, priorizando o lucro do agronegócio em detrimento da vida e da sustentabilidade dos povos tradicionais da Amazônia.
Alessandra Korap Munduruku, uma das mais proeminentes lideranças indígenas, afirma que o projeto da Ferrogrão, somado à privatização dos rios Tapajós, Tocantins e Madeira para criar hidrovias de escoamento da soja, configura um ataque coordenado aos povos da Amazônia.
As comunidades expressam profunda preocupação com a qualidade da água e com a inevitável pressão sobre a terra que a nova infraestrutura irá gerar, facilitando a grilagem e as ocupações ilegais.
Incoerência climática
Embora o transporte ferroviário seja, de fato, mais eficiente em termos de emissão de gás carbônico por tonelada do que o rodoviário, especialistas alertam que essa ‘vantagem’ ignora os impactos ambientais indiretos.
A construção da Ferrogrão está intrinsecamente ligada ao aumento do desmatamento, da especulação fundiária e da perda de biodiversidade em uma das áreas mais sensíveis da Amazônia, contrariando os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate às mudanças climáticas e em completa contradição com a propaganda governamental da COP 30, cujo discurso oficial vende a ideia de que a conferência servirá para debater questões climáticas e de conservação ambiental, quando, na verdade, não passa de um negócio capitalista.
A Pressão política pelo lucro
Apesar dos alertas e das decisões judiciais, o projeto mantém forte apoio político, sendo o governo Lula um dos seus entusiastas. Tanto governo quanto oposição de direita têm pontos em comum na defesa da Ferrogrão. Isso inclui o senador bolsonarista Zequinha Marinho (Podemos-PA) e o deputado federal Delegado Éder Mauro (PL), que pressionam o STF pela aprovação.
O setor do agronegócio paraense, representado pela Fiepa, defende o projeto como “estratégico” para a logística e a eficiência no escoamento de grãos.
O senador Jader Barbalho (MDB), pai do governador Helder Barbalho e do ministro das Cidades, Jader Filho, expressou sua expectativa pela aprovação, desde que ‘todos os requisitos ambientais sejam observados’ — uma exigência que, segundo o MPF, não foi cumprida.
A retomada do julgamento pelo STF, após suspensões sucessivas para conciliação (a última delas em maio de 2024), coloca o Tribunal no centro da decisão sobre qual modelo de desenvolvimento o Brasil priorizará na Amazônia: o lucro do agronegócio com infraestrutura de grande impacto ou a manutenção da floresta e o respeito aos direitos dos povos que nela vivem.
A Ferrogrão faz parte de um plano de ‘modernização’ e ‘descentralização’ do transporte de cargas no Brasil, inserido no projeto da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), cujo objetivo é conectar as economias da América do Sul por meio de projetos de infraestrutura nas áreas de transporte, energia e telecomunicações, promovendo a integração física e econômica do continente com o outro lado do oceano Atlântico, em especial com os mercados europeus e asiáticos — sobretudo do capitalismo chinês, amplamente visitado e elogiado pelo governo do presidente Lula (PT/Frente Ampla).




